13 Abril 2024
"A imponente investigação milenar da teologia sempre se moveu (...) no cume entre essas duas componentes que cruzam a história e a fé. A historiografia e a mensagem de fé devem confrontar-se, cada uma salvaguardando o seu próprio estatuto e a fronteira mútua, como já sugeria o filósofo Schelling".
O artigo é de Gianfranco Ravasi, ex-prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 31-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Parece que ainda ouço a voz poderosa do padre David Maria Turoldo quando me lia em dialeto friuliano, a língua comum a ele e aquele poeta “escandaloso”, os versos de Li ciampanis da Glória.
Procurei-os para esta Páscoa na coletânea La nuova gioventù de Pier Paolo Pasolini, numa edição Einaudi que traz a data do ano de sua trágica morte, 1975. Eu os traduzo, embora tenha consciência de torná-los pálidos, apagados.
“Ressoa o Glória. O coração da minha mãe bate como de uma menina, e o sol lá fora está tão quente como há cinquenta anos, quando só existia Casarsa no mundo inteiro. / Ela corre para molhar os olhos, pobre menina contente, menina com um filho morto, e segura a palma abençoada, rindo um pouco envergonhada, enquanto o Glória ao vento é a única voz do mundo... ".
O canto do Glória in excelsis, cancelado da liturgia durante a Quaresma, e os sinos mudos da Sexta-feira Santa explodem na sua sonoridade pascal, derramando-se sobre os telhados e pelas ruas da aldeia natal de Pasolini. Nós, no entanto, rebobinamos o fio das memórias numa longa sequência que idealmente nos leva de volta à Páscoa de 57 d.C. Estamos em Éfeso, uma esplêndida cidade da Ásia Menor, e o apóstolo Paulo tem nas mãos uma comunicação de Corinto, próspero centro comercial com dois portos, com seiscentos mil habitantes.
Uma administradora, que se tornou cristã, chamada Cloe, que tem uma filial da sua empresa também em Éfeso, descreve a situação alarmante da comunidade coríntia dividida em facções e em estado de crise ética e espiritual. Paulo decide ditar imediatamente uma longa carta, que depois assina de próprio punho (16,21: “Saudação da minha própria mão, de Paulo”): é a Primeira Carta aos Coríntios. E na última folha insere uma breve citação que, no entanto, contém o cerne da mensagem cristã.
É o Credo que o próprio Apóstolo, cerca de quinze anos antes, tendo saído arrebatado pela experiência no caminho de Damasco, tinha aprendido e que agora reiterava como estrela-guia da fé daquela Igreja turbulenta: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E que foi visto” por ele e por outras testemunhas (15,3-5). Nesse ponto, sempre rebobinando o fio da memória, chegamos a outra Páscoa, a primeira cristã.
Estamos num alvorecer primaveril, talvez no ano 30 d.C. Um grupo de mulheres discípulas corre para o sepulcro de Jesus para completar os ritos fúnebres, interrompidos na noite de sexta-feira devido ao descanso sabático. A sua descoberta é desconcertante: o túmulo está vazio e preserva os vestígios de um morto que já não está mais presente. É surpreendente que os Evangelhos atribuam essa descoberta a mulheres e não aos discípulos.
Estamos diante um fato histórico genuíno: tal atestado nunca teria sido inventado, porque no antigo direito semítico o testemunho feminino era inválido por serem inabilitadas a desempenhar tal função.
Em seguida, lhes é reservada uma angelofania, ou seja, uma experiência do divino que faz irrupção na história por um mensageiro, o anjo justamente, cujas palavras são aquelas posteriormente afirmadas pelo Credo cristão: “Ele ressuscitou!” Estamos agora diante de uma interpretação-explicação teológica do sinal do túmulo vazio. História e fé estão constantemente entrelaçadas nos Evangelhos e de forma significativa também no evento pascal. Por um lado, o testemunho histórico das mulheres, um dado insustentável se tivesse sido elaborado ficticiamente por motivos apologéticos, confirmado pela posterior verificação do pano do sudário ali abandonado. Por outro lado, eis o anúncio teológico de um ato transcendente que o Novo Testamento expressará com pelo menos duas linguagens interpretativas, “ressurreição” e “exaltação-glorificação” que mereceriam uma longa análise e que atestam a complexidade da própria teologia das origens cristã.
Na mente de muitos de nossos leitores, o evento que acabamos de descrever talvez esteja inserido na memória com um “cenário” diferente: Cristo, resplandecente de luz, paira sobre o sepulcro, depois de ter empurrado a pedra da tumba. Quem não se lembra da poderosa fisicalidade do Cristo ressuscitado que Piero della Francesca pintou em 1460 no salão do antigo palácio municipal de sua cidade, Borgo Sansepolcro?
Pois bem, essa cena é apócrifa e ausente nos Evangelhos canônicos. Eles têm o cuidado de assinalar apenas dois fatos, a ausência de Jesus morto no sepulcro e a sua presença viva, mas inédita, nos encontros subsequentes (aparições).
A imponente investigação milenar da teologia sempre se moveu, portanto, no cume entre essas duas componentes que cruzam a história e a fé. A historiografia e a mensagem de fé devem confrontar-se, cada uma salvaguardando o seu próprio estatuto e a fronteira mútua, como já sugeria o filósofo Schelling. E foi isso que foi feito – nem sempre de forma metodologicamente correta – com grande empenho intelectual nos séculos que se seguiram àquele alvorecer de 30 d.C.
Começamos com a voz dialetal de Pasolini e a fizemos ressoar através de outro poeta da mesma terra, Turoldo. Deixamos a ele a última palavra com uma das suas líricas: paradoxalmente ele adverte-nos que é mais difícil acreditar num Deus crucificado que morre como toda criatura, envolto no silêncio-ausência do Pai divino, em relação ao glorioso Cristo-Deus pascal. Aqui estão seus versos do Canti ultimi (1991): “Não, acreditar na Páscoa não é / a fé correta: / és belo demais na Páscoa! / A verdadeira fé / é na Sexta-Feira Santa / quando Tu não estavas lá em cima! Quando nem um eco / responde ao seu alto grito / e o Nada / mal dá forma à Tua ausência”.
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O anjo anuncia a ressurreição. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU