O pai de Giulia Cecchettin, que se dirige aos homens "porque nós, primeiro, deveríamos demonstrar ser agentes de mudança." O pai de Chiara Gualzetti, que lançou uma plataforma online para recolher histórias de vítimas de violência de gênero e testemunhos das famílias. E também o pai de Martina Rossi, que morreu após cair de um hotel para escapar de um estupro. “Agora estamos diante de um fato novo”, diz Stefano Ciccone, um dos fundadores de Maschile Plurale, associação de homens que nasceu em 2007 para combater patriarcado, masculinismo e o sexismo.
A entrevista de Stefano Ciccone é de Natascia Ronchetti, publicada por Il Fatto Quotidiano, 06-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ciccone, o que esses pais estão nos dizendo?
A palavra deles é muito diferente dos comentários que ouvimos nos vários talk shows sobre violência de gênero. Comentários que invocam o papel dos pais que devem dizer não, que devem impor regras e disciplina, manifestando assim quase uma nostalgia patriarcal. Esses homens, esses pais, em vez disso, escolhem ser algo diferente. Não portadores de uma norma, mas agentes de mudança em relação à ideia que nos é proposta por vários autores segundo a qual a negação da lei paterno produz desordem. Eles estão quebrando uma narrativa tóxica. Porque a verdadeira questão é que os homens não sabem lidar com a liberdade e a autonomia feminina.
Como deveria ser proposta a narrativa dos feminicídios e da violência de gênero?
De maneira diferente. Não como o fruto de desvio, não como um raptus. Mas como carência de instrumentos culturais para enfrentar a mudança. Em vez disso, o discurso dominante, aquele que ouvimos sempre, é: os homens estão em crise. Portanto, a mudança é uma ameaça à identidade masculina.
Mas por que um homem deveria se sentir frustrado pelo confronto com uma mulher autônoma, independente?
Porque lhes dizem que essa liberdade é perigosa. O que realmente falta é a proposta de um percurso de conscientização.
Então, os homens também são vítimas do poder patriarcal?
Sim, porque produz uma miséria nas suas vidas e não é mais credível. Ou nos oferecemos um imaginário diferente ou ficaremos num beco sem saída. A violência não é o exercício de um poder sem contradições. É uma manifestação de angústia que deriva de uma realidade na qual você não tem os recursos para dar um sentido diferente à tal realidade. Além disso, há paradoxos como o vitimismo dos dominantes.
A que se refere?
Ao vitimismo dos pais separados, por exemplo. Sem perceber que o estereótipo com base no qual os filhos devem ficar com as mães, prejudica tanto os homens como as mulheres. Penso naqueles que dizem: não se pode mais fazer nem um elogio. E depois há aqueles que argumentam: basta com o politicamente correto, para depois fazer comentários misóginos sem perceber que são portadores de uma cultura tão antiga quanto o mundo. Todas essas narrativas alimentam o vitimismo masculino e o uso das violências de gênero também para justificar políticas de segurança. A verdade é que ninguém ensinou os homens a lidar com a dependência e a vulnerabilidade. Também as mulheres sofrem quando são deixadas. Mas para os homens, o abandono é um ataque à identidade.