13 Março 2024
Seria preciso que toda a Igreja se tornasse promotora de uma iniciativa de grande fôlego para superar o atual grave estado de estagnação da cultura católica. Com a advertência de evitar personalismos e vozes únicas e individuais, mas antes procurando um trabalho em rede, de comunhão e de alianças. Sem inveja, ciúme ou mesquinhez.
O comentário é de Roberto Righetto, jornalista italiano, publicado em Avvenire, 09-03-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Muita moral, pouca comunidade, zero cultura”: essa é a síntese da implacável análise do catolicismo italiano realizada nos últimos dias no Avvenire pelo teólogo Pierangelo Sequeri. Uma intervenção muito lúcida que deveria iniciar um debate sobre a falta de atenção em relação à cultura por parte da Igreja.
No entanto, a necessidade de uma presença, sem pensar em fórmulas já superadas ou em inclinações monolíticas, também foi ressaltada pelo cardeal Zuppi em uma recente entrevista à Civiltà Cattolica. O presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI) constatou que, apesar de “certos preconceitos negativos”, em geral há “uma boa disponibilidade para o debate e para o diálogo por parte de muitos”. E certamente é verdade: pensemos nos passos dados nas últimas décadas no que diz respeito ao diálogo entre crentes e não crentes.
Mas Zuppi também admitiu honestamente que hoje a contribuição dos católicos para o mundo da cultura, por mais “preciosa” que seja, “custa muito a encontrar modalidades expressivas”, devido também a “uma certa timidez diante de atitudes às vezes agressivas de uma certa cultura dominante”. E, por fim, convidou a pôr em campo “aquela imaginação criativa que sabe superar muros e cercas”.
Palavras que deveriam exortar os católicos italianos, e em particular aqueles que estão envolvidos no mundo da cultura, a se tornarem protagonistas de uma forte ação para combater o grave analfabetismo religioso da nossa época. No entanto, não podemos nos contentar em fazer referência à secularização ou àquela que os sociólogos já chamam de pós-pós-secularização, que corroeu profundamente o tecido cultural do povo italiano, mas também o dos fiéis e dos praticantes.
Durante o período da pandemia, por exemplo, na opinião deste que escreve, a Igreja italiana se mostrou desorientada e temerosa, quase incapaz de acompanhar aquelas pessoas que eram fortemente afetadas pela Covid e de pronunciar palavras capazes de aliviar o sofrimento, dando um sentido à morte. Em parte, a voz do papa – especialmente na noite do dia 20 de março de 2020, naquele momento solitário de oração na Praça São Pedro – e o trabalho concreto de padres individuais souberam enfrentar essa imensa dor, falando finalmente de esperança e de ressurreição.
Mas a impressão é de que a nossa Igreja se revelou inadequada em seu conjunto, em uma situação que há muito tempo, aliás, vê a cultura católica como uma cultura socialmente insignificante.
Além disso, durante o confinamento, havia quem se lamentasse das igrejas vazias que não podiam celebrar ritos, mas agora o número de fiéis nas missas dominicais está quase reduzido pela metade devido a um crescente descontentamento.
Penso em um artigo de Antonio Polito, há um ano, publicado no Sette, o caderno do jornal Corriere della Sera, depois do funeral de um jovem falecido em um acidente de carro em Roma, no qual, durante a homilia, o pároco falou da ressurreição. O cristianismo tem palavras decisivas sobre a morte e a ressurreição, sobre o sentido da vida e a vida eterna: por que ele não as diz mais – perguntava-se o jornalista, como uma pessoa laica – em um mundo que parece não esperar mais nada?
Pois bem, podemos dizer que é preciso salvar sobretudo isso na Igreja, além do compromisso educativo e caritativo, que são características dominantes, mas não podem ser exclusivas. Lembro-me do que o escritor estadunidense David Foster Wallace respondia a quem lhe perguntava de onde vinha seu interesse pela Igreja Católica: “Eu me interesso pela religião só porque algumas igrejas me parecem lugares onde podemos falar sobre certas coisas. Qual o sentido da nossa vida? Cremos em algo maior do que nós mesmos?”.
Se está aqui, como eu creio, a centralidade da mensagem cristã, há outro punctum dolens do qual partimos: a importância da cultura. Para se posicionar como sinal de contradição, assim como as primeiras comunidades cristãs, além do discurso fundamental da ressurreição dos corpos, é preciso aceitar dois desafios: o primado da cultura – e a redescoberta do imenso patrimônio teológico do cristianismo – e a consciência de que a evangelização hoje também se realiza por meio do belo e do bom.
De sua parte, a escritora Flannery O’Connor alertava contra um fenômeno ainda hoje bem presente: não há nada mais distante do cristianismo do que o otimismo vazio e o sentimentalismo que aflige tantos católicos e que esconde o mal no mundo.
Um exemplo? O monte de bobagens espirituais que enchem as livrarias religiosas, hoje como ontem, aqueles panfletos edificantes totalmente baseados nos bons sentimentos que adoçam a realidade. Existe o risco de uma “subcultura” no mundo católico, na qual as pessoas assistem apenas aos filmes ou leem apenas os livros que falam bem do cristianismo.
Não se pode criticar aquilo que o filósofo Jean de Saint-Cheron, do Institut Catholique de Paris, apontava em seu ensaio polêmico, mas cheio de humor, “Les bons chrétiens” (recentemente traduzido ao italiano pela Livraria Editora Vaticana com o título “Chi crede non è un borghese”): “Hoje Palestrina, van Eyck ou Racine são mais admirados por uma microscópica elite que não crê em Deus do que pelos católicos. Mas uma página de Molière, uma tela de van Gogh, uma cena de Chaplin tendem mais à verdade do que os litros de sopa espiritualizante que é bebida pela subcultura cristã contemporânea”.
Evidentemente, tanto desleixo cultural se torna um contratestemunho evangélico. É bom dizer que alguns leves sinais se manifestaram nos últimos tempos no mundo editorial católico, como uma significativa presença no Salão do Livro de Turim, depois de tantos anos de inação, e o nascimento de uma nova editora, Il Pellegrino.
O fato de que o desafio dos fiéis hoje é também e sobretudo cultural torna-se cada vez mais evidente diante dos novos fundamentalismos religiosos, das formas vulgares, violentas e desumanas do niilismo contemporâneo que afeta as mulheres e os jovens, das provocações da cultura do cancelamento, da invasão da tecnociência na vida cotidiana, da distorção do conceito de natureza, dos riscos ligados à inteligência artificial.
Por isso, seria preciso que toda a Igreja italiana se tornasse promotora de uma iniciativa de grande fôlego para superar o atual grave estado de estagnação da cultura católica. Com a advertência de evitar personalismos e vozes únicas e individuais, mas antes procurando um trabalho em rede, de comunhão e de alianças. Sem inveja, ciúme ou mesquinhez.
É uma iniciativa ainda totalmente por construir e que pode envolver paróquias e movimentos, centros de animação cultural e certamente sem ignorar o potencial da rede, como foi feito recentemente na França com o “1000 raisons pour croire”, um site de consulta que reúne perguntas e respostas sobre a razoabilidade da fé cristã, uma obra de evangelização por meio da difusão do conhecimento, uma abordagem multidisciplinar envolvendo teologia, filosofia, história, arte e literatura, uma mensagem forte que pode ser ouvida no espaço público.
Mas muitas outras ideias podem ser postas em campo, enquanto, ao mesmo tempo, se tem a impressão de que a cultura é desvalorizada e que o compromisso social coincidiria apenas com a caridade. Porém, a fé cristã não se expressa fora da cultura (ou das culturas), e há a necessidade de um novo imaginário da fé que atraia os jovens. E, sem cultura, isso não é possível.
Diante dos novos desafios e provocações, o cristianismo certamente não pode reagir entrincheirando-se ou pensando em travar uma guerra, mesmo que seja cultural. Mas não pode renunciar a expressar uma cultura, como lembrou o Papa Francisco no discurso à Universidade Católica de Budapeste, no dia 30 de abril de 2023, exortando a combater a homologação predominante que dá origem a novas colonizações ideológicas e, ao mesmo tempo, a unir o conhecimento com a aventura da liberdade. Também para enfrentar a falta de figuras públicas portadoras de um pensamento crítico, capazes de desafiar e pôr em discussão o sistema de poder econômico e tecnocrático que produz novas desigualdades. E isso, infelizmente, também vale para o campo cristão.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por que os católicos custam a responder aos desafios culturais? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU