Por: André Langer | 17 Agosto 2023
A humanidade encontra-se numa quadra da história em que precisa enfrentar desafios cruciais e sem precedentes para a preservação das condições de habitabilidade no planeta Terra. A delimitação do território planetário em Estados-Nação, embora tenha sido uma maneira relativamente prática de gerir povos e recursos durante algum tempo, mostra-se hoje ineficiente.
Diversos fenômenos, embora provocados ao interno das fronteiras, atravessam com crescente frequência as fronteiras nacionais, o que coloca em xeque a ideia da soberania e da autonomia absoluta dos Estados nacionais. Os países ricos, há tempos estendem seus braços e mãos para os territórios de outros Estados-nação em busca de recursos naturais para a satisfação e manutenção de seus níveis de consumo, irreais, diga-se de passagem.
Paradoxalmente, a defesa exclusiva dos interesses nacionais impede ou atrasa medidas e ações que possam fazer frente ao novo regime climático. E com isso, sofrem todos, onde quer que se encontrem, mas, de modo especial, os países e populações mais pobres, duplamente vitimizados: pela exploração das riquezas de que dispõem, avidamente desejadas pelos países mais ricos, e pelas consequências das mudanças climáticas.
Para analisar este pano de fundo, o Cepat contou, no dia 12 de agosto, com a ajuda do Pedro Henrique Bueno, no debate online intitulado Geopolítica e emergência climática: a porosidade das fronteiras.
A atividade integra a série de debates online Habitabilidade da Terra: fraturas, emergências e releituras, que busca aprofundar as temáticas socioambientais a partir de uma leitura transdisciplinar das condições atuais da vida no planeta, o rompimento de velhos paradigmas e a construção de novas abordagens e compreensões do modo humano de estar no mundo.
Para a sua realização, o CEPAT conta com a parceria e o apoio de diversas instituições: Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá – UEM, Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB, Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara – CEFEP e o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA.
Pedro Henrique Bueno possui licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), pós-graduação em Geopolítica e Relações Internacionais e é mestre em Formação Científica, Educacional e Tecnológica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atua como professor de extensão em Geopolítica e Atualidades pela FAE e é professor do Grupo Educacional de Ensino Senhor Bom Jesus, em Curitiba-PR.
Pedro Henrique Bueno, na atividade: "Geopolítica e emergência climática: a porosidade das fronteiras"
Pedro Henrique inicia sua fala delimitando e mostrando a evolução da geopolítica enquanto disciplina das ciências. A geopolítica procura interpretar os fatos atuais e combiná-los com algumas perspectivas históricas e trazer algumas características da geografia do local. Durante muitos anos ficou restrita à área militar, ao contexto da dominância, de poder, e presa a uma ordem um pouco determinística. No século XXI, a geopolítica entra numa agenda mais globalista, entendendo-a como um processo de relações internacionais. Consequentemente, passa a ter uma visão mais crítica em relação a alguns eventos, debruçando-se sobre questões mais de ordem política, como conferências e tratados.
Em relação ao tema das emergências climáticas, Pedro constata que algumas ações das mudanças climáticas já estão em curso. Resta, portanto, criar ações para mitigar os impactos das mudanças climáticas.
E onde a geopolítica encaixa com a questão ambiental?
A relação entre geopolítica e questões ambientais remonta à década de 1960, quando este tema passa a ganhar relevância e abrangência. Um marco é o livro Primavera silenciosa, de Raquel Carlson, que destaca alguns efeitos nocivos da larga e desenfreada utilização dos pesticidas na agricultura. Começam a ganhar visibilidade os impactos das atividades humanas sobre o ambiente.
No final dos anos 1960, o Clube de Roma passa a tratar assuntos relacionados ao uso indiscriminado dos recursos naturais. Uma preocupação que emerge em países desenvolvidos e algumas grandes empresas. No entanto, a demografia é o grande alvo das discussões, principalmente devido ao crescimento populacional nos países subdesenvolvidos, alavancada por um certo malthusianismo. Ou seja, o grande risco para os limites dos recursos naturais provinha, segundo esta visão, do aumento acelerado da população e não do crescimento desenfreado do consumo. É neste momento que, com a teoria multhusiana em voga, são implementadas as políticas de filho único na China e de controle de natalidade na Índia, via métodos contraceptivos.
Além disso, um relatório do Clube de Roma, publicado em 1972 com o título Limites do crescimento, dá início à discussão em torno do desenvolvimento sustentável. A partir destas discussões, muitos países começam a criar Ministérios do Meio Ambiente. O que não é o caso do Brasil, que passa a ter o seu apenas em novembro de 1992, portanto, após a Eco-92.
Ainda em 1972, aconteceu a 1ª Conferência do Meio Ambiente (Conferência de Estocolmo), projetada pela ONU, e nela foi criado o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Dela participaram 113 países, um número bem significativo, e cerca de 250 organismos internacionais. Dela saiu também a Declaração da ONU para o Meio Ambiente, com 26 princípios, que dizem respeito à proteção da flora, da fauna, à redução dos resíduos...
Vinte anos separam esta conferência da Eco-92, que aconteceu em junho de 1992 no Rio de Janeiro. Somente nesta conferência os países subdesenvolvidos começam a questionar as acusações feitas a eles, como a acusação de que o aumento populacional é o grande responsável pelo esgotamento dos recursos naturais. Rebatem dizendo que o grande responsável pela degradação do meio ambiente são os hábitos de consumo exacerbado dos países desenvolvidos. Começam a virar o jogo e a responsabilizar os países ricos por esta situação. A Eco-92 é palco para a elaboração de políticas internacionais relativas ao meio ambiente, com destaque para a Agenda 21. Além disso, acordou-se a realização de reuniões mais frequentes, a cada 10 anos, e no meio, a realização de COPs (Conferências das Partes) que tratassem das questões ambientais.
Algumas das COPs mais relevantes são: a COP 3 (1997), realizada no Japão, de onde sai o Protocolo de Kyoto, uma série de metas para que os países desenvolvidos reduzissem a produção de carbono. A meta era que até 2012 reduzissem a emissão dos gases de efeito estufa em 5,2%, o que evidentemente não conseguiram. Os Estados Unidos, na época o maior poluidor do mundo, não aderiram ao protocolo, alegando que traria sérias consequências para a economia estadunidense, assim como os países emergentes, que estavam começando a ter um parque industrial mais pujante.
Na sequência, tivemos a Rio+10 (2002), realizada na África do Sul, a Rio+20 (2012), no Rio de Janeiro, as quais tiveram pouca evolução nos acordos, e a COP 21, que teve um significativo passo à frente com a assinatura do Acordo de Paris, em 2015. É o maior acordo ambiental já firmado. Todos os 196 países assinaram o acordo e 147 o ratificaram (entre eles o Brasil), isto é, se comprometeram a implementar leis em seus respectivos países para fazer valer a questão da descarbonização. Os 147 países que ratificaram o acordo são responsáveis por 96% das emissões de gases de efeito estufa. Um dos esforços assumidos na COP 21 é não permitir que a temperatura média aumente acima de 1,5ºC até o final do século, meta que, persistindo a evolução dos acontecimentos, não será atingida.
Não é preciso ser cientista para notar que o clima está mudando. No campo científico, existe o IPCC, que é órgão científico-político criado em 1988 no âmbito da ONU e é responsável principalmente por produzir relatórios. O último relatório é de 2022 e é contundente em mostrar que as evidências científicas apontam para a existência da mudança climática e a responsabilidade humana no aquecimento global.
O relatório aponta que 52,74% das emissões de gases de efeito estufa ocorreram apenas nos últimos 30 anos, mas já a partir da Primeira Revolução Industrial temos este aumento, que coincide com o uso intensivo do carvão e dos combustíveis fósseis. A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera é a maior dos últimos dois milhões de anos.
As perspectivas científicas são de que, no pior cenário, poderemos chegar a um aumento da temperatura igual ou superior a 4º C até o final do século, com impactos catastróficos em praticamente todas as áreas. Uma certa mudança no clima já é inevitável, mesmo se mantivermos o aquecimento abaixo dos 2º C. Temos que lidar com esta nova realidade. Os cientistas alertam que em algumas situações já podemos estar no ponto de não retorno. Portanto, ações de adaptação são imprescindíveis.
Basta lembrar que este ano tivemos as temperaturas mais elevadas já registradas nos últimos milhares de anos.
Os três maiores emissores de gás carbônico do mundo – China, Estados Unidos e União Europeia – são responsáveis por 47% das emissões e emitem 15 vezes mais carbono do que os 100 países mais pobres do mundo juntos, os quais são responsáveis por apenas 2,5% das emissões. Os Estados Unidos se mantiveram até muito recentemente como o maior emissor de gases de efeito estufa – algo em torno de 509 bilhões de toneladas de CO2 desde 1850; a China, por sua vez, é responsável por mais de 26% das emissões de carbono. O Brasil está entre os maiores emissores, mas elas decorrem especialmente das queimadas.
Considerando-se as emissões por ramos de produção, o setor da energia é de longe o responsável pela maior emissão de CO2 no mundo – 72%, seguido pela agricultura com 11%.
André Langer, do CEPAT e Pedro Henrique Bueno, na atividade: "Geopolítica e emergência climática: a porosidade das fronteiras
As emissões de gases de efeito estufa são produzidas dentro das fronteiras dos países, mas seus efeitos e consequências ultrapassam estas fronteiras, até porque elas não são naturais e são, muitas vezes, traçadas de maneira arbitrária. Assim, países que têm uma participação ínfima na emissão de gases de efeito estufa sofrem, no entanto, as consequências das ações dos grandes países poluidores.
As mudanças climáticas serão sentidas de várias formas, diz Pedro, e apresenta alguns fenômenos que mostram onde poderemos ver a porosidade das fronteiras em escala global.
Fenômeno El Niño. O El Niño é um fenômeno climático natural que ocorre no Oceano Pacífico equatorial e tem uma influência bem grande nas condições climáticas de várias partes do mundo. El Niño e La Niña se revezam no seu aparecimento entre dois e sete anos. O El Niño é resultante do aquecimento das águas do Pacífico e provoca seca na parte Norte do Brasil e estações de chuva no Sul; o La Niña é resultante, pelo contrário, do processo de resfriamento do Pacífico e provoca o movimento inverso entre o Norte e o Sul do Brasil. Agora, os cientistas já falam em Super El Niño, referindo-se a um superaquecimento das águas do Pacífico. E as consequências serão, obviamente, muito mais acentuadas a partir, especialmente, do mês de novembro. É um fenômeno natural, mas intensificado pela intervenção humana, diz o Pedro.
Desaparecimento de Países Insulares, como no caso do Tuvalu, uma ilha do Oceano Pacífico, ocasionado pelo derretimento das calotas polares e das geleiras e consequente aumento do nível do mar.
Eventos atmosféricos extremos. Neste ano, atingimos temperaturas recordes, com ondas de incêndios em várias partes do mundo (Canadá, Grécia, Havaí) e crises hídricas em outras (Uruguai e Argentina). Ao mesmo tempo, e como parte do mesmo fenômeno, assistimos a chuvas torrenciais (Paquistão) e ciclones ou ciclones extratropicais (Sul do Brasil) em outras partes. Outro fenômeno a ser observado são as amplitudes térmicas, isto é, a diferença entre a temperatura mínima e a máxima.
Insegurança alimentar. A imprevisibilidade climática veio para ficar e traz consigo a insegurança alimentar, especialmente na África, onde 95% dos agricultores dependem diretamente das chuvas, onde os mesmos enfrentam uma falta de chuva já a cada dois anos. Em toda a África, a produtividade chegou a diminuir em cerca de 34%. A região do Sahel é particularmente a mais afetada.
Perda da biodiversidade. O aumento da temperatura também altera o processo do habitat natural mais rapidamente. Mas a perda de biodiversidade também pode acelerar a mudança climática.
Aumento dos conflitos e tensões. Os efeitos das mudanças climáticas provocam mudanças geopolíticas que muitas vezes ameaçam desestabilizar nações que estão já bastante vulneráveis. As pressões sobre os recursos naturais acabam enfraquecendo a capacidade das nações se governarem, o que aumenta as chances de conflitos (não excluídos os armados) por recursos como a água (na França, por exemplo, onde o governo autorizou a construção de megabacias, cujo impacto ambiental é denunciado pelos ativistas ambientais).
Deslocamentos de populações. Cogita-se incluir entre os refugiados, os refugiados climáticos, ou seja, aquelas pessoas que fogem do seu país por razões ambientais. Esta questão tem ganhado maior destaque nos últimos anos devido ao número crescente de pessoas que sofrem em decorrência da degradação das condições de sobrevivência em sua terra natal. Em 2019, os perigos relacionados ao clima provocaram o deslocamento de quase 25 milhões de pessoas em 140 países diferentes. As estimativas são de que esse número chegue pelo menos a 200 milhões de pessoas em 2050.
Finalizando, Pedro apresenta alguns pontos-chave para minimizar a crise climática, tais como: o compromisso pessoal; a participação social; a consciência ecológica; e a eficiência e inovação.
Abaixo, disponibilizamos a íntegra da exposição e debate.
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A problemática das fronteiras no Novo Regime Climático - Instituto Humanitas Unisinos - IHU