16 Junho 2023
O carro, outrora adornado com muitas virtudes, é hoje acusado de todos os males. Existem alternativas para renovar este meio de transporte, que continua a ser um elo essencial na nossa sociedade.
A reportagem é de Arnaud Aubry, publicada por La Vie, 13-06-2023. A tradução é do Cepat.
Quão distante parece estar a idade de ouro do automóvel! Durante muito tempo símbolo de sucesso e emancipação, o automóvel é hoje acusado de todos os males: barulhento, perigoso e poluente. Estes veículos são responsáveis por 15% das emissões de gases de efeito estufa, que contribuem para a crise climática, mas também pela descarga de partículas finas, responsáveis pela morte de várias centenas de milhares de pessoas todos os anos (238 mil mortes em 2020 na Europa, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS).
Em 27 de março de 2023, todos os países da União Europeia decidiram que não seria mais possível vender veículos a combustão (que rodam a gasolina ou diesel) a partir de 2035, com o objetivo de atingir a neutralidade de carbono no continente até 2050. Os enormes SUVs novinhos em folha, assim como os carros que soltam fumaça, não estão de vento em popa...
Será este o fim do carro? “O ideal seria uma sociedade sem carros. Isso parece óbvio quando comparamos com outros modais de transporte, que são mais virtuosos e menos poluentes”, começa Aurélien Bigo, pesquisador da transição energética dos transportes e autor de Voitures: Fake or Not (Tana Éditions). Só que, acrescenta, “desenvolvemos tanto o nosso território, e fizemos evoluir o nosso sistema econômico em torno do automóvel que dizer que o horizonte desejável é uma sociedade sem carros é ilusório”.
Casas longe do comércio ou mesmo das escolas, uma expansão urbana significativa, tudo isso reforça nossa dependência do automóvel. Portanto, é improvável que desapareça nos próximos anos. Dito isto, Aurélien Bigo evoca outra ambição: “Conseguir ao máximo sair desta dependência sempre que possível, e adotar usos mais virtuosos, mais partilhados, ter veículos menos poluentes, mais leves, mais sóbrios”. Programa sagrado, que passa primeiro pela eletrificação da frota, processo essencial de acordo com todos os cenários prospectivos que visam alcançar a neutralidade de carbono.
Se hoje, na França, os carros são principalmente veículos a combustão, estamos vendo uma evolução. E é bem visível. De acordo com um estudo publicado pela Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis, 1,1 milhão de carros elétricos foram vendidos no continente europeu em 2022, ou seja, 12,1% do mercado. Em 2019, os veículos elétricos representaram apenas 1,9% do setor! Na França, a participação dos veículos elétricos nas vendas de carros novos foi multiplicada por 13 em apenas quatro anos.
No entanto, a eletrificação é apenas parte da solução. A poluição gerada por um carro não pode ser calculada apenas com o nariz grudado no escapamento. A produção também gera muito dióxido de carbono (extração e transporte de matérias-primas, energia necessária para a construção do veículo): 6,7 toneladas de CO2 equivalente para um carro urbano a combustão, calcula a Carbone 4, uma consultoria independente especializada na estratégia de baixo carbono e adaptação às mudanças climáticas. A esta poluição junta-se aquela produzida pelo uso do automóvel: 26,5 toneladas de CO2 equivalente.
Assim, para reduzir a poluição, é preciso reduzir o número de carros. Por exemplo, desenvolvendo ainda mais o compartilhamento de viagens. E há margem de manobra para isso. Em relação aos deslocamentos entre casa e trabalho, as estatísticas mostram uma média de 1,1 pessoa por carro. Você só precisa andar pela cidade na hora do rush para ver isso.
Alguns atores apostam no compartilhamento, ou seja, no fato de um carro ser utilizado por várias pessoas. Afinal, ele passa 92% de sua vida parado, tanto quanto os outros o utilizam. “Um veículo de compartilhamento substitui oito carros particulares”, estima Federica Campina, gerente da subsidiária da Communauto Paris, uma empresa de longa data no setor desde que a empresa foi fundada em Quebec, em 1994.
“O veículo compartilhado reduz em 42% o número de quilômetros percorridos pelo carro, porque agiliza seu uso. Quando você tem um carro, você o usa, mesmo que a situação não necessariamente o favoreça, mas você pode usar o transporte público, a bicicleta ou inclusive ir a pé”, analisa Federica Campina. Ela observa entre seus clientes, principalmente entre os mais jovens, uma evolução na relação com o carro: “O mito está começando a cair. As novas gerações não estão mais centradas na posse, no carro bonito, mas no seu uso. Procuram encontrar o meio de transporte mais econômico, e também o mais ecológico”.
Além disso, o apego a um carro particular não é uniforme. Em média, em toda a França metropolitana, a taxa de motorização das famílias é de 84%, enquanto na região de Paris é de 67%. Especialmente porque muitos municípios implementaram estratégias que limitam o uso do carro: criação de faixas de ônibus ou a criação de faixas ribeirinhas para pedestres em Paris, limitação de vagas de estacionamento, em benefício, por exemplo, de espaços reservados para veículos elétricos ou estações de bicicletas self-service (Vélib' Métropole em Paris, DiviaVélodi em Dijon, Vélo'v em Lyon, etc.).
Estas escolhas fazem parte de uma estratégia mais global de reinvenção do lugar do automóvel nos modelos urbanos. Em primeiro lugar, as zonas de baixa emissão (ZFE), áreas urbanas onde o tráfego é reservado para veículos com pouca ou nenhuma poluição. Nascida na Suécia na década de 1990, essa ideia se espalhou nos últimos anos na França. As ZFEs excluem os veículos que emitem as partículas mais finas, muitas vezes os carros mais antigos. Se os atores da mudança na mobilidade aprovam o desenvolvimento destas zonas, geralmente insistem na necessidade de apoios (implementação de ajudas para a mudança de veículos, transformação do espaço público a favor da circulação a pé e de bicicleta, etc.), correndo o risco de criar injustiças sociais e de ser ecologicamente ineficiente: “Se nos contentarmos em apostar na renovação da frota, com veículos muitas vezes muito grandes, SUV, a combustão, e por isso pouco virtuosos, então esta medida será sobretudo benéfica para as finanças da indústria do automóvel”, aponta Aurélien Bigo.
Lyon encontrou uma maneira de reduzir a presença do carro em seu centro sem visar os veículos mais antigos (portanto, as pessoas mais modestas): o preço do estacionamento varia de simples a triplo, dependendo do peso do veículo e do motor. Um SUV a combustão terá uma tarifa três vezes maior do que um pequeno carro elétrico urbano.
Nas áreas rurais ou periurbanas, a dependência do carro continua forte. No entanto, ações podem ser tomadas. Em Dieulefit, um vilarejo de 3.000 habitantes situado a 30 km de Montélimar, no Drôme, 47 pessoas (incluindo 17 crianças) vivem na Ecoravie, um habitat compartilhado composto por três construções bioclimáticas que não precisam de aquecimento. Há anos, eles desejavam ir mais longe e compartilhar seus veículos. “O objetivo era encontrar modos de transporte que atendessem às necessidades dos moradores da Ecoravie”, explica Yoann Gruson-Daniel, engenheiro de transição de baixo carbono, especializado em mobilidade, e que mora na Ecoravie.
Eles compraram primeiro uma bicicleta de carga (cuja estrutura é projetada para transportar cargas volumosas ou pessoas), que foi eletrificada por Yoann Gruson-Daniel com baterias de longa duração. Ao mesmo tempo, compraram dois quadriciclos, ou seja, carros pequenos, com peso inferior a 500 kg, que podem transportar duas pessoas. Neste caso um Citroën Ami e um Renault Twizy, dois veículos elétricos, um limitado a 45 km/h, o outro a 80 km/h, e que têm cada um cerca de 75 a 80 km de autonomia. Por fim, recentemente, um Renault Zoe, um carro elétrico urbano, veio reforçar esta frota compartilhada.
Esta gama de meios de transporte dá uma resposta a um problema recorrente de que padece o automóvel: o seu superdimensionamento. “Temos necessidades de mobilidade muito variadas, dependendo do território, do tamanho do agregado familiar e das distâncias a percorrer. Mas as montadoras tendem a responder com um veículo muito padronizado: 5 lugares, 1,5 tonelada, velocidade máxima de 180 km/h, ou ainda mais, com um alcance de várias centenas de quilômetros.
Quando comparamos estas características com a realidade dos deslocamentos, temos o direito de dizer que talvez existam alternativas: 55% dos trajetos são inferiores a 5 km. É possível pensar em outros meios de transporte”, observa Aurélien Bigo. O futuro do carro, portanto, também depende da democratização desses veículos intermediários menores.
Para alimentar seus veículos elétricos, os habitantes da Ecoravie instalaram “painéis solares e estações de carregamento. O objetivo é ser menos dependente do petróleo e poder reabastecer com nossa própria eletricidade livre de carbono”, diz Yoann Gruson-Daniel. Até os vizinhos da Ecoravie, embora todos tenham veículos a combustão, se interessam por esse conceito de frota compartilhada. Este talvez seja o maior desafio para o futuro da mobilidade: além de transformar os territórios e os usos, mudar o imaginário.
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Um mundo sem carros está para ser inventado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU