Pelo amor de Israel. Entre mesquita, igreja e a sinagoga. Artigo de Enrico Peyretti

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17 Abril 2024

Uma apresentação em Turim do livro Gaza delle Genti: Israele contro Israele. O problema é se o Estado, como é concebido hoje, é a única forma de existência política do povo judeu.

O artigo é de Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Chiesa di Tutti chiesa dei Poveri, 12-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo. 

O católico Raniero La Valle, promotor com Michele Santoro da chapa “Paz Terra Dignidade”, apresentou na Mesquita Taiba de Turim o seu livro sobre a questão judaica e Israel, intitulado Gaza delle Genti, publicado pela editora romana Bordeaux. Taiba é outro nome para Medina, a cidade sagrada do Profeta, e essa mesquita é um dos locais do diálogo cristão-islâmico que ocorre em Turim desde o ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas.

O livro mostra como nas diferentes tradições religiosas, começando pelo Islã, se misturam a misericórdia de Deus e a espada. Contudo, todas as Escrituras Sagradas necessitam de exegese para distinguir o essencial da mensagem dos violentos acontecimentos históricos em que foi transmitida. A mensagem autêntica, expressa em múltiplas formas e linguagens, é que Deus é misericórdia, e essa foi a resposta que os Sábios muçulmanos deram ao terrorismo de Al Baghdadi. Como aconteceu essa confusão? É tributária não só do peso do mal, mas de uma racionalidade doente.

Israel é um Estado diferente dos outros, que resulta em quatro realidades: o povo, o sistema jurídico, a terra, a fé messiânica. O Estado é visto como realização da promessa messiânica, ainda que no judaísmo existam duas correntes: uma espera a realização não humana, mas apenas por obra de Deus, da promessa bíblica, a outra, que prevaleceu ao longo dos séculos, pretende concretizar política e também militarmente a promessa.

O Holocausto foi o choque terrível, que impôs a segunda alternativa, invocada com a palavra: nunca mais os judeus fracos e sem poder! Israel surgiu, portanto, como Estado soberano que reserva a plena cidadania apenas aos judeus de Israel, numa terra que era habitada pelos "nativos" palestinos, numa relação de alternativa: nós ou eles. Contudo, houve a resistência palestina, houve a tentativa de paz baseada na fórmula de dois povos e dois Estados, o acordo entre Arafat e Rabin, acordo que não se concretizou: hoje 750.000 colonos agressivos ocupam a Cisjordânia, que deveria ter sido palestina.

O verdadeiro problema a ser resolvido é o emaranhado religioso-político-territorial. Netanyahu não age sozinho, representa a política de Israel. O povo judeu da Diáspora não é responsável pelo que acontece, mas agora corre seriamente o risco de sofrer uma reação de antissemitismo.

La Valle escreveu esse livro por amor a Israel, que corre o risco de suicídio. Que visão propõe para o amanhã? A única solução, não irreal, mas política, é a reconciliação entre os dois povos. Isso implica uma distinção, mas não um estranhamento, entre a fé judaica e o Estado, como preconizava Primo Levi, que colocava o centro do judaísmo, como espírito e cultura, na Diáspora e não no Estado.

O Hamas é o resultado do fracasso da ideia de “dois estados para dois povos”. O Hamas e o povo palestino também deveriam converter-se à reconciliação. Existe uma terceira via entre os dois opostos genocídios: a misericórdia entre os povos. A redenção pode vir do mal absoluto: não um milagre esperado do alto, mas uma ação pela qual os homens sejam responsáveis. Portanto, um discurso político.

Houve um erro político no nascimento de Israel. Ben Gurion dizia: o acordo com os árabes é impossível a menos que cheguem ao desespero. Eles chegaram, sim, ao desespero, mas não o suficiente para aceitar a situação destrutiva para eles.

Israel nasceu assumindo como constituição do Estado a Torá, a lei mosaica transmitida na Bíblia. Em 19 de julho de 2018, por intermédio de Netanyahu, foi traduzida numa “lei fundamental” do Estado, que proclama a reserva ao povo judeu do direito natural, religioso e histórico àquela terra, sobre a qual se argumenta, de forma política, que não deveria existir outra soberania “do Jordão ao mar”.

O próprio Israel deve, portanto, converter-se. Não por uma coerção que venha de fora, mas por uma mudança interna do próprio espírito judaico. Como a cristandade saiu da sua forma violenta? Por um processo interno à tradição do Evangelho. Como nasceu a Constituição italiana? Da profunda mudança de consciência do povo em relação ao fascismo que anteriormente havia aceitado. A imposição externa não muda a realidade humana. O judaísmo, a sua tradição e a identidade do povo de Israel são preciosas para todos. O problema é o Estado, como é concebido hoje, como único modo de sua existência política. O problema é quando o messianismo bíblico se coloca em competição com ad Gentes, com os outros povos da Terra.

O Estado modelo ocidental, de Hobbes, é um Leviatã, um “soberano” que não reconhece nada acima de si mesmo e faz culminar o seu direito no direito de guerra. Existe uma ideologia de competição, de alternativa, de violência. O Estado de Israel assim concebido torna-se também uma entidade armada, um “Deus mortal”, como o definia Hobbes, um homem artificial, o que não está de acordo com a fé de Israel. Uma concepção de Estado que deverá agora ser profundamente e por todos convertida.

A ONU é fruto do mundo como está estruturado hoje. Criada para a paz, a sua Carta condena a guerra e até a ameaça do uso da força. Mas os cinco países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial condicionam toda decisão ao seu veto, na verdade podem impedir a paz.

E é precisamente essa a grande reforma que nos espera.

 

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