23 Mai 2022
"Reginaldo é aquele tipo de parábola viva do Evangelho que nos questiona se realmente somos cristãos ou se celebramos o Mistério Sagrado como um ato pagão, sem solidariedade, e sem responsabilidade com a vida. A norma da oração é a norma da fé, ou seja, eu acredito do jeito que celebro e isso nos causa perplexidade e até um certo tremor. E o que dizer das nossas eucaristias separadas da vida? Não é uma tentativa de privatizar a fé e reduzi-la às nossas falsas explicações que justificam a indiferença diante do drama da vida?", escreve Ademir Guedes Azevedo, padre, missionário passionista e mestre em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma.
Sou da nova geração que ainda teve o privilégio e a sorte de conhecer Reginaldo Veloso, graças a Deus! Recordo que em 2007, em Lagoa Seca/PB, o encontrei no congresso sobre canto e música litúrgica. Franzino, educado, linguagem acessível, inteligência brilhante, perspicácia, sensibilidade com o interlocutor...mas sobretudo ousado, subversivo, profeta, solidário, e homem perigoso porque muitos temiam o Evangelho que ele pregava, exatamente aquele de Jesus de Nazaré: um Evangelho que liberta e que interrompe a falsa ordem do dia que faz de conta que não existe pobre, desempregado, operários famintos, crianças abandonadas, marginalidade... Reginaldo fez a radical opção pela Sequela Christi até o fim. “Servo Bom e fiel toma parte na minha alegria!” Tenho certeza de que agora é o Mestre Jesus quem canta esse refrão para ele.
Reginaldo Veloso. (Foto:: Unicap)
Enquanto escrevo estas linhas me vem em mente a sua famosa canção de 1991, Boca de povo-povo. Era o hino da Campanha da Fraternidade daquele ano que abraçava a causa dos trabalhadores de um Brasil esquecido e sucateado pela política (não muito diferente de agora!) e que golpeava seriamente a classe desempregada. Reginaldo, com sua fineza teológica e tomado por uma espiritualidade inculturada, alimentava a esperança e a justiça, fazia arder o coração quando os lábios cantavam suas canções, era possível pensar ainda em futuro, em direitos humanos, justiça para o menor...Boca de povo, ou melhor, boca do Evangelho! Boca de Boa notícia!
Nem precisamos elencar a sua herança litúrgica, nem as teses acadêmicas que foram feitas sobre a sua teologia. Basta ouvir o hinário da CNBB e qualquer um se dará conta dos ritmos que revelam uma espiritualidade totalmente centrada na carta Magna da Constituição Dogmática do Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia (Sacrosanctum Concilium). Reginaldo levou a sério o que o Concílio refletiu sobre participação plena, ativa e frutuosa. E o Canto e a música foram os canais do Espírito Santo que devolveram ao povo a sua expressão nas eucaristias.
Ofício da Mãe do Senhor. Ofício das alegrias
Reginaldo fez da norma da oração a sua norma de fé (Lex orandi, lex credendi) como ele sempre gostava de repetir. Ele viveu a fé envolvido numa oração que o jogava diante das necessidades humanas que gritavam aos céus. Sempre me pergunto se as eucaristias que eu presido tem essa força centrífuga, ou seja, de fazer-me enxergar o meu próximo com os olhos de Jesus que se fez Eucaristia para servir os menores deste mundo.
Reginaldo é aquele tipo de parábola viva do Evangelho que nos questiona se realmente somos cristãos ou se celebramos o Mistério Sagrado como um ato pagão, sem solidariedade, e sem responsabilidade com a vida. A norma da oração é a norma da fé, ou seja, eu acredito do jeito que celebro e isso nos causa perplexidade e até um certo tremor. E o que dizer das nossas eucaristias separadas da vida? Não é uma tentativa de privatizar a fé e reduzi-la às nossas falsas explicações que justificam a indiferença diante do drama da vida? Nem precisa aprofundar tanto, basta ouvir o magistério da Igreja e dali ecoa a voz do Papa Francisco clamando por uma Igreja em saída, samaritana e comprometida com os acidentados nas estradas deste mundo.
Reginaldo Veloso, na fileira de baixo, o segundo da direita para a esquerda. (Foto: Setor Música Litúrgica | CNBB)
Padre Reginaldo, patriarca das Comunidades de Base e exemplar pai de família. Nunca abandonou a Igreja de Jesus e o seu Evangelho, ele apenas mudou de trincheira, mas sempre lutando para fazer ecoar a libertação e a fraternidade, chaves para o Reino. Amado por Dom Helder e respeitado pelos pobres, gozava de uma autoridade inquestionável, porque sempre viveu revestido do avental do serviço em meio às periferias e comunidades. Fica um legado para as novas gerações. Oxalá seja honrada a sua memória e que sua causa, o Evangelho, seja também a nossa. Reginaldo, Boca de Povo, intercede por nós. Continuamos por aqui com gratidão e celebrando as muitas lutas que ainda teremos pela frente.
O G1 publica uma reportagem muito bem feita sobre a trajetória do padre Reginaldo Veloso. O vídeo pode ser acessado aqui.
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Padre Reginaldo Veloso, Boca de povo! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU