06 Outubro 2023
"No entanto, o Papa Francisco dirigiu-se à Igreja italiana de forma pontual e com autoridade, pedindo-lhe uma mudança precisa. Na Conferência Nacional da Igreja Italiana realizada em Florença em 10 de novembro de 2015, dois anos após a promulgação da exortação pós-sinodal Evangelii gaudium", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, membro da comunidade Casa Madia, em artigo publicado por La Repubblica, 29-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Igreja de Deus que está na Itália vive uma hora que deveria ser de escolhas e decisões muito importante para o futuro da fé cristã na nossa terra. Será capaz de operar uma mudança profunda, imposto a ela principalmente pelo fim de um mundo e pelo surgimento de sinais de uma nova temporada? Será capaz daquela “conversão pastoral” a que o Papa a chama, conversão urgente porque a primavera inaugurada por Francisco já está atestada e o grande risco é que acabe justamente por resultar estranha, anacrônica em relação à inédita situação antropológica, social e cultural? Resumindo tudo a uma simples pergunta: para onde vai a Igreja?
Já se passaram dez anos desde o início do pontificado do Papa Francisco: não poucos, considerando também que este papado não poderá ser tão longo como o de Paulo VI ou de João Paulo II, com a consequente possibilidade de ter um impacto por um longo tempo na vida da Igreja católica. Todos, pelo menos assim parece, estão convencidos da mudança de época em curso, mas outra coisa é o efetivo enveredar por novos caminhos, o consentir ao luto pela temporada passada, a ida para águas profundas (cf. Lucas 5,4), deixando a calmaria das baías, e é aqui que me parece que prevaleça a inércia, a lógica do “sempre foi feito assim”, um fácil providencialismo confundido com a fé, a recusa do esforço para discernir os sinais dos tempos.
No entanto, o Papa Francisco dirigiu-se à Igreja italiana de forma pontual e com autoridade, pedindo-lhe uma mudança precisa. Na Conferência Nacional da Igreja Italiana realizada em Florença em 10 de novembro de 2015, dois anos após a promulgação da exortação pós-sinodal Evangelii gaudium, o Papa disse: “Permitam-me apenas deixar-lhes uma indicação para os próximos anos: em cada comunidade, em cada paróquia e instituição, em cada diocese e distrito, em cada região, procurem iniciar, de modo sinodal, um estudo aprofundado da Evangelii gaudium, para dela extrair critérios práticos e para implementar as suas disposições".
Além disso, na própria Exortação o Papa havia claramente manifestado o seu desejo de que isso fosse acolhido como um convite “para uma nova etapa evangelizadora marcada por essa alegria e indicar vias para o caminho da Igreja nos próximos anos”. Apesar disso, esses convites insistentes e convictos parecem não ter tido uma resposta adequada até agora. Numa entrevista o Cardeal Gualtiero Bassetti confessou que por ocasião de duas audiências o Papa lhe perguntou: “Mas a Evangelii Gaudium está entrando nas Igrejas italianas?”. Pergunta embaraçosa, confessa o cardeal, à qual respondeu: “Um pouco…”. E o Papa replicou: “Não pedi nenhuma renovação da pastoral, pedi a vocês uma conversão pastoral!". E aqui não se pode ignorar a ironia: a fórmula “conversão pastoral” foi cunhada justamente na Itália e está presente de modo claro e significativo no documento Comunicar o Evangelho num Mundo em Mudança, elaborado pelos bispos italianos no início do terceiro milênio. Por que tanta lentidão, então? Cabe se perguntar: “Ainda estamos aqui?". Na mesma entrevista, o Cardeal Bassetti declarou: “Na Igreja italiana está se registrando uma certa lentidão na recepção do projeto do Papa Francisco e se observam muitos fechamentos!”.
Juízo pacato, mas expresso com parrésia e que significativamente encontra outras vozes concordantes na Igreja que leem a situação de forma semelhante. Penso por exemplo num livro inteligente, muito corajoso, do biblista florentino Giulio Cirignano, ou em artigos de Giuliano Zanchi, de Marcello Neri e outros que denunciam esta situação: soa o canto do galo, mas continuamos a dormir.
Vamos tentar entender o porquê.
Em primeiro lugar, deve-se notar que temos atrás de nós, depois da primavera de João XXIII, do Concílio Vaticano II e de Paulo VI, décadas em que a Igreja italiana tentou sim implementar o concílio, mas não só seguindo uma sua interpretação restritiva, mas esquecendo o evento concílio e o espírito que o animava. Por isso foi uma Igreja mais empenhada com sua própria autopreservação do que uma Igreja "extrovertida", uma Igreja autorreferencial e não em diálogo confiante com a humanidade, uma Igreja que tentou reviver - até se iludir ter conseguido – uma nova forma de cristandade, chegando até a uma aliança com o poder político por volta dos anos 2000: em suma, uma Igreja tentada a diluir o Cristianismo para uma “religião civil”.
Giulio Cirignano resume assim: “Estes cinquenta anos de Concílio foram vividos na Itália quase como um triste processo de elaboração de luto". Por sua vez, o Cardeal Bassetti afirma que “o pecado original foi a pouca recepção do Concílio Vaticano II na Igreja italiana”. Assim – acredito que posso dizê-lo porque conheço bem e escuto muitos bispos - o episcopado italiano na sua grande maioria não é hostil ao Papa, nunca o contestará, mas permanece com uma outra sensibilidade que lhe impede uma obediência entusiasmada às suas solicitações.
Entre os novos bispos escolhidos pelo Papa Francisco, há alguns que inauguraram um estilo novo, inspirado certamente pelo Papa, mas antes ainda pelo Evangelho; no entanto, eles não são em número suficiente para dar uma nova cara ao conjunto do episcopado italiano, até porque ainda continuam a ocorrer nomeações de pessoas “de carreira” ou sobretudo empenhadas na espera de uma promoção. E o clero? Na verdade, os padres estão cansados, cada vez menos numerosos e mais idosos - pelo menos no norte e no centro de Itália - muitas vezes em situações de pobreza econômica e humana: com raras exceções, agora sentem dificuldade em se entusiasmar por novas formas de missão. Por isso é importante que agora com urgência a Igreja italiana, a começar pelos bispos e presbíteros, assuma a responsabilidade pela mudança necessária para ser luz e sal (cf. Mt 5,13-16) num mundo que permanece indiferente ao fato religioso, mas que também sempre pode ser alcançado pelo Evangelho, que, se escutado, infunde a fé.
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A lenta revolução de Francisco. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU