17 Outubro 2022
Os Carontes de Necoclí, no noroeste da Colômbia, trabalham sem descanso. A todas as horas, com barcos regulares e irregulares, dezenas e dezenas de venezuelanos, assim como pessoas de outras nacionalidades (especialmente haitianos e cubanos), embarcam, paradoxalmente cheios de esperança, para o inferno. De outra forma não se poderia definir o chamado “Tapón del Darién”, o estreito istmo que separa a Colômbia do Panamá, a América do Sul da América Central.
A reportagem é de Bruno Desidera, publicada pela Agência SIR, 14-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A travessia do Mar do Caribe é, em alguns aspectos, providencial. Sessenta quilômetros por mar, entre Necoclí, conhecido como o berço do jogador Juan Cuadrado, e Capurganá, no departamento de Antioquia, são, de fato, preferíveis a uma marcha mais longa por territórios isolados, muitas vezes controlados por bandos armados. O problema, porém, é que a rota migratória continua em direção à fronteira panamenha, precisamente pelo “Tapón del Darién”, com o objetivo de cruzar a área da América Central para chegar ao México e depois aos Estados Unidos. O trecho em direção à fronteira com o Panamá é o mais inóspito que se pode imaginar: floresta densa, áreas montanhosas, presença constante de animais ferozes, insetos perigosos, guerrilheiros, contrabandistas, bandos criminosos de todos os tipos. Mas os "Carontes" não tem dias de folga.
No ano passado, Necoclí havia vivenciado a emergência dos haitianos, mas este ano a rota foi "descoberta" pelos venezuelanos, que continuam fugindo de seu país, sem dinheiro e sem perspectivas. Em alguns aspectos, a tradicional rota “andina”, da Colômbia ao Equador, Peru e Chile, está saturada. E o sonho das estrelas e listras é um ímã poderoso. Assim, a “tampa”, o Tapón justamente, estourou, e já são cerca de cem mil venezuelanos que estão no Panamá, além daqueles que já estão subindo o continente.
Mapas destacando o território do Panamá (em cima, à esquerda), o território da Colômbia (à direita), e a região conhecida como Tapón del Darién (em baixo, à esquerda). Fonte: wikimedias
Em um balanço oferecido pelo Ministério da Segurança do Panamá, foi revelado que 151.527 migrantes cruzaram a fronteira que separa a Colômbia do Panamá entre janeiro e setembro. Destes, 107 mil são venezuelanos (71%). Com esse número, o venezuelano torna-se de longe a nacionalidade com maior número de migrantes ao longo da rota. Seguida pelo Haiti (8.579), Cuba (4.322) e outros países (14.297). Além disso, de acordo com as estimativas do ACNUR, a agência da ONU para migrantes, os números do êxodo venezuelano estão em constante crescimento e foram ultrapassados os seis milhões de pessoas em fuga de sua pátria nos últimos anos.
A diocese faz todo o possível. Mons. Hugo Alberto Torres Marín, bispo de Apartadó, está na linha de frente desta e de outras emergências humanitárias em sua diocese, uma das mais violentas da Colômbia, bem como naquelas fronteiriças, em direção ao Pacífico. Quando o entrevistamos, acaba de regressar de um domingo passado na praia, numa tentativa de criar comunidade e promover um acolhimento verdadeiramente digno, através de um “lanche solidário”, do qual também participou. “Mas a nossa capacidade humana vai além das necessidades de cada dia – confidencia o bispo ao SIR –. Não estamos diante de um simples fluxo, ainda que grande, mas em muitos casos um verdadeiro tráfico de pessoas. Nos últimos anos, haitianos, cubanos e até africanos passavam por aqui. Mas agora, com a chegada dos venezuelanos, o fenômeno atingiu proporções sem precedentes. Eles chegam em uma condição indescritível, mulheres, crianças, idosos. Não têm dinheiro, dormem na praia”.
De alguma forma, a maioria consegue guardar o necessário para a travessia por mar (a travessia em barcos regulares custa cerca de 35 euros), outros continuam por terra. Todos correm o risco de ficar à mercê de traficantes sem escrúpulos (pelo menos há três organizações ativas no tráfico ilícito de pessoas), "apesar do trabalho, tanto na zona costeira como perto da fronteira, das autoridades, da própria diocese, do ACNUR e algumas ONGs".
A diocese de Apartadó, continua Mons. Torres, atua de quatro maneiras: “Temos um centro de primeiro acolhimento e informação, tentamos dar o máximo de informação possível aos migrantes, tentamos fazê-los desistir do seu propósito; um projeto de acompanhamento psicossocial em colaboração com a agência do ACNUR, um centro de distribuição de refeições quentes, além de roupas e remédios, graças ao apoio de religiosos e leigos; um projeto específico dirigido aos menores. Mas seria necessária uma maior política social por parte do poder público”.
Entre as pessoas que atuam incansavelmente na praia de Necoclí está Irmã Myriam Lucy Murcia García, da congregação das Irmãs de São João Evangelista: “A praia é uma extensão de cobertores, constantemente. O aumento de migrantes coincidiu com a abertura da fronteira, que ocorreu em dezembro passado. A redução da pandemia fez com que os deslocamentos fossem retomados. É verdade que os venezuelanos são a nossa principal preocupação, eles precisam de tudo, principalmente alimentos e remédios. Tentamos trabalhar online, inclusive por meio de chats. E fazemos todo o possível para evitar que os migrantes acabem nas mãos de organizações criminosas e se tornem vítimas do tráfico”.
Infelizmente, porém, a floresta de Darién “agora já é um cemitério. Muitas pessoas não saem daquela floresta, tão perigosa, com todo tipo de risco”. Nos últimos meses, dezessete mortes confirmadas, pelo menos 79 pessoas desaparecidas. À crise humanitária soma-se o efeito colateral dos problemas socioambientais: “A passagem de migrantes também traz consigo um grande número de resíduos, de plásticos”. De qualquer forma, “ficar vivo é um milagre, mas os migrantes guardam como relíquias os curtos vídeos de conhecidos que, entre os poucos sortudos, enviam mensagens do Canadá ou do México”.
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Venezuelanos em fuga e a “tampa” do Panamá. “Chegam em condições indescritíveis, mulheres, crianças, idosos”, constata bispo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU