15 Junho 2023
O êxodo humano produzido pela invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, confirmou uma das previsões mais dramáticas que a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) já havia lançado, em 2021. Naquele momento, havia considerado que a questão não era se o mundo chegaria ao escandaloso número de 100 milhões de pessoas obrigadas a fugir de suas casas por conflitos, guerras, perseguições e instabilidade, mas quando isso iria acontecer. Poucos meses depois, os bombardeios de Vladimir Putin sobre a ex-república soviética levaram 2022 passar para a história como o ano em que esse marco foi ultrapassado. Hoje, as estimativas do ACNUR já ultrapassam 110 milhões de pessoas afetadas.
A reportagem é de Jairo Vargas Martín, publicada por Público, 14-06-2023. A tradução é do Cepat.
Se 2021 encerrou com 89,3 milhões de refugiados e deslocados, em junho de 2022, já havia 101,1 milhões. A tendência, longe de desacelerar, continua crescendo no calor de velhos e novos conflitos e de outros fenômenos ainda incipientes, como a crise climática. Sendo assim, o ano de 2022 encerrou com o recorde de 108,4 milhões de pessoas deslocadas à força de seus territórios. São 19,1 milhões a mais, 21%, do que em 2021, segundo o relatório sobre tendências globais publicado anualmente pelo ACNUR.
Contudo, o número continuou aumentando, sobretudo após o conflito no Sudão, e no final de maio deste ano, o ACNUR já estimava em 110 milhões o número de pessoas empurradas para fora de suas casas por guerras, perseguições, violência ou abusos contra os direitos humanos.
“Esses números nos mostram que algumas pessoas são muito rápidas para entrar em conflito e muito lentas para encontrar soluções. A consequência é a devastação, o deslocamento e a angústia de cada uma das milhares de pessoas arrancadas à força de suas casas”, denunciou o Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi.
O relatório contabiliza 35,3 milhões de refugiados que tiveram que deixar seus países em busca de segurança e proteção internacional. Ainda que a maioria dos deslocados, 58% (aproximadamente 62,5 milhões de pessoas), tiveram que fugir para outras áreas mais estáveis dentro de seu país. A agência da ONU também contabiliza 4,4 milhões de pessoas apátridas ou de nacionalidade indeterminada, 2% a mais do que em 2021.
O conflito na Ucrânia foi de longe o principal fator de deslocamento forçado em 2022. Segundo o ACNUR, em poucos meses, o número de refugiados disparou de 27.300, no final de 2021, para 5,7 milhões, no final de 2022. É o mais rápido êxodo desde a Segunda Guerra Mundial, um desafio para o qual os países europeus implementaram a figura da proteção temporária, que concedeu o status de refugiado e ajudas específicas a milhões de famílias ucranianas.
A crise demonstrou que com vontade política e recursos é possível enfrentar tais situações limites que, no entanto, não foram geridas da mesma forma no passado recente.
De fato, dois anos após o início de sua guerra civil, a Síria continua sendo o país que mais gera refugiados e pessoas que necessitam proteção, com cerca de 6,5 milhões, seguida da Ucrânia e do Afeganistão, com 5,7 milhões.
Os confrontos no Sudão entre o Exército do Sudão e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR), que eclodiram em meados de abril, acrescentaram na lista, até agora, mais de 1,6 milhão de pessoas deslocadas à força. Cerca de 1,2 milhão (quase 250.000 famílias) buscaram refúgio dos combates em Cartum, a capital, e em outras regiões do país, ao passo que outras 380.000 pessoas cruzaram a fronteira para países vizinhos como Egito, Chade e República Centro-Africana.
O relatório também destaca que, em 2022, foram registrados mais pedidos de asilo do que nunca: 2,6 milhões de pedidos de pessoas de mais de 140 nacionalidades, em 155 países diferentes. Números que, segundo o ACNUR, mostram a importância crítica que o direito de solicitar asilo continua tendo para milhões de pessoas no mundo.
Grande parte dessas solicitações (mais de duas em cada cinco) veio de cidadãos da América Latina e do Caribe, sobretudo cubanos, nicaraguenses e venezuelanos, embora os pedidos de proteção internacional de sírios e afegãos também tenham aumentado. E ainda que as respostas dos países e do ACNUR tenham aumentado 27%, ainda há 5,4 milhões de pessoas esperando uma resolução para a sua demanda, 18% a mais do que em 2021.
Apesar dos governos de diferentes países ricos da Europa e da América buscarem gerar a ideia de invasão, na verdade, são os países de baixa e média renda que continuam acolhendo a maioria dos deslocados do mundo. Segundo o ACNUR, os 46 países menos desenvolvidos do planeta, que representam menos de 1,3% do PIB global, abrigam 20% de todos os refugiados.
A Turquia é o país com a maior população de refugiados do mundo, com 3,6 milhões, seguida do Irã (3,4 milhões) e da Colômbia (2,5 milhões). A Alemanha, com 2,1 milhões de refugiados acolhidos, é o quarto país do mundo em acolhimento.
“As pessoas em todo o mundo continuam demonstrando uma hospitalidade extraordinária aos refugiados, conforme oferecem proteção e ajuda aos necessitados”, aponta Grandi, acrescentando que se requer “muito mais apoio internacional e uma responsabilidade compartilhada mais equitativa, especialmente com aqueles países que acolhem a maioria dos deslocados no mundo”, mas, sobretudo, mais determinação para negociar o fim dos conflitos internacionais.
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Um novo recorde: 110 milhões de pessoas deslocadas à força no mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU