10 Julho 2023
No livro póstumo Portrait du pauvre en habit de vaurien. Eugénisme et darwinisme social [Retrato do pobre de hábito imprestável: eugenismo e darwinismo social] (Éditions Page Deux e Syllepse, 2023), Michel Husson examina a literatura sobre a pobreza e mostra como os pensadores tornam os pobres responsáveis pelo seu destino. Uma legitimação da ordem social ainda hoje relevante.
A reportagem é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 01-07-2023. A tradução é do Cepat.
Dois anos após a morte prematura do economista Michel Husson, dois de seus parentes finalizaram o livro no qual ele já vinha trabalhando há cinco anos. Todo sistema econômico deve explicar por que existem pessoas que não encontram seu lugar nele e como administrá-las – os pobres ontem, os pobres e os desempregados hoje.
Michel Husson, portanto, mergulhou na literatura do século XVIII para mostrar que os argumentos apresentados se repetem ciclicamente ao longo da história. A sua obra centra-se na pobreza, tendo a sua morte impedido a realização da mesma pesquisa sobre os desempregados, mas as ideias apresentadas são da mesma ordem.
Somos convidados a mergulhar nas ideias de Jeremy Bentham, para quem ajudar os pobres é o mesmo que incitá-los à ociosidade. Se quisermos realmente ajudá-los, devemos incitá-los a trabalhar. A Lei dos Pobres inglesa de 1834 inspirou-se nesses preceitos ao criar “casas de trabalho” tão horríveis que os “beneficiários” tinham de aceitar o primeiro emprego que aparecesse. A Inglaterra se recusará a ajudar os irlandeses durante a Grande Fome (1845-1851) porque são pessoas intrinsecamente preguiçosas que não deveriam ser assistidas.
Na continuação, o livro dedica um bom tempo a Charles Darwin, ou melhor, ao darwinismo social. Afinal, aqueles que não se inserem no mundo da produção não são simplesmente desajustados para o trabalho, inempregáveis por suas próprias características que os tornam desprovidos de qualquer valor econômico? Darwin é ambíguo sobre o assunto em seus escritos públicos, bastante tentado a subscrevê-lo em sua correspondência privada enquanto promove as ideias de seu primo Francis Galton, o pai da eugenia.
Acompanhamos com certo horror os escritos desse ramo da história das ideias. Concepções que, paradoxalmente, encontramos em autores marxistas – que veem nelas a demonstração de que tudo isso não tem nada a ver com a providência divina – e em progressistas britânicos, inclusive em um autor de esquerda como H. G. Wells, que dá lugar a um verdadeiro racismo social.
Estatístico, Michel Husson não podia ficar do lado dos especialistas de sua área para, depois, mostrar que grande parte das ferramentas que usamos hoje vem de pessoas com ideias pouco recomendáveis. Karl Pearson inventa o coeficiente de correlação e o desvio padrão a partir de um trabalho que supostamente mostra a determinação hereditária de características físicas e mentais. E sabemos como Corrado Gini era um adepto convicto das teses fascistas. Dois exemplos entre muitos outros.
O livro termina passando em revista os escritos de Stanley Jevons, Irving Fisher, Francis Edgeworth, Alfred Marshall (a saúde pública mantém vivos indivíduos supérfluos), George Stigler (o problema dos negros é que eles não querem melhorar). Decididamente tristes esses economistas.
Afinal, se a pobreza nada tem a ver com as relações de poder e os determinantes sociais, os pobres são inerentemente pobres porque não sabem se adaptar à economia, ou porque a ajuda que lhes é prestada incita-os ao ócio. Ideias ainda hoje presentes.
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Por que os pobres são pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU