Texto apresenta as várias sugestões de cantos litúrgicos a serem cantados na celebração que acontece em quase todas as catedrais do país na Quinta-feira Santa pela manhã, na Missa do Crisma.
"Fazemos um levantamento bíblico-litúrgico-teológico dos textos, justificando suas fontes; sugerimos as composições existentes (conhecidas e ainda não conhecidas) de compositores que se debruçaram sobre o tema e sobre os ritos desta Missa", escreve Eurivaldo Silva Ferreira.
Eurivaldo Silva Ferreira é leigo batizado, graduado em Teologia pela PUC/SP. Mestre em Teologia, pela PUC/SP, com concentração em Liturgia. Pós-graduado em Liturgia pelo IFITEG. Professor de Filosofia, Sociologia, História e Geopolítica na rede pública de São Paulo. Assessora grupos, comunidades, paróquias e dioceses na formação teológica-litúrgico-musical. Atua na formação litúrgico-musical em dioceses, paróquias e comunidades. Membro da Rede Celebra de Animação Litúrgica. Membro do Corpo Eclesial de Compositores da CNBB. Membro do Universa Laus. Membro da Equipe de Reflexão em Música da Comissão Episcopal para a Liturgia da CNBB. Contribuiu na publicação das reedições dos Hinários Litúrgicos da CNBB.
Esse artigo apresenta as várias sugestões de cantos litúrgicos a serem cantados na celebração que acontece em quase todas as catedrais do país na Quinta-feira Santa pela manhã, na Missa do Crisma.
O texto foi preparado e ofertado à Comissão Episcopal para a Liturgia da CNBB, que o publicou resumidamente em seu site em anos anteriores, a pedido do Setor de Música desta mesma Comissão.
Fazemos um levantamento bíblico-litúrgico-teológico dos textos, justificando suas fontes; sugerimos as composições existentes (conhecidas e ainda não conhecidas) de compositores que se debruçaram sobre o tema e sobre os ritos desta Missa. Por fim, não se trata de um trabalho terminado, mas nossas sugestões servem como baliza para a criação ou o uso de outros textos e produções a fim de ainda serem preenchidas algumas lacunas existentes.
Nosso trabalho, por enquanto, consiste em fazer apenas a indicação das composições litúrgicas existentes, pois ainda não ofertamos as partituras e os áudios, o que poderemos fazer para o futuro, numa coletânea a ser publicada, caso haja interesse geral.
Para introduzir e dar o sentido desta celebração, reproduzo abaixo a bonito comentário da Missa do Crisma, extraído do Missal Dominical, Missal da Assembleia Cristã, traduzido e publicado pela Paulus, 1995, pág. 288, preparado pelo Centro catequético Salesiano de Turim-Leumann (Itália) e publicado com o título original Messale dell’Assembleia Cristiana – Festivo.
“O bispo e os presbíteros concelebram na catedral. Constituídos, na última Ceia, 'servos do Mistério': realizam eles a unidade do seu sacerdócio no único grande Sacerdote, Jesus Cristo.
Nesta missa manifesta-se o mistério do sacerdócio de Cristo, participado pelos ministros constituídos em cada Igreja local, que renova, hoje seu compromisso ao serviço do povo de Deus.
O bispo, cercado pelos outros sacerdotes, abençoa os óleos, que serão usados nos diversos sacramentos: o crisma (óleo misturado com perfumes), para significar o dom do Espírito no batismo, na crisma, na ordem; o óleo para os catecúmenos e o óleo para os enfermos, sinal da força que liberta do mal e sustenta na provação da doença.
Através de uma realidade terrena já transformada pelo trabalho do ser humano (o óleo) e de um gesto simples e familiar (a unção), exprime-se a riqueza da nova existência em Cristo, que o Espírito continua a transmitir à Igreja até o fim dos tempos”.
Nesta celebração o Canto de Abertura traz em sua letra poética características de uma verdadeira festa do povo de Deus, cuja natureza é por si só sacerdotal. No entanto, do meio do povo são escolhidos certos membros que serão presbíteros, exercendo mais próximo do bispo o múnus de pastoreio. Essa característica tem como fonte as Sagradas Escrituras em que narram a unção do Cristo, tendo em vista a sua missão (cf. Lc 4,18; At 10,38; Hb 1,9).
Por consequência dessa unção, os membros do povo de Deus que são escolhidos como presbíteros, recebem essa qualificação na qual é simbolizada pelo sentido cristológico da unção crismal feita no batismo. É a partir daí que todo os membros do povo de Deus recebem o nome de “cristãos”. Quando se ordenam bispos, presbíteros e diáconos, na oração em que se invoca o Espírito Santo, relembra-se também a unção espiritual de Cristo sacerdote, rei e profeta.
Tendo em vista o sentido previsto acima, a texto poético vai extrair das fontes da Sagrada Escritura as imagens com as quais ele mesmo relembra aquele que foi ungido, e que exprime, pela graça do Espírito Santo, os dons característicos da relação esponsal com o Cristo, caracterizada pelo povo como sua esposa peregrina no mundo (cf. Ef 5, 17).
Também, de modo igual é relembrado no texto poético a íntima união do pastor com suas ovelhas (bispo local e seu rebanho), mas não se trata de uma lembrança hierárquica simplesmente, sobretudo caracteriza uma forma simbólica de concepção de seguimento ao Cristo, que se apresenta como pastor de um único rebanho.
Por consequência, os presbíteros se unem ao mistério da celebração deste dia quando, reunidos ao redor da mesma mesa eucarística, nela exerce a presidência o bispo local para manifestar essa união como “testemunhas e cooperadores na consagração da crisma e conselheiros do ministério cotidiano” (Paschallis sollemnitatis, 35).
Nota-se que o caráter simbólico presente no texto sublinha a dimensão da colaboração que esses membros escolhidos exercem na Igreja. É como se os presbíteros cantassem assim: “Somos testemunhas das ações que nosso pastor realiza entre nós a fim de que todo o povo seja assemelhado ao Cristo, que foi ungido como sacerdote, rei e profeta com o óleo consagrado”. Aqui está um bom assunto para uma bonita letra poética para o canto de abertura desta celebração.
Trata-se, então, de um canto que emana da voz mesma do pastor ao vislumbrar o seu rebanho como porção local do povo de Deus formando a Igreja. Por sua vez, o povo, a assembleia, que também é constituída pelos presbíteros e por quem preside, canta como num reconhecer-se como parte integrante deste povo formado por Jesus Cristo, e de fato, assim o é. “Somos povo de sacerdotes”, eis o canto da assembleia reunida.
O texto antifonal que inicia essa celebração, tirado do livro do Apocalipse 1,6, previsto e sugerido pelo Missal Romano, sublinha essa característica: um povo que canta identificando-se como povo de reis e sacerdotes (Jesus Cristo fez de nós...). note-se que o pronome pessoal do caso reto “nós” é colocado em evidência no texto. É a Igreja se autoafirmando, cantando para si mesma aquilo que ela, de fato, o é.
Portanto, não se trata de elogiar a Igreja hierárquica como comumente já estávamos acostumados a cantar em “Reunidos em torno dos nossos pastores”, oferecendo à Igreja elogios de natureza alheia aos textos da Sagrada Escritura. Sobretudo, o conceito de identificação ao Cristo ungido e à sua missão é o que deve prevalecer nesse texto bíblico-litúrgico-poético.
Assim, a pergunta que se faz: “Quem é esse povo reunido?”, terá sua resposta com aquilo que o próprio Jesus Cristo fez quando da ocasião de sua unção: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para que eu dê a boa notícia aos pobres; enviou-me a anunciar a liberdade aos cativos e a visão aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, para proclamar o ano de graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). Todas as referências bíblico-poéticas que farão parte do texto desse canto trarão essas chaves.
Uma das opções aqui indicadas com texto e música do Pe. Ney Brasil é uma justificada opção, pois no refrão traz o texto tal e qual é sugerido pelo Missal Romano como refrão, e, nas estrofes, elenca uma série de passagens bíblicas que fazem memória ou ainda reforçam a manifestação de um povo escolhido, povo sacerdotal com todas as características que as Sagradas Escrituras narram e traçam: nação santa, povo de Deus, povo para anunciar..., pedras vivas, sacerdócio santo, o Cristo fez de nós um reino de sacerdotes, seremos sacerdotes de Deus e do Cristo. Além disso, o próprio compositor fez questão de identificar as passagens bíblicas onde se pode localizar essas expressões.
A mesma indicação da antífona com a adaptação melódica do Pe. Silvio Milanez tem como estrofes a versão poética do Salmo 46(45), cuja descrição traz as características do Rei com indumentárias para o exercício de seu poder descritos pelas expressões: mais belo, valente, forte, herói, vitorioso, lutador, amante da justiça, o que possui as vestes perfumadas etc. Mas, um verso se destaca nesse conjunto de estrofes: “com o óleo da alegria ungiu-te o Deus da verdade”. Eis aí a eloquência que deve ser dirigida ao Cristo, fazendo referência ao que foi antevisto no Primeiro Testamento ao narrar e prefigurar o Ungido de Israel.
O compositor Gilson Celerino propôs uma versão do Salmo 131(132) unida à mesma indicação de antífona. Trata-se aqui de “pinçar” o que no Salmo indicaria a origem do povo sacerdotal, através de Davi, cuja linhagem pertence o próprio Jesus. Repare que na conjugação do texto os cenários e as paisagens aparecem perfeitamente ajustadas com aquilo que é o sentido próprio desta celebração: identificar nas Sagradas Escrituras o que prefiguraria aquilo que viria a ser o povo escolhido, a imagem oriunda do povo de reis, do qual pertenceu o Rei Davi.
Para a versão de Lucien Deiss, cuja adaptação foi feita para a língua portuguesa, o texto mostra alguém que aclama para o povo com as expressões: “Povo de reis, assembleia santa, povo sacerdotal...”. No fundo, é o povo mesmo, assembleia reunida, que enxerga em si mesma essas características, isto é, canta-se como se estivesse defronte a um espelho. Nas estrofes o louvor é dirigido ao Cristo, com o qual é elencado com diversas imagens e características, todas tendo como origem as Sagradas Escrituras. Os elogios dirigidos ao Cristo funcionam nessa letra como uma espécie de fundamentação da própria assembleia, que poderia se exprimir assim: “Nós só somos povo de Deus porque assim tu, como Cristo, nos constituíste, com o qual nós cantamos como sendo o Filho da Virgem Maria, o nosso irmão...”, e assim por diante. Ora, reunidos como Igreja em torno da mesa eucarística, nós estamos reunidos, de fato, em torno do mesmo Cristo, que nos abre os tesouros da Sagrada Escritura e parte o pão para nós.
A versão indicada cuja letra é de Frei Telles Ramon e a música de Daniel De Angeles traz em seu bojo o contexto da primeira leitura dessa celebração: o Cristo, o ungido que confirma sua missão. É o povo que dirige o seu canto a Deus, identificando-se como povo representado no texto de Lucas, cuja leitura o fez Jesus, ao narrar que foi ungido pelo Espírito. É o mesmo texto que ouviremos no Evangelho. Justifica-se essa escolha, pois, da mesma forma se faz memória do Cristo ungido, segundo o qual dele recebemos a unção do Espírito para o imitarmos em sua missão. Essa opção de canto também fica propícia para o momento da comunhão, já que a comunidade, ao se aproximar para receber o sacramento do Corpo do Senhor, faz memória das palavras que foram lidas no Evangelho.
Portanto, não é difícil fazer a ligação memorial em que Sagrada Escritura se conjuga para um mesmo fim: a natureza bíblico-poética-litúrgica que vai compor o texto para o Canto de Abertura da Celebração da Missa do Crisma. O hábil poeta ou compositor deve possuir e saber dosar essas imagens quando construir um texto destinado ao canto litúrgico. Visitar as Sagradas Escrituras é fator essencial para essa arte.
Que essas belas imagens possam ser enaltecidas com belas vozes, sobretudo o canto do povo que participará dessa celebração, compondo a assembleia dos escolhidos. É essa assembleia que se sente convocada para ser assembleia sacerdotal e se permite deixar que se espelhe em sua imagem a mesma do Cristo ungido, que, com a força do Espírito Santo, se entrega à missão que o Pai lhe confiou. É esse o serviço sacerdotal de Jesus: ser servidor de uma causa, com o qual e pela qual nos identificamos.
- Jesus Cristo fez de nós (Texto: Missal Romano e Pe. Ney Brasil| Música: Pe. Ney Brasil).
- Jesus Cristo fez de nós (Texto: Missal Romano - Ap 1,6 e Sl 44,2.8| Música: Pe. Silvio Milanez | Adaptação: Cleiton Dias).
- Jesus Cristo fez de nós (Texto: Missal Romano - Ap 1,6 e Sl 131(132) | Música: Gilson Celerino).
- Jesus Cristo fez de nós (Texto e música: Lucien Deiss).
- Jesus Cristo fez de nós (Texto: Frei Telles Ramon, O. de M. – inspirado em Is 61,1-3 | Música: Daniel De Angeles).
- Jesus Cristo fez de nós um reino (Texto: Ap 1,6; Sl 88(89), Missal Romano e Liturgia das Horas | Música: Frei Wanderson Luiz Freitas, O. Carm.).
- Povo de Reis (Texto e música: Lucien Deiss).
- Somos teus servidores, Senhor! [Letra: Frei Telles Ramon, O. de M. e Liturgia das Horas / Música: Gilson Celerino] Álbum Povo de Deus, Povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 2.
- O Espírito do Senhor está sobre mim [Letra: Frei Telles Ramon, O. de M. / Música: Daniel De Angeles] Álbum Povo de Deus, Povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 4.
- Do Senhor o Espírito pousa [Versão: Pe. Jocy Rodrigues / Música: Pe. Ney Brasil] Álbum Povo de Deus, Povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 5.
- Entrarei em tua casa, ó meu Deus! [Letra: Frei Telles Ramon, O. de M. / Música: Wanderson Freitas] Álbum Povo de Deus, povo sacerdotal, Paulus – Faixa 14.
Elencado entre os cantos interlecionais, isto é, entre as leituras, o Salmo responsorial constitui uma resposta cantada ao sentido da primeira leitura que a assembleia acabou de ouvir. Também podemos afirmar que se trata de um comentário lírico dessa leitura.
As leituras são, em sua grande maioria, textos que se inscrevem no contexto da história da salvação e se referem a acontecimentos ou a personagens determinados. Os salmos, ao contrário, são poemas (Gelineau, Joseph. Os cantos da missa em seu enraizamento ritual. São Paulo: Paulus, 2013, p. 56).
Saborear a suavidade de suas palavras enquanto são cantadas é um desafio e tanto para a assembleia ouvinte e participante. O(a) cantor(a) solista, sem “malabarismos vocais”, deve demonstrar isso com sua voz e afinação a fim de que a mensagem do salmo seja assimilada pela assembleia. Nada deve se perder em sua linguagem, pois como parte constituinte da Liturgia da Palavra, é considerado pela Igreja um verdadeiro alimento espiritual (Dei Verbum, 21 e Sacrosanctum concilium, 56).
Embora não se coloquem como textos proféticos, e sim tipológicos, os primeiros cristãos viam nos salmos a própria profecia de Jesus, o Cristo, por isso, o costume de cantá-los remonta dos primeiros séculos da história do cristianismo como herança do culto das sinagogas. Jesus mesmo afirmou em Lc 24,44 que era preciso que se cumprisse tudo o que estava escrito sobre ele na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos.
Consideramos os salmos como poemas inspirados pelo Espírito Santo. Os Santos Padres desenvolveram grandes tratados homiléticos sobre eles, principalmente Santo Agostinho (século V). Aliás, os Santos Padres consideram os salmos como uma “leitura cantada”. Daí a valorização e insistência de que eles sejam sempre cantados.
A Instrução Geral da Liturgia Horas afirma que, em razão de sua origem, os salmos têm a virtude de elevar até Deus a mente das pessoas, despertar nelas piedosos e santos afetos, ajudá-las maravilhosamente a agradecer na prosperidade e dar-lhes, na adversidade, consolo e fortaleza de ânimo (IGLH, 100).
Eis que nessa celebração o texto do Salmo 88, atribuído a alguém que relata uma dinastia real, traz os relatos da promessa de Deus em querer manter essas promessas, assegurando que dessa dinastia deveria suceder um rei que seria ungido tal como Davi o foi. Grande foi a eloquência dessas palavras que logo se viu que as promessas de Deus poderiam perfeitamente se encaixar em Jesus Cristo. Para essa celebração foram escolhidos exatamente os versículos que compõem essa promessa e diálogo entre Deus e seu Filho Jesus (versículos do 21 ao 27).
Lembremos que o texto completo deste Salmo 88 poderá ser retomado como canto da comunhão, também já previsto no Missal Romano. O texto de “Somos os teus servidores, Senhor!” do álbum “Povo de Deus, povo sacerdotal” (Paulus), de Frei Telles Ramon e Gilson Celerino é uma ótima opção para ser executado por um grupo de cantores(as) durante a procissão da comunhão.
Ao tomar consciência dessa característica real, o(a) cantor(a) solista saberá evidenciar com a voz o sentido do salmo, fazendo com que a sua mente acompanhe aquilo que sua voz canta, além de manifestar esse sentido à assembleia presente que, motivada a participar pelo refrão, dá a sua parcela de contribuição ao canto.
Para as três melodias aqui sugeridas não será necessário muito esforço, de tal forma que qualquer cantor(a) experiente na arte de salmodiar poderá executá-lo, contudo que as palavras sejam claras e se tenha a consciência que não se trata de uma exibição artística, mas uma leitura cantada.
Salmo Responsorial: Senhor, eu cantarei eternamente o vosso amor! Sl 89(88)
- 1ª opção: [Letra: Lecionário Dominical / Música: Ir. Miria T. Kolling] Álbum Cantando os Salmos, Paulus – Faixa 20; partitura no Livro Cantando os Salmos – Anos A, B e C – Ir. Miria T. Kolling, Paulus, pág. 22.
- 2ª opção: [Letra: Lecionário Dominical / Música: Pe. José Weber, SVD] Álbum Salmos – Ano A, Pe. José Weber – Faixa 11, Paulus; partitura no Livro dos Salmos – Pe. José Weber, SVD, Paulus, pág. 20.
Pelo canto da Aclamação ao Evangelho a assembleia dos fiéis acolhe e saúda o Senhor, que lhe falará no Evangelho. Omitindo-se a expressão “Aleluia”, no tempo quaresmal este canto louva o Verbo de Deus, que nos tirou das trevas da morte, introduzindo-nos no reino da vida.
Além de acompanhar a procissão do livro dos evangelhos (evangeliário) até a mesa da Palavra, lugar em que será proclamado o Evangelho, esse canto prepara o coração dos fiéis para a escuta atenta daquele que só tem a nos dizer “palavras de vida eterna” (cf. Jo 6,68).
O solista ou o grupo de cantores, no local em que se encontra esse grupo, entoa o versículo previsto para o dia da celebração. Não é recomendável sua repetição após a proclamação do Evangelho, uma vez que ele já cumpriu sua função, a de aclamar, acompanhar e introduzir os ouvintes para a escuta atenta às palavras do Cristo.
Leve-se em consideração que nessa celebração, após a proclamação do Evangelho, o livro é conduzido até o bispo que preside, e, com ele, traça o sinal da cruz sobre a assembleia. Trata-se de um gesto solene em que, cada um(a) persignando-se, acolhe em si o sinal daquele que acabamos de ouvir, presente em sua Boa Nova. Não há necessidade de aplausos nem outros gestos ou expressões sonoras nesse momento. O gesto é silencioso.
É bem comum que os versículos cantados pelos(as) solistas sejam tirados da Sagrada Escritura, conforme se prevê no versículo dessa celebração (Is 61,1), e que é retomado no evangelho de Lucas. Facilita para os(as) solistas o texto do versículo já previsto no próprio Lecionário.
- Glória a vós, Senhor Jesus! [Letra: Lecionário Dominical / Música: Pe. Wallison Rodrigues] – Álbum CF 2018 – Paulus/CNBB – Faixa 9.
- Louvor a vós, ó Cristo! [Letra: Lecionário Dominical / Música: Gilson Celerino] – Álbum CF 2018 – Paulus/CNBB – Faixa 9
A obra de Augusto Bergamini, Cristo, Festa da Igreja, afirma que esse rito “inserido na celebração eucarística, sublinha também o mistério da Igreja como sacramento global de Cristo, que santifica toda realidade e situação de vida” (p. 301).
Apesar de o óleo do Crisma dar título a essa celebração, são também abençoados o óleo dos catecúmenos e o óleo dos enfermos, daí a expressão popularmente conhecida como “Missa dos santos óleos”.
A unção do Crisma no peito da criança batizada ou no jovem, quando recebe esse sacramento, configura a força que recebe do Espírito Santo para que atue em seu corpo a firme decisão de não optar pelo caminho do mal. Simboliza-se também aí o unguento corporal dos antigos gladiadores que, ao travarem a luta com o adversário, este encontre uma espécie de “deslizamento” corporal, situação em que não conseguirá segurar o corpo do ungido devido à camada oleosa despejada em seu corpo a fim de que sua pele fique lisa. Da mesma forma configura-se o óleo dos catecúmenos: uma força lhe é assegurada a fim de que vença toda tentação do mal e permita que o bem seja sempre o seu guia.
Já pelo óleo dos enfermos, que é usado na unção dos que, encontrando-se nesse estado, os enfermos podem enxergar na doença a união de seu sofrimento à paixão redentora de Cristo. O sinal da unção dos enfermos tem um significado simbólico-gestual: os enfermos se configuram à estatura daquele que, mesmo em meio ao sofrimento, não se deixou abater por eles, pondo sua esperança no Pai que o livraria da dor e da morte pela sua ressurreição gloriosa. O óleo e o gesto de ungir o enfermo traduzem a confiança em Deus, pois só ele pode livrá-lo do sofrimento, do mal e da dor.
Os óleos abençoados e destinados e essas três realidades sacramentais possuem delicado perfume aromático. Trata-se de dizer que o “bom odor” da graça de Cristo é agora capaz de se expandir e fazer exalar-se no corpo da Igreja através do corpo de cada ungido.
As estrofes do texto poético desse canto nos remetem à lembrança simbólico-gestual do sinal do óleo em quem se deixa ser ungido por ele, fazendo apenas menção ao óleo dos enfermos no primeiro verso
da segunda estrofe, enquanto as outras estrofes unem o sentido do óleo do Crisma ao óleo dos catecúmenos.
Não é oportuno que o texto poético narre uma espécie de explicação daquilo que vai acontecer logo à frente no rito de bênção dos óleos, uma vez que o canto é indicado apenas para acompanhar a procissão dos membros da assembleia que conduzem os recipientes com os respectivos óleos até o presbitério, lugar em que serão proferidas as bênçãos pelo bispo que preside a celebração.
Certamente as palavras ou expressões foram tiradas do próprio texto de bênçãos e colocadas na beleza do texto poético para servir como canto. Lembremos que um texto poético não tem o caráter de ser explicativo, mas ele se reveste da natureza simbólica em que também lhe são atribuídos os sentidos metafóricos. Contudo, trata-se de uma letra bem simples que condensa nela o sentido, mesmo que mínimo, de cada óleo.
Das cinco versões de melodias oferecidas nesse subsídio todas trazem o mesmo texto, mas são bem acessíveis a diversos grupos de cantores e instrumentistas. A assembleia pode participar ativamente cantando o refrão “Acolhei, ó Redentor”. Uma condução discreta do canto da assembleia feita por um(a) animador(a) com suaves gestos de regência poderá motivá-la a participar entoando essas duas frases do refrão.
Muitos ainda não compreendem o significado do óleo do Crisma nas celebrações do batismo de crianças. Nos parágrafos seguintes fazemos um pequeno relato sobre a sentido bíblico-teológico que a Igreja nos deixou como herança. Há também a relação da incorporação do povo sacerdotal à pessoa do Cristo, identificando-se com ele. Para o grupo de cantores é bom que se mergulhe nesse entendimento, daí podemos afirmar que “a mente acompanhe com a voz aquilo que se canta”, isto é, que as palavras entoadas não sejam somente mera expressão artística, mas tornem-se para quem ouve e canta junto expressão de um sentido maior herdado pela rica Tradição.
As primeiras comunidades cristãs associavam o Batismo, que expressa o mistério da morte, à união a Cristo, com sua ressurreição, com o rito da imposição das mãos, pelo qual já recebiam ali o dom do Espírito Santo. Eles expressam o mistério da morte, a união a Cristo, com sua ressurreição, o que inclui também o dom do Espírito, que efetiva essa união. Ora, o primeiro contato com Jesus após sua ressurreição, já expressa também o dom do Espírito. Enquanto o dom do Batismo expressa a morte e a ressurreição de Jesus, a Crisma expressa Pentecostes. Portanto, Batismo e Crisma nos incorporam ao Filho.
A vida no Espírito começa no batismo, por isso a Igreja manteve aquela unção do óleo perfumado da Crisma no rito do Batismo. O derramamento do óleo da Crisma durante o batismo é para expressar que já começou a vida no Espírito. Na medida em que a pessoa passou pelas águas, já começou uma vida no Espírito. Ela foi agregada ao povo de Deus, identificada, formatada em Cristo, unida a Jesus. Através dessa união ela é o Cristo, foi incorporada ao povo sacerdotal, e ela anuncia o dom perfeito, que se dará na Confirmação. Essa compreensão vem dos orientais, pela qual se afirmam que um dom pode ser aperfeiçoado. Trata-se de uma compreensão que já havia, mas que foi aplicada à Crisma.
Acentuou-se no pós-concílio que o sacramento da Crisma seria um sacramento para a maturidade da vida cristã, para a pessoa se tornar missionária. Na compreensão primária, a confirmação é a perfeição do próprio batismo, e a complementação daquilo que se começou no batismo (Constituição Apostólica sobre o sacramento da Confirmação, Paulo VI, 1971). Trata-se da confirmação do dom do Espírito para a identificação com Cristo. É um sacramento do aperfeiçoamento à própria identidade do Cristo. É no sentido de ser culminância, selo, aperfeiçoamento de vida no Espírito, com o Cristo, identificando-se a ele. Nós somos identificados a Jesus para termos o dom do Espírito. Nós recebemos e somos confirmados no Espírito para vivermos como Jesus, na vida dos filhos de Deus, como seres batizados que somos.
Acolhida e bênção dos Santos Óleos
- Acolhei, ó Redentor! [Letra: Missal Romano] [Partitura: Encontro de Canto Pastoral e Liturgia – Ir. Miria T. Kolling, 2004, disponível no link].
- Bendito seja o nome do Senhor! [Partitura no Hinário Litúrgico da CNBB – Vol. II, p. 200]
Durante a procissão dos dons na Eucaristia se trazem ao altar as oferendas para serem consagradas. Nelas estão condensadas a oferta sacrificial do próprio Cristo entregue (ofertado) na cruz. Eis a razão memorial do gesto de ofertar, pois “naquela mesma noite, ao saber que ia ser entregue, tomou o pão em suas mãos...”, diz a narrativa na Oração Eucarística.
No gesto da oferta nós nos associamos ao Cristo, com o qual desejamos imitá-lo em seu gesto de ofertar-se. Para fazer memória disso, a Igreja se apropria de algumas imagens, símbolos ou ações gestuais: nós, o povo reunido em assembleia; a oração do povo e da Igreja; o incenso (que sobe a Deus como oferta) [cf. Missal Romano, 75]; o pão e o vinho (dons da comunidade); o Cristo, a sua vida; os alimentos que serão doados aos mais pobres (dons coletivos); o dinheiro na cesta de ofertas (dons pessoais).
Quando a Igreja reza o Ofício Divino (Liturgia das Horas), a oferta é a própria oração que dá graças e glória. Ali permanecem elementos comuns, como o povo reunido em assembleia, e outros elementos, como: a oração do povo e da Igreja, o incenso, as ervas cheirosas, o Cristo e sua vida.
De modo geral entendemos que a oferta se resume no pão e vinho, elementos que serão “eucaristizados”. Além disso, o povo faz a sua oferta pessoal em forma de donativos, alimentos e dinheiro. Essas e outras imagens, conjugadas com o gesto de dar, oferecer, entregar, bendizer, louvar etc., fazem parte do texto poético do canto da procissão dos dons ou das oferendas, e fazem com que o conteúdo narrativo cumpra plenamente sua função ministerial. Além disso, essas palavras poéticas devem cumprir sua função ministerial e sintonizarem com a festa ou o tempo litúrgico (Pastoral da Música Litúrgica no Brasil, p. 31).
As orientações para esse texto poético afirmam que esses cantos devem ser tirados dos textos bíblicos, isto é, inspirar-se na Sagrada Escritura e possuir as imagens e os recursos poéticos (metáforas, cenários, símbolos e figuras de linguagem etc.) presentes nessa mesma fonte.
De certa forma, o Missal Romano em nenhum momento fala do conteúdo literário desse canto (nº 74 e 139, edição anterior à nova publicação), ao contrário do canto processional de Abertura e do Canto da Comunhão. Por outro lado, o canto não deve necessariamente falar de ofertas, mas pode recordar a vida do povo de modo condizente com o ato litúrgico ou simplesmente harmonizar-se com a celebração do mistério do dia de acordo com a tradição e os costumes locais [Animação da Vida Litúrgica no Brasil, Doc. 43 da CNBB, pág. 103].
No conjunto da celebração, após a Liturgia da Palavra e antes de iniciar-se a Oração eucarística, a preparação das oferendas representa um momento de pausa, de descanso para a assembleia, um momento visual. Por isso, convém tomar o tempo necessário de maneira que a Oração eucarística, a seguir, tenha um destaque melhor, como retomada do diálogo [Animação da Vida Litúrgica no Brasil, Doc. 43 da CNBB, nº 290].
Mas na Eucaristia o verdadeiro ofertório se dá na elevação da patena com o pão, e do cálice com o vinho, quando quem preside canta ou diz: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós, Deus Pai todo poderoso; toda honra e toda glória, por todos os séculos dos séculos”, ao que a assembleia aclama com um sonoro “Amém” cantado.
O Estudos da CNBB nº 79 – A música litúrgica no Brasil diz que o canto das oferendas está na categoria dos que não possuem textos específicos previstos. A rigor, são elementos facultativos da celebração, nem precisam ser cantados. Ficaria oportuno uma música instrumental, ou então um canto polifônico do coral enquanto a assembleia se movimenta, ocasião em que tal música funcionará como uma espécie de interlúdio entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística, fazendo-se como uma “ponte” entre um momento e outro da celebração eucarística.
Na tradição do canto litúrgico no Brasil, desde a introdução do vernáculo, o canto de apresentação das oferendas chegou a tornar-se um momento em que o povo deseja expressar sua disposição de querer oferecer sua vida, suas conquistas e trabalho ao Senhor, o que parece ter um alto valor existencial e espiritual. Esses cantos devem ser reaproveitados em ocasiões bem especiais da vida da comunidade.
A forma mais adequada e completa deste rito seria praticada se os seus três momentos fossem observados:
a] procissão das oferendas [pão, vinho e água];
b] apresentação dos dons individuais e coletivos [ambas acompanhadas por um canto];
c] oração de quem preside, seguida da aclamação “Bendito seja Deus para sempre!” por parte da assembleia (previsto no Missal Romano).
A rigor, o presidente da celebração deveria saber cantar esse belíssimo texto. No álbum “Partes Fixas – Ordinário da Missa”, da CNBB, há duas ótimas opções de melodias para esse texto.
As cinco opções sugeridas nesse subsídio manifestam em suas letras poéticas algum sentido do que já dissemos acima: a bendição ao Pai por nos ter dado o Filho, e reconhecida pela assembleia que canta. É o caso do “Bendito sejas”, cujo refrão traz essa memória, enquanto nas estrofes a linguagem poética manifesta tudo aquilo que Deus realiza através das mãos de quem se coloca a serviço.
Seguindo a lógica da inspiração bíblica, o Salmo 115 é o mais perfeito modelo de texto para manifestar a oblação de quem deseja agradar ao Senhor. O sacrifício de ação de graças de que fala sua linguagem é-nos atualizada pela referência ao Cristo, o sacrifício perfeito, pelo qual se ergue o cálice da salvação. Esse mesmo texto pode ser útil no canto das ofertas da Missa da Ceia do Senhor, logo mais à noite.
A expressão manifestada pela união da Igreja que faz sua oferta, seja no pão e no vinho, seja na entrega de algum elemento para a manutenção do templo, seja ainda por sua própria doação existencial a serviço dessa mesma Igreja, é indicada pelas duas últimas opções: “Sê bendito, Senhor, para sempre” e “Muitos grãos de trigo”. Nesses textos poéticos aparece mais nitidamente a comunidade, povo de Deus, que quer narrar a beleza dessas ações: entregar, ofertar, bendizer, caminhar juntos etc.
Enfim, uma boa letra poética para os cantos das oferendas deve contar com os seguintes elementos, que podemos chamar de imagens ou cenários, tudo associado por meio de metáforas e linguagens que referenciam o pão e vinho, que são a oferta principal da Eucaristia: bendição ao Senhor; a alegria em oferecer, preparar a mesa ou exaltar o sentido da bendição e do bendizer; o grão de trigo que morre na terra para renascer; cada um de nós oferece (os dons, a vida, as atividades humanas etc.); o Senhor nos dará sua bênção pelos frutos da terra; a colheita dos frutos da terra; os feitos do Senhor na criação de sua obra; as necessidades do mundo, de alguém, de um indivíduo; o comum que é colocado a serviço do outro; a vida em fartura; a terra que nos dá nosso sustento; Deus que confirma o labor de nossas mãos, do nosso trabalho tendo em vista a missão; o cosmos, o tempo, a vida, a duração do dia, o descanso, o suor, o cansaço; os eventos climáticos e outros elementos naturais que proporcionam a terra a produzir e a germinar seus frutos: chuva, sol, estações do ano, flores, orvalho, manhã, tarde, noite, madrugada, lua.
- Bendito sejas, ó Pai da esperança [Letra: Marco Campos / Música: Wallison Rodrigues] Álbum Povo de Deus, Povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 10.
- Bendito seja o nome do Senhor [Texto: Missal Romano | Música: Pe. José Weber, SVD] Álbum Partes Fixas – Ordinário da Missa, CNBB/Paulus, faixa 15.
- Bendito sejais, Senhor [Texto: Missal Romano | Música: Pe. Jocy Rodrigues] Álbum Partes Fixas – Ordinário da Missa, CNBB/Paulus, faixa 16.
- Ó Senhor, meu Deus – Salmo 116(115) – Parte B [Versão e Música: Pe. José Weber, SVD] Ofício Divino das Comunidades, pág149-150, Paulus] – gravado no álbum “Oração da Noite”, Paulinas-COMEP, faixa 14.
- Sê bendito, Senhor, para sempre [Letra: Frei José Moacyr Cadenassi, OFMCap | Música: Júlio Cézar Marques Ricarte] Campanhas da Fraternidade 2004, faixa 10; 2008, faixa 8; 2014, faixa 8.
- Muitos grãos de trigo [Letra e música: José Acácio Santana] – “Cantos e Orações”, Editora Vozes, nº 717.
A alegria dos que se aproximam para a mesa da Eucaristia é a característica desse canto. Nele se traduz o espírito presente na atitude dos que recebem o sacramento do Corpo do Senhor, e, por sua vez, entoam um hino dirigindo-se ao Cristo por tão grande mistério: ele mesmo se dá a nós partilhando seu corpo e sangue.
As propostas para o canto de comunhão sugeridas nesse subsídio trazem em seus textos poéticos várias imagens que refletem neles as características do Cristo que foram lidas no Evangelho. Por isso, como já dissemos: a memória das palavras que foram lidas, ouvidas e assimiladas, agora se tornam como que sinal eloquente e mistérico na ação de comer e beber; é o próprio Cristo, Palavra viva, que se dá na Eucaristia e que na memória dos que se dirigem à mesa do alimento ressoa agora em palavras cantadas.
Na sugestão do “Vós sereis os meus amigos” (Paulus), com letra de Frei Telles Ramon e música de Pe. José Weber, compreende-se no refrão que é extraído de Jo 15,14 aquelas palavras em que Jesus se dirige aos apóstolos na ocasião do lava-pés: “Já não vos chamo servos, mas amigos”, pois, com esse gesto eis que os discípulos se sentem aptos a compreenderem aquilo que ele acabara de fazer: uma atitude serviçal, isto é, rebaixar-se ao ponto de tocar os pés dos próximos, gesto que era feito pelos escravizados da sociedade de sua época. Já nas estrofes, extraídas do Salmo 99(100), é o povo do Senhor que se reconhece como rebanho dele, povo que ele mesmo constituiu. É a aclamação de toda a assembleia que se reconhece e dirige um canto exortativo a si mesma, como que numa atitude de devida atenção a uma espécie de resposta ao texto lido no Evangelho: o conteúdo da proclamação da graça do Senhor hoje é dirigido a nós, seu povo, através do seu Filho Jesus.
O mesmo autor da letra poética anterior retirou as palavras do cântico de Filipenses para compor essa sequência sugerida nesse canto: “Glória a Cristo Salvador” (Paulus). Ora, o servo rebaixado é o próprio Cristo, cujas estrofes narram do rebaixamento a trama inicial, a consequência e o coroamento por parte do Pai, que o eleva. É o que chamamos de “kênosis”, mistério do rebaixamento do servo sofredor. No refrão a comunidade se dirige a esse mesmo servo humilde e manso como a um irmão. A melodia solene, composta em conjunto com Daniel De Angeles, vai acontecendo em graus elevados logo na primeira parte dos versos do refrão. Como toda glória é para cima, o movimento melódico é de subida. Percebe-se que na segunda parte vai se caminhando para um repouso, caracterizado pela palavra “manso”, concluindo-se com a expressão “glória a ti”. Esse texto se liga com o Evangelho uma vez que está no conteúdo dos textos da Paixão. Um trecho dele já o cantamos como canto de Aclamação ao Evangelho no Domingo de Ramos que passou. Agora ele é retomado dentro do contexto da Semana Santa, ao que o faz ser uma espécie de conteúdo responsorial ao Evangelho dessa celebração.
Na opção do canto “Mergulhados no teu Mistério!” (Paulus), logo na primeira estrofe a expressão “na assembleia dos redimidos” simboliza a comunidade “pascalizada” pelo Cristo, após passar pelo mergulho da morte, mistério com o qual nos deparamos. As outras estrofes vão trazendo as cenas e as imagens daquilo que o Cristo fez com a comunidade de fé a partir de sua resposta e afirmação, aquelas contidas no Evangelho: ele nos escolheu para que ingressemos em seu batismo, ungidos pelo mesmo Espírito que o ungiu, imbuídos da caridade, possamos distribuir os mesmos dons ao mundo, pois estamos revestidos no Ministério que faz de nós povo sacerdotal. A estrofe de número sete dá um toque final àquilo que se faz: partilha do Corpo e Sangue do Senhor sob a forma de pão e de vinho. O refrão é uma espécie de diálogo-resposta com o Cristo que nos chama de irmãos e de amigos. De fato, é necessário mergulhar para compreender o mistério do povo de Deus que reconhece no seu Senhor a razão pela qual deseja imitá-lo.
No texto poético de “Um cálice foi levantado” (Paulinas-COMEP), o compositor Reginaldo Veloso traz as imagens da última ceia de Jesus já com a tonalidade pascal: “o povo comeu e bebeu e anunciou: o amor venceu”. Nas estrofes o compositor traz uma espécie de diálogo, dirigindo-se ao Pai, ao Verbo, ao povo, à própria ceia (elementos “eucaristizados”), à mesa e a todas as pessoas de boa vontade. Mas não se trata de imagens soltas. Elas possuem caráter de finalização no próprio verso em que se encontram, isto é, os personagens a quem se dirige quem canta possuem ações reais: “Ó Pai, tua eterna palavra enviaste! Ó Verbo, tua tenda entre nós levantaste!”, e assim por diante. O texto poético pode trazer esses vários direcionamentos, mas é necessário que eles portem “resoluções” próprias, caso contrário torna-se uma espécie de emaranhados de ideias, que embora pareçam ter lógica, não possuem sentido bíblico-teológico. Por detrás de um texto poético sempre há uma inteligência teologal. Ao povo importa que o compositor faça-se entender através dessa inteligência. Isso implica dizer que o mínimo de teologia deve ser entregue ao povo quando ele mesmo canta a letra poética, apropriando-se para si e para sua vida comunitária e espiritual o sentido previsto no canto.
- Vós sereis meus amigos (Letra (refrão): Frei Telles Ramon, O. de M. – inspirado em Jo 15,14 e Salmo 99(100) – Liturgia das Horas | Música: Pe. José Weber, SVD).
- Glória a Cristo Salvador (Letra: Frei Telles Ramon, O. de M. e Liturgia das Horas | Música: Frei Telles Ramon. O. de M. e Daniel De Angeles).
- Mergulhados no teu Mistério! (Letra: Frei Telles Ramon, O. de M. | Música e arranjo: Frei Wanderson Luiz Freitas, O. Carm.).
- Um cálice foi levantado (Letra e música: Reginaldo Veloso)
- Somos os teus servidores, Senhor! (Letra: Frei Telles Ramon. O. de M. e Liturgia das Horas | Música: Gilson Celerino).
- Senhor, quero cantar (Letra: Missal Romano; Sl 88(89) e Liturgia das Horas | Música: Frei Wanderson Luiz Freitas, O. Carm.
- Tu amas a justiça (Letra: Graduale Triplex; Sl 44(45) e Liturgia das Horas | Adaptação do refrão e música: Gilson Celerino).
- Vós serei os meus amigos! [Letra: Pontifical Romano / Música (refrão): Pe. José Weber, SVD / Música (estrofes): Frei Telles Ramon, O. de M.] Álbum Povo de Deus, povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 9.
- Glória a Cristo Salvador! [Letra: Frei Telles Ramon, O. de M. e Liturgia das Horas / Música: Frei Telles Ramon e Daniel De Angeles] Álbum Povo de Deus, povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 8.
- Mergulhados no Mistério! [Letra: Frei Telles Ramon, O. de M. / Música: Wanderson Luis] Álbum Povo de Deus, povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 11.
- Vão mundo afora! [Letra: estrofes (versão): Jocy Rodrigues / Música: Frei Joaquim Fonseca, ofm] Álbum Povo de Deus, povo Sacerdotal, Paulus – Faixa 12.
Embora a celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos ritualmente não prevejam um canto final, em muitas comunidades há o costume de a assembleia ser dispersada ou despedida ao som de um canto. Nas festas marianas este canto pode ser dedicado a Maria, preservando a grande tradição da Igreja, que tem como pano de fundo a oração da noite (Completas) na Liturgia das Horas, que se encerra com uma saudação à Virgem. Entretanto, vale para este canto o mesmo que vale para qualquer canto na liturgia, ou seja, deve ser um canto ‘mistérico’, que canta o Mistério de Cristo no qual Maria colaborou.
Nada impede que nesta celebração da Missa do Crisma se entoe um canto àquela que é a imagem da Igreja. É em Maria que a Igreja se vê prefigurada como aquilo que vai lhe acontecer na glória, pois já o foi proporcionado à Mãe do Senhor. A sugestão aqui elencada é o “Ave, Rainha do céu”, de D. Marcos Barbosa e Pe. José Weber. Trata-se de uma letra que se dirige a Maria com os títulos próprios da tradição: Rainha do céu, Senhora dos anjos, Raiz, Porta, Aurora da luz do mundo.
A mais bela e eloquente figura de Maria que conhecemos no Evangelho é a que mostra o seu canto na casa de Izabel. É com este canto que ela anuncia as bem-aventuranças do Evangelho, ao mesmo tempo em que, fazendo memória das benfeitorias do povo de Israel realizadas por Deus, ela antecipa a imagem da Jerusalém celeste, em que poderosos serão derrotados e destronados, enquanto os pobres e os servos de Deus serão elevados na glória da Jerusalém celeste. É com essas imagens, que, como Igreja, cantamos um canto que sai da própria boca da mulher cuja descrição revela a santidade e a misericórdia do nosso Deus.
Há que se cuidar em qualquer circunstância, seja na piedade popular ou na liturgia, sobretudo na liturgia, que resplandeça nos cantos aquela Maria dos Evangelhos e da fé da Igreja. Há que se banir dos repertórios cantos que não são fiéis à descrição evangélica de Maria e que, por vezes, resultam numa certa ‘mariolatria’ ou maximizam a pessoa de Maria, colocando-a até mesmo em grau de superioridade ao próprio Filho, Jesus Cristo.
Ao cantarmos um canto exaltando a santidade da Virgem Maria, destacamos seu papel na obra da salvação e a colocamos no conjunto dos santos que, por sua vida e morte assumiram em si a imagem do Cristo. O canto à Virgem nos lembra Maria, a santa por excelência, como companheira dos outros santos, ao mesmo tempo em que os reúne em seu seio. Sendo a primeira na fileira das santas testemunhas da ressurreição, nosso júbilo à Mãe do Verbo é ainda maior, pois ela se coloca como discípula a ser reconhecida no conjunto das testemunhas do mistério de Cristo, e, ao mesmo tempo é imagem da Igreja e seu modelo, “consolo e esperança para o povo ainda a caminho”. Aliás, a letra poética não pode ocultar o sentido de que Maria está unida à obra da salvação de seu Filho por um vínculo indissolúvel (Sacrosanctum concilium, 103).
Cantamos em Maria e com Maria a imagem da Igreja, que admira e exalta o mais excelso fruto da redenção, honrando-a [cf. Lumen gentium, 53] e tomando-a como ícone do seu próprio caminho de seguimento do Verbo.