05 Julho 2023
Os bispos irlandeses pediram às paróquias de toda a Irlanda que reservem 30% de seus terrenos para polinizadores e biodiversidade até 2030, para que a terra possa ser desfrutada “perpetuamente por toda a comunidade”.
A reportagem é de Sarah MacDonald, publicada por National Catholic Reporter, 30-06-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com 1.365 paróquias que incluem 2.646 igrejas em 26 dioceses na ilha da Irlanda, a iniciativa tem o potencial de fazer a diferença para a biodiversidade local, assim como fomentar a conscientização sobre os esforços globais de conservação, particularmente o acordo dos países na conferência das Nações Unidas de 2022 sobre diversidade biológica, a COP15, para devolver 30% da terra à natureza. A iniciativa também se esforça para fomentar a conscientização sobre os ensinamentos da Igreja sobre ecologia e destacar o papel das pessoas de fé na proteção da criação.
Os bispos fizeram o apelo para reservar quase um terço das propriedades da Igreja após as reuniões de meados do ano em Maynooth, no condado de Kildare, em março e junho. Os bispos explicaram que, como um primeiro passo, as paróquias, por meio de seus conselhos pastorais e fundos diocesanos, devem mapear os terrenos de suas igrejas para identificar os 30% que se tornarão um refúgio para polinizadores e biodiversidade. A iniciativa é uma resposta à encíclica Laudato si’, sobre o cuidado de casa comum, do Papa Francisco, de 2015, à iminente perda de biodiversidade e aos acordos feitos na COP15 em Montreal, em dezembro de 2022.
A medida foi saudada por Jane Mellett, oficial Laudato si’ junto à agência de desenvolvimento dos bispos, Trócaire, que disse ao EarthBeat que era “ótimo ver essa liderança em resposta à crise da biodiversidade”. Ela disse que o National Biodiversity Data Center na Irlanda recebeu muito bem a proposta dos bispos e ficaria feliz de acompanhar uma paróquia-piloto.
Mellett observou que a Conferência dos Bispos da Irlanda foi a primeira conferência episcopal do mundo a desinvestir em combustíveis fósseis. Desde então, as conferências episcopais da Áustria, Bélgica, África oriental, Filipinas e Escócia também se comprometeram a desinvestir, segundo dados compilados pelo Movimento Laudato si’.
O bispo Martin Hayes, bispo coordenador do Movimento Laudato si’ na Igreja na Irlanda, disse ao EarthBeat que a proposta de biodiversidade e polinizadores é uma “forte recomendação”, e não uma exigência. Cada paróquia “será encorajada a identificar paroquianos com paixão e experiência local em jardinagem, para mapear inicialmente as áreas que poderiam alimentar o cultivo de flores silvestres essenciais para os polinizadores”.
Ele reconheceu que algumas paróquias precisarão de apoio para ver essa iniciativa como parte de seu compromisso cristão e reconhecer a importância do cuidado da nossa casa comum, como expressa Francisco na Laudato si’.
Hayes, que lidera a Diocese de Kilmore, explicou que o Grupo de Trabalho Laudato si’, filiado à Comissão de Educação da Conferência Episcopal Irlandesa está desenvolvendo recursos para implementar essa recomendação. Estes incluirão os textos “The Faith Community Pollinator Plan” e “Gardening for Biodiversity”.
Como membro do grupo de trabalho que assessora os bispos irlandeses, Mellett disse que a proposta dos bispos teve origem nesse grupo de 12 membros, que inclui especialistas em clima, teólogos com foco em ecologia e pessoas que trabalham in loco, como Mellett, que pode aproveitar as experiências da equipe da Trócaire em lugares ao redor do mundo mais afetados pela crise climática.
“Em nosso trabalho no exterior, a Trócaire tem toda uma área de trabalho em agroecologia na qual trabalhamos com comunidades locais sobre segurança alimentar. Este é um grande problema, porque a maioria dos nossos países são afetados pela seca, e, portanto, defender a justiça climática é definitivamente uma prioridade para nós”, disse Mellett.
O grupo de trabalho é “constantemente” solicitado a aconselhar sobre ações concretas que as pessoas podem fazer, acrescentou ela. “Não podemos simplesmente continuar falando sobre os problemas. Essa recomendação dos bispos se baseia em soluções e é oportuna.”
O ímpeto para a proposta do grupo de trabalho aos bispos foi um artigo sobre por que os cristãos deveriam se preocupar com a perda da biodiversidade, escrito pelo teólogo e padre Sean McDonagh, que é membro do grupo de trabalho. “Foi uma resposta às estatísticas surpreendentes naquele artigo e ao acordo dos países participantes da COP15 a fim de devolver 30% da terra à natureza e 30% dos oceanos”, disse Mellett. “Em uma de nossas reuniões, os membros do grupo de trabalho perguntaram como seria se fizéssemos isso como uma paróquia.”
Mellett acredita que o prazo de 2030 é “suficiente para fazer algo muito valioso”. Embora a maioria das paróquias começará do zero, elas esperam começar a ver os resultados dentro de dois ou três anos. Isso também tem a ver com a Plataforma de Ação Laudato si’ do Vaticano, um esforço global plurianual que estabeleceu o ano de 2030 como prazo para a implementação de ações concretas sobre sustentabilidade.
Mellett enfatizou que a proposta dos bispos não deveria ser mais uma tarefa para o pároco. “Entendemos as pressões que as equipes paroquiais estão sofrendo”, disse ela. “Deveria ser uma iniciativa do conselho paroquial, com indivíduos in loco fazendo isso acontecer.”
Ela acredita que algumas das 700 pessoas que fizeram um curso de seis semanas sobre a Laudato si’ desde março de 2020 – do qual ela é facilitadora – serão impulsionadores dentro das paróquias. “Estabeleceu-se uma rede e houve educação teológica e espiritual nas bases”, disse ela. “É provável que os grupos de cuidado da criação nas paróquias ou aqueles que frequentaram esses cursos Laudato si’ por meio da Trócaire ou do Movimento Laudato si’ encabecem o projeto de reflorestamento nas paróquias”.
Mellett enfatizou que o projeto se concentra nos terrenos da igreja. “Estamos encorajando os conselhos paroquiais a envolverem a expertise local, indo ao encontro de grupos da comunidade, como grupos de loteamento ou qualquer pessoa que tenha um pouco de conhecimento sobre biodiversidade, jardins e horticultura”, disse ela. “Não precisamos reinventar a roda.”
Mas as paróquias precisam ser muito claras sobre o porquê de estarem fazendo isso. “É uma oportunidade de catequese sobre a Laudato si’”, disse ela.
Uma paróquia que já está recuperando sua população de polinizadores é Killlorglin, no condado de Kerry, que Mellett diz ter um maravilhoso jardim de biodiversidade. “Eles limparam um pouco do terreno ao redor da igreja e criaram um jardim que está florescendo com a polinização, o cultivo de vegetais e o plantio de árvores”, disse ela. “Eles têm uma pequena equipe de apenas quatro pessoas que cuidam disso uma vez por semana”.
Uma paróquia em Shankill, no condado de Dublin, ganhou recentemente uma “estrela de ouro” por ser uma paróquia ecológica, concedida pela Eco Congregation Ireland, um grupo ecumênico que fornece planejamento prático para reflorestamento para polinizadores e o cuidado com a terra. O grupo fornece “uma lista muito clara de tarefas a fim de conquistar um prêmio de bronze, prata ou ouro”, disse Mellett.
“Em Shankill, eles fizeram coisas muito simples, como deixar os prados se formarem e replantaram as bordas do gramado com plantas polinizadoras. Eles também fizeram um grande trabalho com energia na paróquia. Essas pequenas coisas fazem a diferença com o passar do tempo.”
As paróquias rurais podem dedicar mais facilmente 30% dos terrenos de suas igrejas aos polinizadores e à biodiversidade do que as paróquias urbanas. “Alguém realmente me perguntou se esperávamos que elas destruíssem os estacionamentos! Não é isso que estamos pedindo”, disse Mellett. “Estamos pedindo que as paróquias mapeiem o espaço que têm e ocupem 30% desse espaço, trabalhando com ele. Pode ser um espaço minúsculo. Você pode usar vasos de plantas para delimitar as vagas de estacionamento e deixar de pintá-las.”
Ela também aconselha as paróquias a consultarem o Plano Nacional de Polinização, que ela descreve como um “excelente recurso”, com uma seção dedicada às comunidades de fé.
A recomendação dos bispos foi “calorosamente acolhida” pelo conselho pastoral paroquial da paróquia de Balally, no sul de Dublin. Em 2009, foi fundado um subcomitê, o Balally Environmental Group. A paróquia está começando a pensar em elaborar um projeto para implementar a proposta.
“Atualmente, a paróquia de Balally está em diálogo com uma paróquia vizinha para explorar a possibilidade de uma abordagem conjunta para reservar 30% dos terrenos da igreja”, disse o pároco, Pe. Jim Caffrey. Ele acrescentou que também aguardam a emissão de diretrizes para as paróquias.
Um recurso para as paróquias é o livro “The Parish as Oasis: An Introduction to Practical Environmental Care” [A paróquia como um oásis: uma introdução ao cuidado ambiental prático], de Kevin Hargaden, teólogo, e Ciara Murphy, bióloga ambiental. Ambos trabalham para o Centro Jesuíta Fé e Justiça, com sede em Gardiner Street, uma paróquia urbana de Dublin. “Sentimos que havia muita energia e ação nas bases, mas o que faltava era algum tipo de pressão de cima para baixo”, disse Murphy ao EarthBeat.
Ver a Igreja fazendo propostas tão confiantes e ambiciosas “energiza” as pessoas”, disse Hargaden. A proposta é “um convite para aumentar a participação do laicato e uma verdadeira liderança leiga, porque são os conselhos paroquiais que vão implementar isso. É uma oportunidade de cuidar do ambiente, construir uma comunidade, fazer discípulos e se engajar na missão.”
Uma visão de futuro para a Igreja, acredita Hargaden, está em Clane, no condado de Kildare, onde quatro denominações – a Igreja Católica, a Igreja da Irlanda, a Igreja Presbiteriana e a Fraternidade Cristã – estão trabalhando juntas em seu cuidado pela terra. “Como cristãos, devemos aproveitar essas oportunidades ecumênicas. Cavar o solo e trabalhar duro juntos é um ótimo modo para explorar o que significa ser cristãos juntos e o nosso chamado criacional no Gênesis como administradores da terra”.
A paróquia jesuíta em Gardiner Street, em Dublin, tem um grande jardim murado atrás da igreja e de seus edifícios georgianos auxiliares que hospedam a comunidade e os escritórios. A igreja está voltada para a movimentada rua da cidade, sem nenhum espaço verde, mas o jardim é um refúgio de biodiversidade. Seguindo a liderança de Adão e Eva como jardineiros, um tema explorado em seu livro, tanto Murphy quanto Hargaden trabalharam com os jesuítas para tornar esse espaço o mais verde e biodiverso possível.
O espaço tornou-se um oásis para as crianças que frequentam a Escola Fundamental vizinha. Durante a pandemia da Covid-19, permitiu-se que as turmas fossem até o jardim nos intervalos. Os professores disseram a Murphy que podiam notar quais alunos haviam estado no jardim e quais haviam permanecido no pátio de concreto da escola. “O comportamento e a atitude deles eram diferentes”, disse ela. “Eles aprendiam melhor, porque, se caíssem, não se machucavam. E havia mais coisas para olhar e menos estresse.”
Desde então, os jesuítas construíram um polytunnel, uma estrutura coberta de plástico semelhante a uma estufa, como “uma sala de aula ao ar livre” para os alunos. Uma turma está cultivando vegetais ali.
Murphy disse que a Gardiner Street está tentando descobrir como fazer ainda mais com o jardim para aumentar a biodiversidade no gramado e atrair mais insetos e pássaros. “Estamos analisando como podemos fazer jardins de chuva a partir das calhas e garantir que isso não afete a infraestrutura”, porque a igreja e seus prédios georgianos são estruturas tombadas. Eles também estão discutindo a possibilidade de ter aquecimento geotérmico e algumas adaptações.
Vincular a vida sacramental de uma paróquia ao cuidado ambiental é um lema importante para Hargaden. Ele se inspira na paróquia de Clane, no condado de Kildare, onde todas as crianças batizadas na paróquia nos últimos 10 anos e todos os casais que se casaram receberam de presente uma árvore irlandesa nativa. “Mais de 1.300 árvores foram plantadas em Clane como resultado da vida sacramental da Igreja”, disse ele. “Se tivéssemos uma rede de paróquias em toda a Irlanda engajadas nesse tipo de testemunho significativo, isso seria um símbolo profundamente rico”.
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Bispos irlandeses pedem que paróquias reservem 30% de seus terrenos para polinizadores e biodiversidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU