12 Março 2014
Um ano depois da sua eleição, o Papa Francisco continua gozando de um consenso altíssimo, enquanto uma multidão de adversário silenciosos se move na sombra por trás dos bastidores. Jorge Mario Bergoglio rompeu os equilíbrios na Igreja Católica.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 09-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se ele tivesse simplesmente cortado alguns escritórios da Cúria e trazido um pouco de eficiência e correção para o banco vaticano – como lhe pedia a base eleitoral no conclave –, ele não teria incomodado o núcleo conservador, que se aninha nos aparatos vaticanos e em muitas estruturas eclesiásticas espalhadas pelo mundo.
Se ele tivesse apenas organizado melhor as reuniões dos consistórios para possibilitar que os cardeais dos cinco continentes se expressassem pontualmente sobre alguns problemas de interesse geral, retomando ao mesmo tempo um contato regular com os chefes de dicastério da Cúria para fazer funcionar melhor a máquina vaticana, todos os solidéus púrpura e roxo estariam tranquilos.
Ao invés, o papa argentino colocou em ação uma revolução. Ele está remodelando a Igreja Católica, despojando-a da mitologia e das práticas de um papado imperial em que o pontífice é soberano absoluto, e bispos, padres, irmãs e fiéis são simplesmente súditos.
Não é o isso que indicava o Concílio Vaticano II, mas, nos fatos, no último meio século, ninguém tinha dado uma mão para desmontar a estrutura absolutista herdada pelo Concílio de Trento.
A insistência com que, em várias ocasiões, o papa cita, elogiando-o, o conceito de "sinodalidade" da Igreja ortodoxa significa que Francisco tem em mente um objetivo específico: uma Igreja católica mais comunitária, em que o governo central funciona com a participação dos bispos.
Em outras palavras, Bergoglio – sem tirar nada do poder decisional final dos pontífices – considera saudável para a Igreja que o papa romano governe "com" os bispos do orbe católico.
Ao mesmo tempo, o Papa Francisco está redefinindo a relação entre Igreja e sociedade contemporânea. A partir do diálogo com os não crentes, não mais considerados como mutilados (aos quais "falta" alguma coisa), mas tratados como portadores de valores a serem respeitados sem ambiguidade, porque, em última análise, o que caracteriza todo ser humano é a posição que a sua consciência toma diante do problema do bem e do mal.
Olhando para a contemporaneidade com um olhar livre de ideologismos doutrinários, em um ano ele varreu de cima da mesa o equivocado diktat dos "valores inegociáveis" – confessando que não entende o que o lema, no fundo, significa - e redefiniu radicalmente, segundo uma visão pastoral, toda questão da relacionalidade sexual e afetiva: do divórcio (é o primeiro papa que serenamente usa a palavra "segundo matrimônio") à contracepção, passando pela homossexualidade, pelas uniões civis, pela existência de núcleos de convivência em que as crianças se encontram juntas com adultos do mesmo sexo.
Faz parte dessa nova abordagem a consciência de que a Igreja Católica não pode seguir em frente sem abrir espaço concretamente para as mulheres. Francisco, no plano programático, deu um enorme salto em comparação com as tradicionais belas palavras sobre o "gênio feminino", que tinham espaço há décadas nos ambientes eclesiásticos. Ele disse que as mulheres na Igreja devem estar nos postos onde se "decide" e onde "se exerce autoridade".
No plano prático, ele apoiou uma vigorosa obra de limpeza no banco vaticano, colocou de pé procedimentos para a cooperação com outros Estados (incluindo a Itália) no campo das investigações financeiras, criou uma comissão para o combate à lavagem de dinheiro e instituiu um dicastério para controlar a política dos contratos e das aquisições no Vaticano: operações que são desde sempre fonte de negócios obscuros.
No plano do governo, a criação do "conselho da coroa" de oito cardeais provenientes de todos os cinco continentes constitui a rodagem de um órgão consultivo permanente inédito em tempos modernos.
Mas o mais interessante é a transformação do sínodo dos bispos em um pequeno concílio, convocado em intervalos regulares, ao qual o papa confia a tarefa de fazer propostas pastorais precisas. Não será ele – e ele não quer que seja ele – que vai se assomar à janela dizendo, por exemplo, que os divorciados em segunda união poderão fazer a comunhão.
A revolução de Francisco está no fato de ter organizado uma sondagem universal sobre o que os fiéis pensam (sabotado, no entanto, em muitíssimas dioceses) e de confiar aos sínodos de 2014 e de 2015 a responsabilidade de desfazer de peito aberto os nós da obsessão de controle da sexualidade, em que a hierarquia católica caiu depois de séculos de uma casuística exasperada.
A oposição dos setores mais tradicionalistas (ou simplesmente "desorientados") da Igreja é ativa em cada um dos pontos que Francisco enucleou para este ano. Rótulos maniqueístas não têm sentido. Na Cúria, existem reformadores e freadores. E assim também nos episcopados do mundo. Também há quem seja contra a comunhão aos divorciados em segunda união e é favorável à indulgência para os gays. Quem agita a bandeira das marchas contra o aborto e aqueles que veem como uma cortina de fumaça uma presença feminina nas salas de comando vaticanas. Os conservadores temem especialmente o fim do absolutismo papal. Na internet, os falcões se desafogam da maneira mais agressiva, tacitamente apoiados por aqueles prelados forçados oficialmente à subserviência com relação ao pontífice.
A enorme popularidade de Francisco, dentro e fora da Igreja – devido ao fato de que ele não parece falar ao "recinto" católico, mas sim à humanidade contemporânea –, é o escudo que protege o seu caminho reformador. Mas a batalha vai se tornar cada vez mais acirrada no momento em que estiverem em pauta as inovações específicas.
A estratégia do papa consiste precisamente em querer trazer à tona debates e conflitos naquele parlamento representado pelos "sínodos". Assim, o confronto será visível a todos, como nos tempos de João XXIII e Paulo VI durante o Concílio.
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Uma Igreja mais comunitária, dialogante e feminina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU