03 Mai 2023
"Se alguém quiser ler essa viagem em termos da herança que o Papa quer deixar a quem vier depois dele, pode também interpretá-la como um descolamento da imagem de "progressista" que lhe foi grudada desde o primeiro dia de seu pontificado", escreve Agostino Giovagnoli, historiador italiano, publicado por Formiche, 01-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A viagem do Papa Francisco à Hungria – mais precisamente a Budapeste – foi um sucesso. Mas foi uma viagem complicada. Ou melhor, foi um sucesso justamente por isso. A Hungria é um lugar de contradições – o era ontem, o é hoje também – e Francisco escolheu ir para lá para enfrentar muitas delas. E lançou diferentes mensagens para diferentes destinatários, mas compondo-as num quadro unitário centrado na Europa e na paz.
Assim que chegou a Budapeste, não por acaso, falou muito da Europa, exaltando-a como "a memória da humanidade" graças à sua história e por isso chamada hoje para "unir os distantes", "acolher dentro dela os povos" e "não deixar ninguém para sempre inimigo". São convicções que este papa argentino já expressou em outras ocasiões. Mas fazer isso na Hungria hoje tem um valor particular: as relações da "democracia iliberal" húngara (leia-se Orban) com a Europa, não são de forma alguma idílicas. No entanto, Francisco também criticou uma Europa "gasosa", "abstratamente supranacional", às vezes até mesmo "colonização ideológica". Em suma, precisamos nos unir para salvar o grande bem representado por uma unidade europeia que não é contra ninguém, como ensinavam os pais fundadores.
Este Papa não exalta as raízes cristãs da Europa, mas pede-lhe que reencontre a sua alma. Concretamente, acolher quem bate à sua porta. Em Budapeste, Francisco se encontrou com refugiados da Ucrânia, agradecendo aos húngaros por terem recebido prontamente centenas de milhares deles (mesmo que muitos depois tenham se mudado para a Alemanha ou outro lugar). Mas o calvinista Orban rejeitou duramente todos os outros que fogem de guerras ou carestias e teorizou que a Hungria católica deve ser "defendida" da "ameaça das massas muçulmanas", exatamente o contrário do que pensa o papa.
Durante sua viagem, Francisco não o esqueceu e voltou várias vezes a reiterar, com tom emocionado, seu “não às portas fechadas para quem é estrangeiro, diferente, migrante, pobre ou fora de situação regular”. À Igreja católica húngara, que tem fama de ser um pouco conservadora, recomendou não se fechar aos desafios da secularização e aproveitar as oportunidades de evangelização presentes também no nosso tempo (mantendo também uma saudável distância da política). Aos jovens recomendou não ceder à resignação, ousar bastante e propor grandes coisas, especialmente no que diz respeito à paz. A todos, de colocar os pobres em primeiro lugar.
Entre os principais motivos desta viagem estava também a localização geográfica e política da Hungria no lado "oriental" da Europa. Isso também foi lembrado pelo card. Erdö, arcebispo de Budapeste, em sua saudação final, falando da Hungria não como espaço atravessado por fronteiras rígidas, mas como uma área de fronteira onde os diversos convivem. O papa gostou da expressão e a repetiu. Erdő lembrou que seu país também foi, por um período, o extremo norte do Império Otomano e ressaltou em particular: "Há mil anos vivemos na fronteira oriental da cristandade ocidental". Hoje o governo Orban tem uma atitude bastante soft em relação à Rússia de Putin (e em relação à China) e foi justamente na Hungria que o Papa Francisco teve um encontro muito significativo com o metropolita Hilarion, ex-"ministro das Relações Exteriores" da Igreja Ortodoxa Russa e membro permanente do Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa, agora "único" administrador da comunidade russo-ortodoxa da Hungria, depois de se posicionar contra a guerra poucos dias antes da agressão à Ucrânia.
O diálogo entre a Igreja católica e aquela russo-ortodoxa representa hoje um nó crucial em um tecido de relações ecumênicas que também é essencial para restaurar as relações entre Leste e Oeste. Na viagem de volta, Francisco falou com muito carinho de Hilarion e afirmou, com tranquila segurança, que o encontro com o patriarca Kirill – adiado devido à sua atitude a favor da guerra – será feito. Em suma, a viagem à Hungria foi também uma oportunidade para relançar de forma distinta uma esperança de paz na Ucrânia para a qual, revelou Francisco, “também está em curso uma missão vaticana”.
Se alguém quiser ler esta viagem em função da herança que Francisco quer deixar a quem vier depois dele - mais prosaicamente: em vista do conclave que elegerá seu sucessor - pode também interpretá-la como um descolamento da imagem de "progressista" que lhe foi grudada desde o primeiro dia de seu pontificado.
Orban representa aquelas tendências populistas e nacionalistas contra as quais Francisco tomou claramente posicionamento também em Budapeste. Mas o primeiro-ministro húngaro tem muitos problemas e entendeu que uma visita do papa o ajudaria como de fato aconteceu: os reflexos dessa visita são, sem dúvida, benéficos para ele. Francisco, por sua vez, deve ter pensado que o convite do primeiro-ministro húngaro podia ser uma oportunidade também para deixar claro que não está fechado para a ninguém. Ele, portanto, deu uma mão a Orban - gratificando-o também com um reconhecimento por sua política em favor da taxa de natalidade - mas também reiterando durante os três dias todos os temas-chave de seu pontificado.
Traduzido para o vaticanês: a herança de Francisco certamente não será uma herança conservadora, mas nem mesmo estreitamente progressista, mas sim a herança de uma agenda obrigatória para qualquer um que seja eleito papa num século XXI difícil para a Igreja Católica.
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Todas as mensagens por trás da visita do papa à Hungria. Artigo de Agostino Giovagnoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU