19 Fevereiro 2024
As relações entre a Santa Sé e Israel nunca foram tão difíceis; o conflito em curso entre o exército israelense e o Hamas está ceifando milhares de vítimas civis e teve consequências diplomáticas enormes para o governo liderado por Benjamin Netanyahu. Em especial, a modalidade com que é atingida a população palestina pela ofensiva do exército israelense à caça de milicianos do Hamas, está levando o governo de Tel Aviv a uma situação de isolamento político. Mesmo entre os países ocidentais.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 15-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Da Casa Branca à Grã-Bretanha, da Itália à França, as vozes tornam-se cada vez mais altas pedindo a Netanyahu que pare. A eles, se somou o Vaticano por meio do secretário de Estado Cardeal Pietro Parolin, diplomata experiente e habituado a medir as palavras, que falou em resposta “desproporcional” de Israel e de “carnificina” em curso. Parolin reiterou “o pedido para que o direito de Israel à defesa invocado para justificar essa operação seja proporcional, e certamente com 30 mil mortes não o é”. "Eu acredito que todos estamos indignados com o que está acontecendo – disse ainda – por essa carnificina, mas devemos ter a coragem de seguir em frente e não perder a esperança”. Palavras em forte sintonia com aquelas proferidas na mesma ocasião (o tradicional encontro entre Governo italiano e autoridades do Vaticano por ocasião do aniversário dos Pactos de Latrão, celebrado em 13 de fevereiro na Embaixada da Itália junto à Santa Sé), pelo Ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, um sinal de entendimento não casual.
Ontem chegou a resposta da embaixada de Israel junto à Santa Sé que definiu a intervenção de Parolin “deplorável”, pois “julgar a legitimidade de uma guerra sem levar em conta todas as circunstâncias e os dados relevantes leva inevitavelmente a conclusões erradas", destacando que Gaza foi transformada pelo Hamas "na maior base terrorista jamais vista".
Um editorial do Osservatore Romano, porém, confirmou a linha do secretário de Estado. O cardeal Pietro Parolin, recordou o jornal da Santa Sé, “logo depois do massacre perpetrado por terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023 contra famílias israelenses pacíficas, havia definido aquele ataque de "desumano". Havia indicado como prioritária a libertação dos reféns, falando também sobre o direito de Israel à defesa e indicando o necessário parâmetro de proporcionalidade".
Depois de relatar as últimas observações de Parolin, o jornal acrescenta: “Ninguém pode definir o que está acontecendo na Faixa como “dano colateral” da luta contra o terrorismo. O direito de defesa, o direito de Israel de levar à justiça os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode justificar essa carnificina”. É claro que reconstruir um entendimento diplomático entre o Vaticano e Israel não será algo automático, por outro lado, a crise em ato está assumindo dimensões imensas.
Além disso, é possível que a diplomacia israelense, em dificuldades num contexto internacional cada vez mais difícil, não tenha avaliado todas as implicações das afirmações do secretário de Estado.
Em primeiro lugar, Parolin disse que Israel tem o direito de se defender, mas que isso pode ocorrer de forma proporcional. De fato, o cardeal deixou para trás um pacifismo de praxe, em princípio contrário a qualquer utilização de armas, mas incapaz de explicar como seja possível nos defender-se contra uma agressão (ainda mais ambíguo no caso de Israel).
Se um traço dessa última abordagem foi vislumbrado em algumas intervenções do Papa, também é verdade que a profecia de Bergoglio sobre a propagação de "uma terceira guerra mundial em pedaços" tem hoje várias evidências, da Ucrânia à Terra Santa, só para citar dois dos principais conflitos desta época.
Numa perspectiva desse tipo, Parolin almeja há tempo pela retomada de uma forte iniciativa diplomática e, talvez nestes dias, pela primeira vez, na mesma sintonia se encontrem o presidente Joe Biden – segundo o Osservatore Romano “cada vez mais inconformado e impaciente com o aliado israelense” – e a própria União Europeia.
Assim, enquanto a diplomacia, a começar pela estadunidense, trabalha freneticamente nestas horas para fazer com que o Hamas e Israel aceitem uma longa trégua e para favorecer a libertação dos reféns que estão na Faixa, as forças militares israelenses estão prestes a lançar um ataque definitivo contra Rafah, uma cidade onde se refugiaram centenas de milhares de palestinos que fugiram da guerra.
É, portanto, dentro desse cenário simultaneamente complexo e dramático que deve ser lida a posição do Vaticano. A Santa Sé não está apenas preocupada com o aspecto humanitário do conflito, mas também com a falta de qualquer estratégia para o “depois”. O que restará de Gaza? O que acontecerá às centenas de milhares de palestinos que sobreviveram à guerra? Ninguém parece ser capaz de responder a essas perguntas. Enquanto a perspectiva repetida várias vezes nestes 131 dias de conflito, inclusive pelo Papa Francisco, de dois povos e dois Estados, se afasta cada vez mais do horizonte dos eventos.
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Israel, cada vez mais isolado, ataca Parolin e o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU