Os jovens que crescem com a pornografia. Artigo de Lucetta Scaraffia

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05 Janeiro 2024

"Mas o problema permanece. Se não encararmos essa questão seriamente, iniciando uma batalha contra essa fábrica de imaginário misógino e violento, será impossível vencer a guerra contra o feminicídio. É bom perceber isso", escreve Lucetta Scaraffia, jornalista e historiadora italiana, em artigo publicado por La Stampa, 04-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Um dos numerosos pontos comuns presentes nos discursos de Ano Novo do Papa e do Presidente da República, e que se não me engano aparece pela primeira vez, é um chamamento ao necessário combate à violência contra as mulheres e, portanto, à necessidade de educar os jovens do sexo masculino ao dom do amor em vez do impulso da posse. Obviamente só podemos partilhar essas declarações, assim como não podemos deixar de concordar com todo convite a uma prevenção educacional no plano escolar: o que geralmente é chamada de “educação emocional”.

É surpreendente, no entanto, que ninguém fale sobre o que é, com toda a probabilidade, uma das principais origens da violência, especialmente por parte de adolescentes e muito jovens, contra as mulheres. Estamos falando do hábito generalizado dos homens - agora desde pequenos, agora antes mesmo dos dez anos - de assistir vídeos pornográficos. Todos acabam fazendo isso mais ou menos por acaso, graças a um irmão mais velho, um amigo mais esperto, um encontro casual na internet, para depois rapidamente se tornar dependentes. Os sistemas de controle informático – como o Controle Parental – são superados em poucos minutos por esses nativos digitais, que pensam obter – junto com alguns momentos de excitação – até mesmo informações decisivas num campo sobre o qual ignoram tudo, como a vida sexual.

Sim, hoje os jovens italianos - aqueles que, de uma forma um tanto piegas, são geralmente definidos como "os nossos garotos" - são educados para a relação com o outro sexo pela pornografia, que ensina que o objetivo de cada encontro é a maximização do prazer - o pessoal – e que isso só é alcançado se for adicionado à excitação sexual o senso de poder e de posse em relação à parceira. São vídeos em que dificilmente se veem rostos, mas emaranhados de corpos, em que os corpos femininos são humilhados e possuídos à força.

Imagens que afirmam a potência, a força, o poder do homem sobre a mulher. Certamente esse crescendo da violência é a expressão de algo subjacente, de uma crise profunda da relação de poder entre homens e mulheres, desestabilizada durante a revolução sexual. Mas o fato é que ninguém parece preocupado com tal resultado. Ninguém parece pensar que a pornografia seja a principal via de iniciação dos jovens à sexualidade, e que precisamente nesse caminho se pede às meninas que estejam disponíveis, uma vez que a procura do prazer sexual as reduz a nada mais do que objetos de consumo.

Diante dessa crua realidade, acreditamos realmente que possam ser suficientes para servir de contraste algumas horas de “educação emocional” numa sala de aula? Seria melhor perguntar-se, me parece, por que razão, nesse tipo de exame de consciência coletivo que acompanhou o surgimento da violência contra as mulheres na nossa sociedade, quase nenhuma voz se levantou até agora para denunciar o desastre causado pela disseminação da pornografia.

Fingimos que os filtros inseridos para proteger os menores funcionam? Não ousamos criticar toda forma de prazer num clima de triunfo da liberação sexual? Será que temos medo, ao denunciar o papel perverso da pornografia, de parecer obtusos conservadores repressivos e de atrapalhar o passatempo também de muitos homens adultos? Ou, mais provavelmente, não se quer criar problemas a um negócio bilionário que traz muito dinheiro para o bolso de poucos?

Mas o problema permanece. Se não encararmos essa questão seriamente, iniciando uma batalha contra essa fábrica de imaginário misógino e violento, será impossível vencer a guerra contra o feminicídio. É bom perceber isso.

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