03 Abril 2023
A técnica é sempre a mesma desde o início do pontificado, aliás desde antes. Nas congregações gerais dos cardeais que antecederam o conclave de 2013, aqueles que consideravam com perplexidade a sua candidatura, que avançava nos bastidores, espalharam o boato de que faltava um pulmão a Jorge Mario Bergoglio. O cardeal hondurenho Oscar Rodríguez Maradiaga teve que intervir, perguntando ao arcebispo de Buenos Aires se ele estava realmente doente. E Bergoglio “me confirmou que, além de um pouco de ciática e de uma pequena operação no pulmão esquerdo para a remoção de um cisto quando era menino, não tinha grandes problemas de saúde”, contou Maradiaga mais tarde, tranquilizado pelo fato de que “o Espírito Santo, apesar dos obstáculos das corjas, estava soprando na pessoa certa”.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 31-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As corjas, ao longo dos anos, continuaram se agitando. As geometrias mudaram, velhos adversários se aglutinaram, mas o front contra Francisco foi avançando com o andamento de suas reformas, utilizando a saúde como campo de batalha. Inflando notícias parcialmente verdadeiras ou as inventando do zero.
Em outubro de 2015 – eram os dias do disputado Sínodo sobre a Família que votava sobre os divorciados recasados e os casais de fato – escreveram que o papa tinha uma “pequena mancha escura no cérebro”, um “tumor curável”, e o então porta-voz vaticano, Pe. Federico Lombardi, classificou a “difusão de notícias infundadas” como “gravemente irresponsável”.
A batalha continuou ao longo dos anos. E obviamente se intensificou com o envelhecimento de Francisco, hoje com 86 anos.
Porque as especulações sobre a saúde do papa não são pura abstração. A operação do cólon no verão europeu de 2021 e a má reação à anestesia efetivamente despertaram apreensão na comitiva papal. Os problemas no joelho sinalizam um declínio físico objetivo.
E não é nenhum segredo que, com o avançar da idade, entre os cardeais se discute quem, um dia, poderá ser o sucessor de Francisco, se os italianos, reduzidos em número, terão uma chance, pois ainda são o primeiro grupo, se será a vez de um asiático, se o próximo papa já está em Roma ou vive agora na África, nas Américas, na Europa oriental ou do Norte.
A questão é que, a partir dos dados da realidade, há quem dramatize as mazelas da idade, alimentando a sensação de emergência, ora traindo o desejo de acelerar a passagem do tempo, ora esperando influenciar o desenrolar dos eventos e fazendo suas apostas no próximo conclave.
Jorge Mario Bergoglio sabe disso e não deixou de avisá-lo. Quando estava hospitalizado para uma cirurgia no cólon, soube que alguns cardeais haviam começado a conspirar pela sucessão. “Ainda estou vivo. Embora alguns me quisessem morto”, comentou com os jesuítas eslovacos com os quais se encontrou pouco depois.
“Sei que houve até encontros entre prelados, que pensaram que o papa estava mais grave do que se dizia. Eles estavam preparando o conclave. Paciência! Graças a Deus, estou bem.”
O jogo volta à tona nestes dias. Francisco está no Hospital Gemelli, após um mal-estar. Seria superficial não levar a sério os problemas que surgiram, mas suas condições de saúde efetivas não causam preocupações excessivas.
E, em vez disso, mais de uma pessoa está soprando no fogo. Espalhando pelos Palácios Sagrados rumores de um infarto. Levantando a dúvida de que a situação descrita – com palavras sucintas demais – é, no entanto, dramaticamente pior. Ou assumindo como certa uma situação irreversível.
Quem levanta essas sugestões são figuras da Cúria que preferem o anonimato, círculos próximos ao tradicionalismo integralista, fragmentos de um catolicismo conservador que nunca suportou Francisco e agora aproveita a oportunidade de sua fraqueza.
O site ultraconservador estadunidense LifeSiteNews reforça o passado, lembrando que, após a intervenção de 2021, “aumentaram os rumores sobre o fato de que ele sofria de câncer e estava se aproximando do fim de seu pontificado”. Alguns, poucos, vão além do anonimato. O diácono britânico Nick Donnely escreve no Twitter: “Rezemos para que, se a sua hora chegar, ele faça o melhor uso dela com a ajuda de um confessor”.
A técnica é sempre a mesma, incutir dúvidas macabras. Do apartamento ao Gemelli, Francisco acompanha a sublevação. Na quinta-feira de manhã, depois do café da manhã e antes de voltar ao trabalho, “ele leu alguns jornais”, informou a Sala de Imprensa vaticana. Convalescente e dotado, como ele mesmo já disse, de uma frágil saúde de ferro.
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Os corvos voltam ao Vaticano: venenos e especulações sobre a saúde de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU