27 Abril 2023
(1) Uma viagem exigente após uma hospitalização imprevista por uma doença insidiosa.
(2) Hungria e Vaticano no caso de um eventual (por enquanto) processo de negociação de paz.
(3) Se o Papa Bergoglio dissesse na Hungria: “quem sou eu para julgar uma pessoa gay”?
(4) Existe um soberanismo identitário de tipo cristão?
A reportagem é publicada por Il Sismógrafo, 26-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na sexta-feira, 28 de abril, a 41ª peregrinação fora da Itália do Papa Francisco terá início no Aeroporto Internacional Leonardo Da Vinci, em Roma, às 08h10, que desta vez o levará a Budapeste, capital da Hungria. Francisco visitará alguns arredores da cidade que conta atualmente com uma população residente superior a um milhão e 800 mil pessoas. A aeronave "papal" da Ita-Airways (A320 neo /AZ2) após 1 hora e 50 minutos aterrissará no aeroporto internacional da capital magiar "Ferenc Liszt". De acordo com o plano de voo, a aeronave deverá sobrevoar os espaços aéreos da Itália, Croácia e depois da Hungria. A distância a ser percorrida entre Roma e Budapeste é de 990 km.
A chegada está prevista para as 10h00, hora local e italiana.
Essa peregrinação apostólica de 60 horas já está sendo seguida com grande interesse por inúmeras razões.
Em primeiro lugar, porque no último dia 30 de março, após uma hospitalização imprevista do Papa na Policlínica Gemelli, em Roma, pensou-se imediatamente que fosse muito provável que Francisco não pudesse cumprir o compromisso assumido há dois anos, após sua primeira breve visita à Hungria por ocasião do encerramento do 52º Congresso Eucarístico (setembro de 2021). Depois de uma inesperada confusão comunicativa por parte do Vaticano, foi o próprio Papa que contou a um amigo - que por sua vez contou à agência de notícias Ansa - que na tarde da internação Francisco havia chegado à Policlínica em estado de inconsciência.
Havia duas versões oficiais para o mal-estar do Papa: primeiro falava-se de "exames agendados" e depois de "bronquite infecciosa". No último dia 1 de abril, quando o Pontífice regressou a Santa Marta, as televisões apresentaram um Papa cansado, sem voz e fraco, cheio de boa vontade que, no entanto, o físico parecia não querer acompanhar. Então, 26 dias atrás, parecia claro que a viagem à Hungria seria cancelada.
Não aconteceu assim, e certamente os húngaros foram os primeiros a se alegrar com a rápida recuperação do Santo Padre.
Um programa exigente aguarda o Pontífice - pelo menos 13 eventos - mas bem calibrado sobretudo para poder enfrentar a situação de grave desabilidade causada pela gonartrose.
Um segundo motivo relevante relativo à atenção da mídia sobre a viagem obviamente diz respeito à situação atual naquela área da Europa: a guerra da Rússia contra a Ucrânia, que compartilha uma fronteira de 135 km com a Hungria. Nessas fronteiras está localizada Záhony (uma cidade húngara de 4.000 habitantes), um dos "trânsitos" mais importantes de onde os ucranianos deslocados podem passar para outros países da região, a Hungria em primeiro lugar. No início de março, de acordo com o ACNUR, cerca de 200.000 ucranianos deslocados haviam chegado ao país.
A guerra da Rússia contra a Ucrânia após o fracasso da blitzkrieg para instalar um governo fantoche, está às portas da Hungria e muitas consequências fazem parte da situação húngara de hoje. O governo do Premiê Viktor Orbán, que tem várias importantes questões socioeconômicas e políticas pendentes com a maioria dos países da União Europeia, está ao mesmo tempo tentando expressar uma política prudentemente equidistante para não ser, por um lado, hostil a Vladimir Putin e, por outro lado, um gerador de divisão dentro da União Europeia fortemente compactada contra o Kremlin.
Muitos pensam, e escreveram, que a "posição incômoda" de Orbán é menos negativa do que pode parecer, já que sua dialética com Putin garantiria ao líder magiar uma abordagem menos tensa e amigável com a Federação Russa. Para alguns, esse dinamismo poderia dar ao primeiro-ministro húngaro um papel de "ponte" entre o Ocidente e a Federação Russa, que poderia explorar o Papa Francisco para incluir o Vaticano em um possível processo de paz.
No entanto, a maioria dos especialistas acredita que as considerações acima são infundadas e gratuitas. A razão, porém, que compartilhamos, é simples e a mesma de sempre: para alcançar a paz, além das partes (Ucrânia e Rússia), a China e os Estados Unidos devem sentar-se à mesa das negociações, com uma presença determinante da União Europeia [1]. Para criar um clima de entendimento, para facilitar as leituras compartilhadas e outras instâncias, são desejáveis presenças como as Nações Unidas, a Santa Sé, a OCDE.
O Vaticano há muito colabora com a Hungria no âmbito da troca de prisioneiros desde que uma operação semelhante foi realizada com sucesso no caso de prisioneiros armênios no Azerbaijão. Nesse campo, a Hungria e o Vaticano continuaram a colaborar nos últimos 14 meses e continuarão a fazê-lo no futuro, também diante dos desafios humanitários e assistenciais. Esse trabalho bilateral, relevante e imprescindível, é, no entanto, o limite extremo que o Vaticano e a Hungria podem alcançar. Para além dessa fronteira, o seu papel desvanece consideravelmente no caso das negociações para uma trégua e um cessar-fogo entre Moscou e Kiev.
A terceira razão para o interesse da mídia na visita de Bergoglio à Hungria faz parte de uma ampla área de acordo-desacordos que os cristãos chamam, em geral, de "moral sexual". Nesse balaio de princípios, valores e normas inserem-se agora numerosas questões que vem sendo há alguns anos objeto de debate público, político e parlamentar. Em muitos casos, em diferentes países do mundo, chegou-se a promulgar leis específicas como, por exemplo, sobre a homossexualidade, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a paternidade e filiação, a família e as uniões civis, a maternidade de substituição e assim por diante.
Entre Orbán e Bergoglio existem algumas coincidências fundamentais como, por exemplo, sobre o que é a família, questão discutida entre os dois líderes em setembro de 2021 por ocasião da visita do Papa a Budapeste. Na época foi confirmado pelo governo magiar e essas declarações não foram desmentidas, inclusive porque se trata do mesmo pensamento e posição do pontificado de Francisco.
Obviamente, dessas afirmações emergem outros princípios que Budapeste e o Vaticano compartilham plenamente. No entanto, ao mesmo tempo, há outras passagens em que há diferenças, nuances, não públicas e não agressivas, entre o Papa Francisco e o Premiê Orbán, que, no entanto, podem diminuir o perfil midiático que cada protagonista gostaria de dar ao encontro. O exemplo típico, como foi escrito recentemente, é: o Papa Bergoglio poderia repetir na Hungria sua famosa frase “quem sou eu para julgar uma pessoa gay?”.
Nesta lista parcial de temas que podem ser abordados entre os protagonistas de Budapeste, está a defesa do cristianismo e dos cristãos, tema muito caro a Orbán e naturalmente também ao Pontífice. Mas dificilmente será possível um acordo pleno e entusiástico. A questão será muito matizada.
Para o primeiro-ministro húngaro, a defesa do cristianismo e dos cristãos apresenta-se como um componente da ideologia soberanista e, portanto, um conteúdo puramente político. A mesma questão para o Bispo de Roma é um assunto completamente diferente. Quando o Papa de Roma visita um país, seu principal objetivo evangélico e missionário é confirmar seus irmãos na fé. As peregrinações apostólicas não são atribuíveis a um suposto soberanismo identitário do cristianismo.
Essa quarta motivação sobre o interesse para essa visita papal será certamente um chamariz mediático de significativa relevância nestes próximos dias.
[1]A importante conversa telefônica de hoje entre o Presidente Zelensky e o Presidente Chinês XI, segundo as versões oficiais de Pequim e Kiev, demonstra que a China é a única via possível neste momento para abrir uma negociação global para a paz e certamente será um processo difícil, complexo e longo. No entanto, poderia levar a um cessar-fogo necessário e urgente.
Hoje, em um tweet, Volodymyr Zelensky disse: "Acredito que este telefonema, bem como a nomeação do embaixador da Ucrânia na China, dará um forte impulso ao desenvolvimento de nossas relações bilaterais." O porta-voz de Zelensky, Sergiy Nykyforov, declarou que o telefonema entre os dois líderes durou quase uma hora. A emissora estatal chinesa CCTV observou que o presidente Xi teria comunicado a Zelensky que "o diálogo e as negociações de paz são a única saída" do conflito com a Rússia.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Pequim, Hua Chunying, confirmou o telefonema entre os líderes dos dois países, comunicando que a China enviará "um representante especial do governo para assuntos eurasianos à Ucrânia e a outros países para ter uma comunicação aprofundada com todas as partes na resolução política da crise ucraniana. A porta-voz concluiu: "A China continuará a apoiar a Ucrânia em termos de assistência e apoio humanitários".
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Papa Francisco: 60 horas na Hungria. As principais razões do interesse midiático por essa viagem papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU