05 Abril 2021
Cento e setenta milhões de crianças são engrenagens obscuras daquilo que a crise de Suez nos ensinou a chamar de cadeia de abastecimento.
A reportagem é de Chiara Graziani, publicada por L'Osservatore Romano, 02-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O mundo assistiu ao pânico que se avolumava na frente do navio gigante encalhado no canal, um bocado na traqueia do mercado global lutando para recuperar o fôlego. Assim, descobrimos que a cadeia de suprimentos é a base de nossos estilos de vida: o que comemos, os móveis que montamos, os computadores para o smart working e ead, as embalagens que caem em nossas casas 12 horas após o pedido. O que não sabemos, ou o que não queremos saber, já que os dados estão aí, é que sem 170 milhões de crianças exploradas nas minas e campos, a cadeia de abastecimento não giraria.
Nosso estilo de vida depende das cadeias de suprimentos, pelo menos de sua estrutura atual. E o trabalho infantil é uma boa parte do trabalho negro e escravo que os alimenta, sugando todos os lucros para a parte final da cadeia. Entre os 170 milhões indicados pela Confederação Mundial dos sindicatos (Ituc) estão, por exemplo, os pequenos escravos do coltan que serve para produzir os nossos smartphones. 80% deste mineral vem da República do Congo. O coltan, que não requer túneis profundos, é extraído com as mãos por milhares de crianças, sequestradas para isso ou recrutados “voluntariamente”. A cadeia de abastecimento também começa aqui, ao preço de poucos centavos em troca de vidas humanas descartáveis. Às vezes, apenas às vezes, encalha, como no Canal de Suez.
E não existe apenas coltan: existem os campos, onde 70% dos pequenos escravos do planeta são empregados em uma indústria agroalimentar que sobrepõe os esquemas do lucro global às necessidades das comunidades locais.
As Nações Unidas, que fizeram de 2021 o ano da luta contra o trabalho infantil, sabem que este flagelo planetário é transversal a todos os 17 objetivos que se propôs para alcançar a meta do desenvolvimento sustentável. Deve, portanto, ser resolvido a partir da "cura" da cadeia produtiva, que não deve necessariamente se alimentar de trabalho de exploração e infantil para existir e crescer indefinidamente para o comércio de café, cacau, algodão.
Fazer justiça para as crianças do planeta é, portanto, necessário, racional. Poderia ser uma garantia de estabilidade e paz. Em vez disso, as crianças vagam sozinhas nas fronteiras que abrem suas porteiras para as mercadorias de que são servas. São separadas de seus pais, exploradas sexualmente, privadas de escola. Morrem nos botes no Mediterrâneo. Ficam a três anos abandonados entre os juncos do Rio Grande, no México. Morrem na marcha no Tapon del Darien, cem quilômetros de selva entre a Colômbia e o Panamá sem um caminho, mas de onde 6.240 pequenos migrantes emergiram vivos em quatro anos. 11 milhões de meninas foram expulsas da escola durante a pandemia e não vão voltar.
Mas os laboratórios do futuro existem. E as crianças são sua aposta. Em Nápoles, no bairro de Scampia - como nos conta Daniela De Crescenzo na nossa contracapa - uma realidade criativa das pessoas os apoia todos os dias, conseguindo também um sensacional florescimento da comunidade feita de teatro, fórum de cinema, agremiação, escola itinerante, laboratórios de mecânica, bibliotecas e artesanato. Retomando, fisicamente, os locais de tráfico de drogas da Camorra. Scampia, que concentra as pragas do mundo, é o mais extraordinário laboratório humano e canteiro de obras sociais em curso. Do mundo a Nápoles, um caminho possível.
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170 milhões de crianças escravas garantem o bem-estar das sociedades ricas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU