CO2 pode passar de problema a solução só com estratégias já criadas. Conferência com Gianfranco Pacchioni

Em palestra promovida pelo IHU, professor destaca que o gás carbônio é fundamental para a vida no planeta e apenas aproveitando técnicas e experimentos existentes podemos aproveitar o que este gás oferece de bom

Foto: Marcus Millo | Canva Pro

Por: Tradução Patrizia Cavallo | Edição: João Vitor Santos | 14 Junho 2023

Assistindo a conferência do italiano Gianfranco Pacchioni, é possível perceber aquela máxima que diz que a ciência vem para nos esclarecer, quebrar mitos e nos desacomodar. Isto porque Pacchioni é um defensor do CO2. Sim, gás carbônico. “Sem ser o CO2 não poderíamos viver. Dependemos para a nossa existência”, dispara o professor, ainda nos minutos iniciais da conferência proferida por ele dentro da programação do Ciclo de Estudos Transição Energética e o Colapso Global: limites e possibilidades, realizado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Acabamos acostumados a ouvir que a emissão de CO2 é a principal causa do aquecimento global e, por consequência, do desequilíbrio climático. Pacchioni não contesta isso. Pelo contrário, ele explica que o CO2 esteve presente desde a origem da vida na Terra, sendo fundamental para o desenvolvimento de todas as formas de vida. Não levar isto em conta, segundo o professor, é ver o gás carbônico como vilão, como único causador do problema. “O CO2 não é tóxico. Se fosse tóxico não ficaríamos bebendo espumante ou cerveja ou até mesmo água com gás, pois estão cheias de CO2. É claro que se tiver muitos CO2 num ambiente, poderemos ter problemas respiratórios, mas não devido à presença de CO2 e sim porque há pouco oxigênio proporcionalmente. Isso sim pode ser letal”, esclarece.

É importante, portanto, compreender que o problema não é o CO2 em si, mas as nossas atividades humanas que estão sobrecarregando a atmosfera de gás carbônico. Como consequência, diminui os níveis de oxigênio e aí, sim, há o problema do aquecimento global. “A primeira mensagem é que não podemos dizer ‘abaixo o CO2’. O CO2 é um produto natural e precisamos dele, é fundamental para nós. O que fizemos foi alterar um ciclo natural, produzindo demais CO2. Precisamos agora intervir e não temos tempo”, conclui.

Na conferência, cujos trechos reproduzimos abaixo, Pacchioni esclarece o papel das energias renováveis nesta ‘limpeza do ar’. Para ele, não só o uso de energias renováveis, mas também a captura de CO2 e a limpeza destas moléculas podem ser uma saída possível. E mais: ele prova que isso é viável com ciência e tecnologias já disponíveis. “Parece que as soluções para o futuro ainda precisam ser inventadas, mas não, não é assim”, enfatiza. E exemplifica: “não são novidades. Graças ao hidrogênio, podemos fazer muitas coisas. Teoricamente poderíamos fazer funcionar os carros, os trens, os navios, os aviões”.

No entanto, de nada adianta aceitar essas perspectivas e sugestões que o professor traz se não tivermos consciência de algo que parece muito mais simples: “teremos, também, que mudar nossos estilos de vida para gastar menos, para termos mais cuidado, porque o planeta não pode aguentar ainda muito tempo os nossos ataques e os nossos comportamentos atuais. Precisamos ter muito cuidado com isso e respeitarmos mais o ambiente que vivemos”.

Gianfranco Pacchioni (Foto: Interacademics)

Gianfranco Pacchioni é professor titular de química do estado sólido na Universidade de Milano Bicocca, Itália. É licenciado em Química pela Universidade de Milão e doutor em Físico-Química pela Universidade Livre de Berlim. Trabalhou no IBM Almaden Research Center, na Califórnia, e na Universidade Técnica de Munique. Entre seus últimos livros, destacamos: L'ultimo Sapiens: viaggio al termine della nostra specie (Il Mulino, 2019), W la CO2: possiamo trasformare il piombo in oro? (Il Mulino, 2021) e Nanomondo: dai virus ai transistor (Dedalo, 2021).

Confira alguns trechos da conferência.

Este na imagem é um livro em que tratei dessa temática. Por que escrevi este livro?

As imagens são reproduções da apresentação do conferencista.

Essa é a primeira coisa que gostaria de dizer: escrevi este livro como reação a algo que me incomodou um pouco. Uma noite, estava assistindo TV quando aparece um comercial, que vocês podem ver [imagem abaixo], de uma água mineral italiana, uma água bem famosa e que é muito vendida na Itália.

 

Esse comercial faz a propaganda de algo sustentável, mas, afinal de contas, a água é vendida em garrafas de plástico que não é tão sustentável. Mas o que realmente achei esquisito, curioso, e até mesmo inaceitável, é o lema final que estou destacando na imagem. Ele diz: “viva a natureza, abaixo o CO2”. É como se o CO2 fosse um inimigo, como se fosse um veneno. Então, resolvi dar uma contribuição para esclarecer essa temática e escrevi o livro.

Por que digo que o CO2 não é um veneno? Vou começar com uma série de três perguntas bem simples.

Claro, todo mundo diria que não, não podemos viver sem água.

Se o sol se apagasse, a vida na Terra continuaria? Não, todos diriam que não. Todos sabemos que se o sol parasse de brilhar, a vida na Terra também acabaria.

A resposta é não. Claro que não. Sem CO2 não poderíamos viver. Dependemos para a nossa existência, incluindo os mundos animal e vegetal, da água, da luz e do dióxido de carbono. Então, vamos tentar não falar coisas falsas como "abaixo o CO2". Seria como dizer: “abaixo a água” ou “abaixo a luz”.

 

Como vocês sabem, os italianos gostam muito de comer espaguete. Por que comemos a massa? Claro, porque é boa, gostamos, mas pela simples razão de que a massa contém carboidratos, que são moléculas como aquela que estão enxergando [na imagem acima], que é a molécula do açúcar. Os carboidratos que comemos com a massa ou pão, com pizza e outros alimentos, são transformados pelo nosso organismo em dióxido de carbono, água e energia. Aqui não estamos interessados no dióxido de carbono e na água que são produzidos, mas nos interessa a energia que é produzida. Comemos carboidratos porque os carboidratos são a nossa gasolina. Assim como um carro funciona com gasolina ou a diesel, nós funcionamos com carboidratos.

Para produzir a energia de que precisamos, geramos dióxido de carbono. E este, então, é emitido no ambiente. E não é pouco: cada dia, com a nossa respiração, emitimos cerca de 1 kg de CO2. É algo bem natural, respirando emitimos o CO2, como os animais também fazem.

 

Este CO2 circula e é capturado pelas plantas que os incorpora e, depois, transforma em CO2 de novo no ambiente. Trata-se de um processo lento. É o ciclo do carbono de que nós fazemos parte e dependemos completamente. Não há nada mais natural do que o CO2.

CO2 até na Bíblia

 

Outro aspecto que muitas vezes esquecemos é o que lemos na Bíblia: "lembra-te que és pó e ao pó voltarás". Essa é uma citação bíblica muito famosa, mas na verdade se nós calculamos com base em uma pessoa de 70 kg, o que fica realmente pó de nós é dois ou três quilos. A maioria do nosso corpo é feito de água e carbono. E o carbono de que somos feito está destinado a se transformar, depois, em dióxido de carbono. Então, novamente, somos originados do dióxido de carbono e vamos nos transformar também em CO2. Fazemos parte desse ciclo.

Origem da vida

 

Este dióxido de carbono, o carbono que é fundamental para nós, não existiu sempre no Planeta. A Terra se formou, aproximadamente, há 4,5 milhões de anos, e na primeira atmosfera havia outros gases. Não havia carbono. Por um bilhão de anos, a Terra foi literalmente bombardeada por meteoros, cometas, asteroides, corpos celestes, objetos que trouxeram para a superfície terrestre grandes quantidades de carbono e, também, grandes quantidades de água.

Os oceanos se formaram por meio da água transportada pelo gelo que vinha desses meteoros e corpos celestes. Foi assim que aconteceu algo importante: a Terra sofreu este bombardeio de corpos, a lua se formou em uma dessas ocasiões, em uma dessas colisões, de repente, depois de um bilhão de anos, aconteceu algo de que sabemos muito pouco. Não sabemos se aconteceu em algumas áreas específicas do planeta, nas profundezas marinhas ou se aconteceu fora da Terra e depois trazidos para a Terra.

 

O que aconteceu? Moléculas orgânicas até poderiam ter se formado aqui, partindo do dióxido de carbono, combinado com outras substâncias que estavam já no planeta. Assim, moléculas mais complexas começaram a se formar e se organizaram em estruturas a partir das quais nasceram as primeiras células, os primeiros organismos que nós definimos hoje como vida.

Há cerca de um bilhão de anos, de uma forma que ainda não conhecemos, nasceu a vida no planeta Terra. Todos nós sabemos bem o que acontece a partir daí. Temos traços fósseis bem exatos que demonstram isso.

 

Os primeiros microrganismos, as cianobactérias, coisas invisíveis a olho nu, começam a desenvolver uma função, um papel muito importante. Eles aprendem a utilizar o que tinha na abundância na Terra naquele momento, muito dióxido de carbono que veio de outros planetas ou corpos celestes externos, muita água e, claro, a energia do sol. As bactérias começaram a juntar esses três ingredientes produzindo moléculas ricas de energia, que são os carboidratos e os açúcares. Essa operação é muito importante, é a fotossíntese. Nasce a fotossíntese e por um bilhão de anos essas bactérias consomem CO2, consomem água e, também, utilizam a energia solar. Mas, cuidado, pois nessa simples reação química a partir da combinação de dióxido de carbono, água e energia não temos apenas carboidratos, mas também oxigênio.

E isso é importante, porque a atmosfera na qual vivemos hoje, que possui 20 ou 21% de oxigênio, não existia inicialmente. Toda ou quase toda atmosfera estava constituída por dióxido de carbono. Então, se formou o oxigênio, e o CO2 se consumiu até se tornar uma pequena porcentagem. Hoje, em termos percentuais, na atmosfera temos pouquíssimos CO2. Claro, em termos percentuais, porque se consideramos a dimensão da atmosfera em termos absolutos, há muito CO2. Na imagem abaixo, é possível ver a composição da atmosfera atualmente no planeta vênus, marte e no meio está a Terra.

 

Percebemos que os dois planetas que estão mais perto de nós têm uma atmosfera de 95%, no caso de mate, composta por dióxido de carbono. Na Terra, temos pouquíssimo dióxido de carbono, porque foi consumido pelas cianobactérias ao longo dos anos. Para medir sua presença e sua concentração, falamos de uma unidade chamada partes por milhão. Uma parte por milhão seria uma quantidade muito pequena, uma grama em uma tonelada. Seria um habitante em cada milhão, um em um milhão. Então, atualmente na atmosfera há algumas centenas de partes por milhão. Tornou-se, assim, realmente muito escasso. Mesmo assim, é fundamental.

História

 

E falando da história, como tudo isso veio a se criar e como isso funciona? No livro, eu menciono várias anedotas. Mas, aqui, quero mencionar essa história, que começa no século XVII, em que precisamos de centenas de anos para entender realmente o que aconteceu. E chegamos até a década 1940, quase 80 anos atrás, para finalmente entender o mecanismo através do qual a fotossíntese se desenvolve, da qual dependemos de forma fundamental. Falo disso porque é fundamental para também falar de soluções. Precisamos, primeiramente, entender o que a natureza faz para, depois, introduzir sistemas ou correções aos problemas ambientais.

Fotossíntese

Não vou detalhar a fotossíntese, mas vou mencionar alguns elementos fundamentais.

 

Temos alguns sistemas específicos, por exemplo, nas folhas que conseguem capturar a luz solar. Temos fótons, digamos, pacotes de energia que a luz traz consigo. Essa luz cria uma excitação nos elétrons. É como se baldes de água fossem levados para cima e esses elétrons, ricos de energia, são utilizados em uma série de processos para produzir moléculas ricas de energia que estão dentro dos organismos vivos. Repito: temos uma série de processos por meio dos quais a energia solar é capturada e os elétrons são levados de um estado mais inferior a um mais alto, então, enriquecidos de energia.

As moléculas criadas, talvez alguém ouviu falar de ATP ou NAADPH, são moléculas graças às quais nós também funcionamos. É como se fosse a gasolina rica de energia. Essa é a primeira fase da fotossíntese.

Não se fala de CO2 aqui, porque a única substância em jogo é a famosa água. Como falei no início, a água para nós é fundamental. E isso é assim porque a natureza resolve utilizar a água, que é abundante. E é quebrando a molécula da água em seus componentes, que são hidrogênio e oxigênio, que criamos o primeiro estágio da fotossíntese. Isso é aquilo que queremos fazer hoje também, de forma artificial, recriar esse processo.

 

Essas moléculas são as que permitem uma segunda fase, que às vezes chamamos de fase escura. Elas têm uma reação muito complicada em que no fim seis moléculas de dióxido de carbono, cada uma com o seu átomo, são encadeadas na forma de um anel. Esse anel seria o anel da glicose, dos açúcares ou carboidratos.

Trago isso porque se alguém ouvir falar de fotossíntese natural, se dará conta de que é algo muito complicado. Hoje temos certeza disso: nenhum sistema de inteligência artificial seria capaz de imaginar um processo tão complicado. Por que é tão complicado? Porque é fruto de milhões, bilhões de anos de evolução. A natureza criou um processo, afinal de contas, eficaz, que funciona bem. Mas fez isso corrigindo, ajustando, alterando até chegar a algo que realmente funcione.

 

Esse processo de capturar da luz solar e transformá-la em energia disponível, que é aquela dos carboidratos, não é um processo eficiente. A energia química transformada, digamos, em gasolina, é menos de 1% a partir da energia do sol, que é transformada. 99% é desperdiçada em outros processos. Mas o que o planeta fez? Conseguiu suprir esse funcionamento se cobrindo de vegetação e de biomassa. Não somente vegetação, mas também microrganismos que não enxergamos, na maioria das vezes, mas que desenvolvem esse papel importante.

Fundamental, mas problemática

 

Essa molécula tem um papel fundamental na nossa existência, mas também tem um problema. Não podemos enxergá-la, não tem cor, não tem cheiro, não tem sabor, é imperceptível. E o fato de ser assim, invisível, faz parecer que essa molécula não tenha um papel, como se não estivesse presente. E algo que preciso dizer logo aqui: o CO2 não é tóxico. Se fosse tóxico não ficaríamos bebendo espumante ou cerveja ou até mesmo água com gás, pois estão cheias de CO2. É claro que, se tiver muitos CO2 num ambiente, poderemos ter problemas respiratórios, mas não devido à presença de CO2, e sim porque há pouco oxigênio proporcionalmente. Isso sim pode ser letal.

 

Foi o que aconteceu em alguns casos. Em 1986, teve uma enorme explosão na África, quase duas mil pessoas morreram no Lago News. Teve uma bolha de dióxido de carbono que explodiu e ela caiu neste território. Sua concentração aumentou, e assim levou à asfixia e à morte das pessoas. Outra história interessante foi quando, na época do lançamento da Apolo 13, teve uma explosão na nave espacial e os astronautas tiveram que se transferir para uma pequena nave que podia conter apenas duas pessoas, mas eles eram três. Ficaram por lá por uma semana e o CO2 emitido pela respiração deles estava quase envenenando a todos. São casos específicos. Como eu disse, o CO2 não é tóxico.

Os problemas do CO2 hoje

Então, qual é o problema que discutimos hoje?

 

Com a Revolução Industrial no início do século XIX, houve a descoberta de que há substâncias, primeiramente o carvão, que são produzidas de forma natural a partir de fósseis e contêm muita energia. Com a queima deles, temos a liberação de calor e energia. Começa assim a Revolução Industrial que mudou completamente o cenário dos últimos dois séculos. Teve alguém nessa época que começou a pensar que, queimando combustíveis fósseis, seria possível ocorrer um aumento da temperatura da Terra. O primeiro que teve essa intuição não foi um químico, um engenheiro, foi um matemático.

Joseph Fourier fez cálculos matemáticos e concluiu que a atmosfera terrestre tem a função de reter o calor. Então função protetora é o que chamamos de efeito estufa.

Alguns anos depois, na metade do século XIX, John Tyndall, em Londres, descobriu as moléculas presentes na atmosfera que criam o  efeito estufa. Essas moléculas são o metano, muito importante, o dióxido de carbono e a água. Os três estão presentes na atmosfera e contribuem para o efeito estufa.

 

Existe também outra história, que foi descoberta há apenas dez anos atrás, uma pesquisadora americana, Eunice Foote, alguns anos antes de Tyndall fez alguns experimentos e chegou à conclusão de que o CO2 tinha esse papel de manter quente o planeta. Só que, sendo uma mulher, na época os resultados não eram divulgados em congressos e publicados com o seu nome, sua contribuição foi perdida e redescoberta apenas recentemente.

Ainda seguindo com a História, é interessante saber aqui no início, então do século XX, um químico bem renomado, Svante Arrhenius [primeira referência na imagem abaixo], criou os primeiros modelos matemáticos. Modelos que são uma série de equações graças às quais é possível prever o andamento de alguma coisa. E ele usou esses modelos para prever o que aconteceria se o CO2, o dióxido de carbono no ar, aumentasse ou diminuísse. E depois de muitos cálculos, chegou a dizer que se a quantidade duplicasse, a temperatura do planeta aumentaria cerca de 5°. Ou vice-versa, se diminuísse a temperatura diminuiria 5°.

Mas, atenção: Svante Arrhenius não estava interessado num problema climático. Ninguém ainda estava falando sob esta perspectiva do clima, pois esses estudos eram realizados para entender se as variações de temperatura no passado eram devido à oscilação da quantidade de CO2 na atmosfera. Também houve outros estudos, mas o fato de que estivéssemos acumulando CO2 na atmosfera não era ainda considerado um problema climático.

 

Nos anos 40 do século XX, esse pesquisador americano Stewart Callendar [última referência na imagem acima], pela primeira vez, fez um experimento em que analisou as temperaturas médias da Terra nos últimos 100 anos e se deu conta de que os valores pareciam aumentar. Assim, ele observou que isso coincidia com o aumento do CO2 no ar. Ele publicou seu trabalho numa revista científica, mas isso foi completamente ignorado por uma série de razões. Foi preciso esperar que esse fenômeno realmente começasse a ser percebido e entendido no fim dos anos de 1950.

Medições de dióxido de carbono

 

Em 1958, esse pesquisador americano [na imagem acima], Charles Keeling, começou a medir a quantidade de dióxido de carbono no ar. Ele obteve alguns financiamentos, foi ao topo do vulcão no Havaí, porque o ar é mais limpo em uma altitude maior, e começou a medir o dióxido de carbono. Fez isso por três anos consecutivos.

A primeira coisa que observou é que, no primeiro ano, a quantidade de CO2 não foi constante. Por exemplo, eu estou aqui na Itália, na primavera, vocês estão no outono no Brasil, mas há alguns momentos em que o planeta produz mais dióxido de carbono e outros momentos em que absorve mais. Assim, há um contínuo aumento e diminuição. São pequenas oscilações, mas constantes. E, naquele momento, em 1958, Keeling mediu a concentração de dióxido de carbono no ar e descobriu que esta concentração era de 315 partes por milhão. Após três anos, já tinha subido 5 ou 6 partes por milhão. O que é pouco, mas subiu. Até hoje, essas medidas continuam aumentando e a curva é ascendente até chegar à nossa época com 420 partes por milhão. Observe que quando essas medições começaram eram 315. Então, os cientistas começaram a se preocupar.

Primeiros relatórios e primeiros negacionistas

 

Os primeiros modelos matemáticos e simulações foram feitos na Universidade de Princeton, em 1969. Relatórios oficiais do governo dos Estados Unidos foram publicados. Com base em tudo isso, foi anunciado que se continuarmos a emitindo CO2, teremos um aumento de temperatura de cerca de 3°C. Isso constava já no relatório. Quando esses primeiros alertas foram lançados, começaram também a existir as primeiras ações de desinformação ou de contrainformação.

Por exemplo, esse é um conselheiro da Casa Branca, George Keiworth [quadro mais à direita na imagem acima], que dizia que “não é verdade. Essas conclusões não foram demonstradas. Não é bem assim”. Porém, a ONU se deu conta dessas mudanças.

Reações globais

 

Em 1988, nasce o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC. É formado por pesquisadores, livres de condicionamentos e vínculos, que a cada dois ou três anos emitem um relatório técnico sobre o estado de saúde do planeta. Naqueles mesmos anos, nascem também algumas organizações, muitas vezes financiadas pelas indústrias minerais, petrolíferas, com o objetivo de contrastar essas informações.

Por exemplo, a Global Climate Coalition, a Western Fuels Association. Aliás, busquem na internet mais informações sobre as ações destas organizações. No fim, muitos que pensavam que o CO2 fosse um problema para o clima mudaram e acharam que não era um grande problema.

Avanços nas medições

No entanto, a verdadeira virada acontece no fim do século. Estamos falando do fim da década de 1990. Clair Patterson e outros pesquisadores tiveram uma ideia muito simples. A neve, quando cai, sobretudo nos polos, prende dentro de si microbolhas de ar. A neve, então cai, se deposita, mas um pouco de ar fica preso. Daí, mais neve cai e se criam camadas de gelo cada vez mais espessas. Se escavarmos aquele gelo no fundo e for analisá-lo, poderemos observar e ter informações importantes do ar que foi que ficou preso centenas ou milhares de anos nele. E isso foi feito e se descobriu que não é possível apenas medir o CO2, que havia há 100, 200 anos atrás, mas também qual era a temperatura do planeta naquela época.

 

E, então, houve duas pesquisas, uma em 1998 e outra em 2004. Os resultados coincidiam, foram duas pesquisas independentes em dois pontos diferentes, mas os resultados foram análogos. O que podem ver em vermelho no primeiro gráfico [imagem acima] é o andamento do CO2 do momento atual até 800.000 anos atrás. Como podem ver, estas oscilações estão sempre compreendidas entre 180 e 300 partes por milhão, ou seja, em 800.000 anos o CO2 nunca passou de 300 parte por milhão e hoje chegamos a 420.

A curva azul mostra o andamento da temperatura no planeta, assim como foi medida anteriormente, seguindo de forma fiel aquele andamento do dióxido de carbono do gráfico de cima. E essas medições provocam a reação daqueles que se dão conta de que 800.000 anos é um tempo muito longo, o homo sapiens apareceu há 200.000 anos. Em 200.000 anos não aconteceu nada, mas nos últimos 100 ou 200 aconteceu muito e isso, é claro, preocupa.

 

A causa de tudo isso: conhecemos o carvão que foi queimado, o petróleo, estamos então produzindo cada vez mais dióxido de carbono. Quais os efeitos no clima? O que vemos neste gráfico [imagem acima] são curvas, projeções relativas ao futuro. Temos quatro cenários. No primeiro, se hoje nós, nesse momento, parássemos de produzir CO2, não queimasse mais combustíveis fósseis, a temperatura aumentaria 1°C até 2050. Se implementássemos reações fortes de que estão falando, mas ainda pouco implementadas, poderíamos conter o aumento em até 2°C. Se não fizéssemos nada, a temperatura aumentaria de 4°C. E 4°, como aumento médio, é algo enorme, com consequências muito pesadas.

Assustados avanços das emissões

 

Somente para mostrar alguns dados para vocês, da quantidade de complexiva de CO2 emitida a partir de processos industriais, veículos, etc., desde a Revolução Industria até hoje [imagem acima]. No início da Revolução Industrial até 1990, foi emitida cerca da metade de CO2. Estamos falando de quase a metade emitida em dois séculos. Nos últimos 30 anos, emitimos a outra metade. Estamos emitindo CO2 numa quantidade e velocidade muito superior em relação ao passado.

Desigualdade nas emissões e nas consequências

 

Outra coisa importante saber é que nem todos os países emitiram esse dióxido de carbono. Hoje, temos essas informações: energia é igual a bem-estar. Estamos produzindo energia a partir de combustíveis fósseis. Os lugares que mais contribuíam para a geração de CO2 foram os Estados Unidos e a Europa, os responsáveis pela metade dessas emissões.

Outros países, como a Índia, que tem um bilhão e meio de habitantes, só produziu 3% de todo o CO2. É evidente que, quando falamos na COP27 e nos órgãos internacionais de como reduzir as emissões, temos problemas geopolíticos envolvidos. Os países em via de desenvolvimento não querem pagar o preço de uma poluição que foi causada por países como os Estados Unidos e outros da Europa.

O problema

Temos um problema. Se pudéssemos substituir as fontes energéticas por outras sustentáveis que não produzem CO2, nós, de qualquer forma, continuaríamos emitindo, produzindo CO2 devido às nossas indústrias, porque tem toda a parte química, medicamentos, tecidos, matérias plásticas, etc., que utilizam processos que produzem CO2.

Para usar cimento, por exemplo, produzimos CO2, a construção, as casas, as pontes, tudo isso produz grandes quantidades de dióxido de carbono. O mesmo vale para o aço. O crescimento das cidades, o desmatamento, o consumo de solo correspondem ao aumento de emissões de CO2. E CO2 também é uma molécula estável, então, um terço do que produzimos hoje estará ainda na atmosfera daqui a 100 anos, até mesmo daqui a 10 mil anos.

 

E as soluções

Aqui chega a primeira mensagem fundamental: não é suficiente reduzir as emissões, precisamos aprender a capturar e eliminar o CO2, limpar o ar. Não é fácil, mas precisaríamos fazê-lo.

Quais são as soluções?

 

Esse senhor que vemos [na imagem acima] é um químico italiano de Bolonha, Giacomo Ciamician. Ele, no início do século XX, trabalhava a partir da ideia de que a luz do sol podia fazer coisas maravilhosas. Ele estudava as moléculas das substâncias orgânicas e a sua transformação por meio da luz solar.

Nesta mesma imagem, vemos ele na sacada do seu instituto com frascos de vidro que usamos nos laboratórios com substâncias orgânicas e químicas que, após uma semana ou um mês, se transformavam. E ele estudava esses fenômenos. Num artigo específico, que publicou em 1912, trouxe algo muito importante.

 

Ele escreve [quadro da esquerda, imagem acima] que por meio de catalisadores oportunos deveria ser possível transformar a água e dióxido de carbono em oxigênio e metano – metano é um combustível, todos sabemos. Ou realizar processos análogos. As regiões desérticas permitiriam a exploração da energia solar que recebem o ano todo de uma forma tão ampla que corresponderia a bilhões de toneladas de carvão.

Ciamician é o fundador da fotossíntese artificial. Em 1912m ele falou que precisávamos aprender a fazer o que a natureza faz. O que ela faz? Pega água, CO2, energia solar e as combina. Assim, as utiliza para produzir substâncias ricas de energia.

Nesse outro trabalho de 1972 [quadro à direita na imagem acima], 60 anos passam e dois pesquisadores japoneses, pela primeira vez em um experimento, usam a luz solar para separar a água em seus componentes, hidrogênio e oxigênio. Pela primeira vez, estamos ouvindo falar de hidrogênio, o hidrogênio molecular, que hoje é muito comentado. Se produzíssemos hidrogênio por meio desse mecanismo, ele seria limpo. Ou seja, não tem nenhuma emissão de CO2. Veja: estamos em 1972.

 

Outras melhorias foram feitas nesses processos. Graças a esses catalisadores [imagem acima], a água se quebra, a molécula da água se quebra em hidrogênio e oxigênio. Produzimos, por meio da ação solar, uma molécula importante que é o hidrogênio.

Então, por que estamos ainda debatendo esse processo? Por que ainda não é aplicado? É que a eficiência desse processo é muito baixa. O que isso quer dizer? 1%, que é a mesma eficiência da fotossíntese natural, mas nós não podemos cobrir o planeta de células desse tipo, precisamos de eficiências bem mais elevadas e é claro que elas ainda não foram encontradas.

O que queremos dizer? Que não temos soluções?

Outros caminhos

 

Temos outros caminhos. Na imagem vemos esse caminho, esse processo conceitual de como podemos fazer. Em primeiro lugar, precisamos de grandes quantidades de energias renováveis. Não fala nada de novo. A energia solar, eólica, fotovoltaica, geotérmica, etc. Graças a essa energia renovável deveríamos produzir hidrogênio.

Esse hidrogênio, que nós produziríamos a partir da água, seria a primeira fase da fotossíntese natural. Na primeira fase da fotossíntese, como falei no início, temos a cisão da água, a quebra da molécula. Seria o mesmo processo. Assim, capturando o CO2 e reaproveitando, poderíamos recriar o ciclo completo que atualmente apenas a natureza pode fazer.

 

No gráfico [acima] é possível ver o aumento do consumo energético. A parte das energias renováveis é a parte menor, mas está em aumento. Precisamos ter a convicção de que é necessário investir nisso, produzir energia desse tipo.

A pilha, a água e o hidrogênio

O que vemos na parte de cima da imagem [abaixo] é Alessandro Volta, químico italiano do século XIX que inventou a pilha, que é o primeiro dispositivo que produz energia elétrica. Alguns meses depois, veio uma notícia vinda de Londres a respeito da descoberta, graças Nicholson é Carlisle, de que, se pegássemos os dois fios que vêm da pilha e colocássemos na água, teríamos bolhas. E essas bolhas são o hidrogênio.

É que a partir da água e da energia elétrica teríamos o hidrogênio, então a quebra da molécula da água, a mesma coisa que a fotossíntese faz. Mas aqui como efeito da energia solar e por meio da energia elétrica produzida, por sua vez, a partir da energia solar.

 

Isso é chamado de hidrogênio verde, que é o único hidrogênio sustentável que deveríamos utilizar no futuro. O hidrogênio pode ser reproduzido normalmente. O hidrogênio é uma molécula muito importante. Ela serve para criar, para produzir os fertilizantes e sem os fertilizantes não poderemos alimentar uma população de 8 bilhões de pessoas.

 

O hidrogênio é produzido em milhões de toneladas por ano. Mas como isso é feito? Partimos do metano ou do petróleo. Então, partimos de combustíveis fósseis, produzimos hidrogênio, mas também produzimos dióxido de carbono. Todo o hidrogênio, digamos, 95% do hidrogênio produzido hoje, se chama hidrogênio cinza, sujo, porque produz também CO2.

Algumas pessoas propõem colocar abaixo do solo, armazenar CO2, mas não é fácil. Nesse caso, falamos de hidrogênio azul. Mas, como podemos imaginar, estaremos sempre utilizando combustíveis fósseis. Porém, no hidrogênio verde se utilizariam eletrolisadores, algo que já existe e que poderíamos colocar em funcionamento.

Soluções para o futuro já inventadas

 

Parece que as soluções para o futuro ainda precisam ser inventadas, mas não é assim. Esse senhor da imagem de acima é um químico italiano, empreendedor que, em 1921, começou a produzir fertilizantes, na época amônia. Utilizando hidrogênio verde em 1921, ele fazia exatamente o que eu estava falando antes.

Esse senhor não utilizava energia solar ou geotérmica, ou energia eólica. Ele utilizava a energia hidrelétrica. Temos lagoas e outros recursos para fazer isso. Ele tinha uma estrutura para fazer isso na Itália e uma na Espanha, mas depois teve que fechar essas plantas porque começaram a produzir hidrogênio do metano que custava menos. Quando dizemos que custa menos, nunca é calculado o custo ambiental. Custa menos o processo, porque comprando o metano se transforma, mas o custo ambiental não é calculado. E se alguém calcular esse recurso, não chega a um número correto.

Essas não são novidades. Graças ao hidrogênio, podemos fazer muitas coisas. Teoricamente poderíamos fazer funcionar os carros, os trens, os navios, os aviões. Essas [esquerda na imagem abaixo] se chamam células a combustível e são processos por meio dos quais o hidrogênio queimado cria energia. Mas o que se produz é água limpa.

 

Aproveitando CO2

 

A imagem acima traz uma reação química, onde CO2, quando combinado com hidrogênio, cria uma nova molécula, o metanol. E estamos mais familiarizados com etanol, pois encontramos no vinho, na cerveja, é muito mais comum.

O metanol é uma molécula que pode ser utilizada nos motores. É um combustível, uma molécula rica de energia. Aqui também não falamos de ficção científica. Temos plantas industriais, por exemplo, na Islândia, onde o CO2 é capturado, o hidrogênio verde é produzido e o metanol é o resultado. Outras usinas parecidas estão sendo construídas na Alemanha China.

 

Temos outras reações com a mesma lógica. O hidrogênio e o dióxido de carbono podem ser transformados em hidrocarbonetos. Não tem nada novo. Os alemães da II Guerra Mundial faziam isso. Não tendo petróleo, eles tinham aperfeiçoado um processo que partia do carvão. Havia nove plantas na Alemanha para produzir gasolina, partindo de CO2.

Como podemos ver [na imagem acima], eles também utilizavam aquele hidrogênio cinza, não o limpo. Se fizéssemos isso com hidrogênio verde, seria um processo sustentável. Sim, produzindo carbonetos, mas esse CO2 será reaproveitado. Então, é um ciclo fechado. É o que chamamos de economia circular.

O problema da captura

 

Qual é o problema aqui? O problema mais importante nesse esquema é a captura do CO2. Se tivéssemos uma planta industrial onde é produzido muito CO2, capturá-lo naquele caso seria possível. Já sabemos como fazer, mas pegar CO2 do ar onde ele é diluído é muito complicado. Da mesma forma, podemos dizer que tem muito ouro na água dos oceanos, mas tentar extrair aquele ouro é caro porque o ouro é muito diluído.

O verdadeiro desafio é encontrar processos para capturar de forma eficaz o CO2 que criamos de forma excedente na atmosfera.

Pontos de chegada

Qual é a minha mensagem hoje?

 

A primeira mensagem é que não podemos dizer "abaixo o CO2". O CO2 é um produto natural e precisamos dele, é fundamental para nós. O que fizemos foi alterar um ciclo natural, produzindo demais CO2. Precisamos agora intervir e não temos tempo. A captura do CO2, a sua transformação em substâncias ricas de energia e a sua utilização para o transporte faz o CO2 voltar para a atmosfera. Mas, se for capturada novamente, estaríamos dentro de um círculo, de um processo fechado.

Assim, poderíamos de alguma forma continuar utilizando algumas dessas substâncias e produzir CO2 quando for preciso, mas sem aumentar sua concentração.

A última mensagem é mais importante: com certeza podemos e devemos desenvolver tecnologias para fazer isso. Teremos, também, que mudar nossos estilos de vida para gastar menos, para termos mais cuidado, porque o planeta pode não aguentar muito tempo os nossos ataques e os nossos comportamentos atuais. Precisamos ter cuidado e respeitar mais o ambiente em que vivemos.

Assista à íntegra da conferência:

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