13 Março 2024
Com a orientação profunda e sensível do Pe. Pierangelo Sequeri, estamos em busca dos sinais que orientem a fé dentro da cultura deste tempo, na qual vemos predominar fatores de incerteza que parecem desencorajar a experiência de quem crê. O renomado teólogo nos conduz à descoberta da “fé onde não a esperamos”, mediante palavras-chave oferecidas a todos os “buscadores e descobridores” que querem passar pela vida com consciência renovada.
Sequeri foi presidente do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família de 2016 a 2021. O artigo foi publicado por Avvenire, 05-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As duas palavras acrescentadas à nossa série de reflexões para “buscadores e descobridores” não são palavras, mas sim fórmulas (latinas): ad intra, ad extra. Não é preciso temer, são fórmulas fáceis de decifrar: “dentro e fora”, “no interior e no exterior”. Mas também, metaforicamente: “entre nós e com os outros”, ou “no pensamento e na ação”, ou até “na interioridade das consciências e na expressividade dos gestos”.
A ideia é a de contextualizar tudo aquilo que a fé busca quando decide redescobrir o olhar de Deus no horizonte da vida: e não se limita a doutrinar a palavra de Deus e a estabelecer as fronteiras da religião.
A “vida comum” tem cada vez menos o sabor da surpreendente revelação que nos é dada pela fé semeada por Jesus. E a “vida cristã”, por sua vez, entrega-se docemente a seu encolhimento na pura devoção de gestos e imagens vagamente ligadas ao mistério cristão.
Mas não se enfureçam, por favor, em relação a esse encolhimento. O que vocês querem que façam? Os instrumentos – linguísticos, litúrgicos, pastorais, espirituais, culturais – são aqueles que estavam à disposição das gerações pré-conciliares. Os padres são padres, os religiosos são religiosos, os fiéis são fiéis. São menos? Certamente. E, portanto, estão ansiosos por derramar todos os tesouros acumulados nas últimas décadas por uma reflexão teológica incrivelmente mais inspirada, por uma espiritualidade extraordinariamente mais vital, por uma concepção de Igreja mais comunitária, por uma abordagem da missão mais testemunhal.
Essa emocionante riqueza, porém, cunhou dinheiro sobretudo para o mercado interno: com exígua capacidade de circulação no mundo das trocas com o exterior. Importou empréstimos do exterior: muitas vezes apreciados de forma descuidada demais como moeda forte, formas de reconhecimento extemporâneo em apoio a uma economia substancialmente autárquica. Contudo, não há rendimento do tesouro da fé: e pouquíssima troca.
Em todo o caso, a fé na redenção da alma do niilismo que a devora sem muito esforço e no destino da vida que deve ressurgir em algum lugar, para sempre, permanecem no fim da lista. Muita moral, pouca comunidade, zero cultura.
A novidade paradoxal destes anos, pelo que podemos observar, parece ser precisamente o fato de que toda essa riqueza, que continua absorvendo energias exaustivas e gerando dialéticas meticulosas dentro do mundo eclesial, começa a se tornar até incômoda no próprio espaço da fé. O que fazemos com toda a teologia, a liturgia, a espiritualidade que acumulamos, se falamos apenas para nós mesmos, enquanto vendemos as igrejas e racionamos o clero?
Sua exuberância acaba gerando saturação e rejeição. E até desmoralização. As gerações que chegam, em todo o caso, nem sequer são tocadas por ela. O impulso de uma nova visão, que se enxerta nos lugares onde são formados os paradigmas do humanismo, como diz o Papa Francisco, não extrai dela nem formas nem forças vitais (nem mesmo ad intra).
O encolhimento para dentro da zona de conforto da devoção é compreensível: parece ser a única forma de salvaguardar, enquanto isso, a fé que existe. A natureza visivelmente “interna” das disputas que atualmente envolvem – com ou sem razão – a reflexão eclesiástica, mesmo quando se trata de sua abertura ao “exterior”, é quase gritante.
Nesse fervor eclesiástico – e na neurose eclesiogênica colateral, digamos assim – que “reforma” e que “saída” se tornam imagináveis em consonância com o Evangelho de Jesus? A questão é saber se o nosso horizonte é o de fechar a Igreja sobre si mesma ou de abrir o reino de Deus para todos os outros: isto é, não só para nós nem só para aqueles que se tornam como nós.
Pois bem, o fato é que esse ponto de virada, na realidade, chegou. E é irreversível (irmãos e irmãs, um último esforço: estamos quase lá. Se sairmos rápida e eficazmente da neurose eclesiogênica, os prados se abrirão, como se diz).
O próprio cristianismo levou um bom tempo para chegar lá: e chegou por graus e passagens, por tentativas e erros. É compreensível. Uma religião que abre o destino do mundo que existe ao reino de Deus que vem, sem outro interesse senão esse, é uma experiência desconhecida.
A própria Igreja é um pouco abalada pelo charisma da percepção dessa inédita oikonomia da revelação, que reconcilia a vida humana e o destino de Deus. O evangelho de Jesus abre toda a criação à intimidade passional de Deus e acende a justiça do destino humano em todos aqueles que desejam seu feliz cumprimento também para o outro, sem exceção de pessoa.
A fé que Jesus busca entre os humanos e à qual expõe o destino de Deus não está reservada aos padres e aos profetas, aos batizados e aos salvos. A Igreja ainda gagueja sobre isso e custa para encontrar as palavras para dizê-lo. Ainda não sabe bem como “dizê-lo”, mas, no fundo de sua consciência, sabe que “sabe”. Quando encontrar plena fluência de palavra e coerência normal de práticas para a cultura dessa revelação, não precisará mais falar e se preocupar tanto consigo mesma.
Uma fé que se entrega totalmente a criaturas imperfeitas, para se tornar credível às criaturas imperfeitas, sem pretender se tornar a medida da perfeição, é um milagre. Estamos suficientemente comovidos com essa descoberta? Estamos suficientemente orgulhosos de que coube a nós a feliz tarefa de entregar à história a beleza completa dessa revelação?
Jesus anuncia e faz irromper o Reino de Deus e o entrega aos seus como uma paixão dominante. Ele não tem projeto de reforma do templo para os religiosos; tem uma urgência de conciliação com Deus para as casas dos humanos. Aqui está o nosso tesouro, aqui o nosso coração deve bater.
Jesus é o único salvador: e não nós. Se conseguirmos restituir o encanto a ambos os focos desse anúncio, estaremos prontos para o humanismo novo que dele deverá surgir. Nas “segundas fileiras” do cristianismo que habita o mundo, já são muitíssimos os nossos irmãos e irmãs que vivem com paixão – e sofrem com dignidade – a persuasão de um Evangelho que definitivamente derrubou para sempre o “muro de divisão” que separa os destinos do humano: armando as fronteiras da religião e da antirreligião. Ainda não chegaram às “primeiras fileiras”: deixando claro para todos que o cristianismo é isso, e não outra coisa. Quando isso acontecer, a linguagem mudará, a forma mudará, as práticas prevalecerão: vocês verão. Será que a “sinodalidade” talvez chegará a produzir essa alegre inversão? Veremos (também depende de nós).
Enquanto isso, eu levaria em consideração duas medidas de apoio. A primeira é esta. Como é que a prática catequética, litúrgica, testemunhal é tão pobre em narrar a comunidade? As crianças aprendem – felizmente – a história de Jesus em sua iniciação cristã. Aprendem a história da Igreja na escola, descobrindo-a como a história das bruxas, das cruzadas e da inquisição. A iniciação à fé não deveria incluir a memória – leal e afetuosa – das paixões da história da fé que nos é entregue? Não é uma questão de apologética ou de hagiografia. A pergunta é: como é que a fé cristã habitou a comunidade humana, dando-lhe força e esperança?
O segundo movimento é aquele que procura formar “corpos intermediários” entre religião e cultura, criando redes de proximidade – cheias de contemplação e solidariedade, música e poesia – entre pequenas comunidades muito distantes, diferentes, abandonadas. A aldeia da proximidade à conquista da burocracia da cidade. Não somos as filiais de uma multinacional que leem circulares e executam disposições.
O amor que se consome dentro da nossa devota zona de conforto se perde, até mesmo para nós. Se encontrar o caminho para sair, ele reencontrará suas emoções também no interior. Temos que falar sobre esse ad extra, justamente.
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Sair da neurose eclesiogênica: a Igreja como ela é. Artigo de Pierangelo Sequeri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU