02 Abril 2024
"A desconfiança em relação à direita, pelo seu passado e pelo seu presente, não afasta, aliás acentua, o sentimento de abandono provocado pelas posições assumidas pela esquerda europeia, que muitas vezes reza os mesmos slogans da retórica árabe mais retrógrada na mais absoluta inconsciência", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 28-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O trágico conflito em Gaza, que tem dificuldades para encontrar soluções devido à impossibilidade de negociar de Netanyahu e Hamas, confirmou um dado cultural já consolidado há anos: desde o 11 de setembro, a defesa de Israel e, pelo menos em palavras, da identidade judaica é prerrogativa da direita, enquanto a esquerda radical, tão barulhenta quanto irrelevante nas urnas, ficou ancorada a categorias terceiro-mundistas e à retórica de Israel como ponta de lança do imperialismo ocidental.
Nunca houve uma falsidade histórica maior, dado que o Estado judaico nasce como movimento anti-imperialista e não deixou nem sequer de usar a arma do terrorismo contra os colonialistas britânicos. Eu não represento ninguém, exceto a mim mesmo. Não tenho cargos comunitários, muito menos ambições políticas internas no mundo judaico, mas escrevo este artigo justamente como judeu. Rejeito da forma mais categórica essas manobras de aproximação. Eu as rejeito porque são manobras escorregadias, que nasceram e prosperaram em função anti-islâmica, quando a retórica de choque de civilizações servia para ganhar votos tanto quanto a saída do euro. Obrigado, mas eu realmente não confio em quem me usa para seus próprios cálculos eleitorais.
A partir da lei sobre as restrições ao abate ritual apoiada por Geert Wilders no distante 2009, já vi como todo esse amor desvanece num instante na hora de escolher entre poucos milhares de judeus e os milhões de votos que traz o ódio antimuçulmano. Em vez disso, sinto-me próximo das comunidades islâmicas europeias e das suas batalhas em nome do respeito pelas minorias e pela liberdade religiosa. Rejeito a mão estendida pela direita porque, para o meu gosto, é um pouco estendida demais. Eles saberão como conciliar esse repentino amor por Israel e pelo judaísmo com as fileiras de nostálgicos e dos vários retratos do Duce que zelosamente guardam nas suas casas e nos seus escritórios. Incluindo uniformes nazistas.
É demasiado ambíguo manter o pé em dois sapatos, mais cedo ou mais tarde vocês terão que prestar conta a essa base identitária que ainda expressa a grande parte da sua classe dirigente. As Forças de Defesa de Israel na frente, com os vários La Russa, Lollobrigida e quantos mais houver. Mais ainda, rejeito esses avanços “direitosos” porque reduzem o judaísmo a desabafo: o ódio que vocês atraem recai sobre nós, fortalecendo o preconceito do judaísmo como identidade rígida e imóvel no tempo.
Muito pelo contrário. Um antigo midrash ensina que os Dez Mandamentos foram oferecidos a outros povos, mas apenas o hebraico os aceitou, mostrando-se disponível a emancipar-se de sua condição presente. Se a identidade judaica permaneceu imóvel é porque na diáspora você só pode conservar, nunca desenvolver. Pode-se dizer que a sua imobilidade corresponde à teimosia com que provou ser fiel à antiga promessa de mudança.
A desconfiança em relação à direita, pelo seu passado e pelo seu presente, não afasta, aliás acentua, o sentimento de abandono provocado pelas posições assumidas pela esquerda europeia, que muitas vezes reza os mesmos slogans da retórica árabe mais retrógrada na mais absoluta inconsciência. A realidade que emerge depois de 7 de outubro é que a Europa nunca enfrentou a chamada “questão judaica”, nem mesmo nos anos que se seguiram ao Holocausto. Exceto nos ambientes católicos reuniões pós-conciliares, onde o tema foi abordado de frente, ninguém quis questionar os fundamentos do antijudaísmo ocidental, que sempre viu com suspeita a resistência à assimilação dessa identidade "separada" e foi explorado em total consciência pelos nazistas.
Uma intolerância à especificidade judaica que encontra, hoje mais do que nunca, nova linfa no antissionismo, talvez na elegante (porque muito democrática) ideia de um estado binacional, que condenaria os judeus ao seu eterno destino de povo errante, impedindo-lhe a possibilidade de ter um lugar no mundo onde poder desenvolver a sua cultura.
Um clássico daquele abstrato igualitarismo ocidental, que sempre teve como apêndice o ódio antijudaico, tanto na versão helenística como cristã e, finalmente, iluminista. Isso não me leva, no entanto, rumo ao abraço mortal da direita, forte da distinção espinoziana entre sábio e ignorante, onde este último é aquele que não age, mas reage à posição do outro.
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Por que rejeito a mão que a direita estende a Israel. Artigo de Davide Assael - Instituto Humanitas Unisinos - IHU