Revolução hidrogênio

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05 Janeiro 2023

Em seu livro Rivoluzione idrogeno, lançado em 2020, Marco Alverà se propõe a “contribuir ao debate sobre a luta contra as alterações climáticas com uma perspectiva construtiva e otimista, destacando o papel do hidrogênio para o futuro do planeta”.

O comentário é do físico italiano Luigi Togliani, em artigo publicado por Settimana News, 04-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O autor é um administrador que trabalhou por mais de vinte anos nas mais importantes empresas de energia italianas: Enel, Eni, Snam; é administrador não executivo da S&P Global, membro da Clean Hydrogen Alliance da Comissão Europeia, membro dos conselhos geral e executivo da Fundação Cini de Veneza, presidente da Gas Naturally (gás renovável na Europa), visiting fellow da Oxford University, vice-presidente da Fundação Snam, cofundador da Fundação Kenta Alverà. Em junho de 2022, sempre como administrador delegado, mudou da Snam para a Tree Energy Solutions, empresa alemã especializada nas tecnologias para o hidrogênio.

Rivoluzione idrogeno. La piccola molecola che può salvare il mondo

Alterações climáticas

O ponto de partida do livro é a análise das alterações climáticas, fenômeno que estamos vivendo cada vez mais intensamente, com as suas consequências dramáticas: ondas de calor frequentes, secas, furacões, inundações, derretimento do gelo, aumento do nível dos mares, perda de biodiversidade, carestias, migrações e guerras.

Os cientistas do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas constataram que a causa de tudo isso está na nossa sociedade, que continua a emitir quantidades crescentes de gases de efeito estufa para a atmosfera que produzem um aumento térmico significativo: a temperatura média da Terra aumentou mais de 1°C desde o início da era industrial, enquanto o limiar de 2°C é considerado o ponto de virada da mudança climática. Para ficar abaixo desse limiar devemos focar no objetivo de zero emissões em poucos anos: podemos lançar na atmosfera no máximo mais 700 bilhões de toneladas de CO2, enquanto hoje emitimos anualmente aproximadamente 42 bilhões de CO2, dos quais 33 bilhões apenas por exigências energéticas.

A situação é grave: medidas devem ser tomadas, e imediatamente. Mas como? A primeira ideia, já possível de ser posta em prática agora, é mudar o nosso estilo de vida, tentando reduzir os consumos e os desperdícios a que estamos habituados: menos deslocações com veículos motorizados, menos comida jogada fora, menos desperdício de água, menos compras não necessárias, menos consumo de carne, menos consumo de solo.

Sempre que possível, o trabalho em casa deve ser incentivado, como nos ensinou o lockdown devido à Covid. Mas, sobretudo, é necessário um empenho coletivo para salvaguardar a nossa “casa comum” num horizonte de sustentabilidade e solidariedade também no plano financeiro, para garantir um futuro às novas gerações e perspectivas para as populações mais pobres. A esse respeito, pode se ver a encíclica Laudato Sì do Papa Francisco, considerados os acordos de Paris de 2015 e os objetivos da Agenda 2030: eles indicaram um caminho a ser percorrido juntos para salvar o ecossistema.

A União Europeia respondeu positivamente em 2019 com o Green New Deal que prevê a neutralidade climática (emissões zero) até 2050, mas as coisas não são assim em outros lugares, como mostra o resultado da COP26 de Glasgow em 2021. Além disso, as guerras em curso, especialmente entre a Rússia e a Ucrânia, pioram a situação. Também levamos em consideração que a população mundial chegará a quase 10 bilhões de indivíduos em 2050, 70% dos quais viverão em cidades.

Sistema energético: hidrogênio

Em nível estrutural, precisamos de mudar radicalmente o nosso sistema energético e acelerar a transição das fontes fósseis (carvão, petróleo, gás natural) para as renováveis. Neste momento, o foco está sobretudo nas energias fotovoltaica e eólica, que transformam a energia solar e eólica diretamente em eletricidade: entre as fontes renováveis, estas são as que registaram o maior crescimento nos últimos 20 anos, igualando ou ultrapassando a hidroelétrica.

Mas a energia elétrica a partir de fontes renováveis não é suficiente para atender as nossas necessidades energéticas: são necessárias soluções complementares sobretudo para descarbonizar o transporte pesado (terrestre, marítimo e aéreo), a indústria, o aquecimento e o resfriamento. É necessário um plano energético que resolva a situação, que seja competitivo e global, empregado não só na UE e nos países ocidentais, mas também nos países orientais e em desenvolvimento, sobretudo na China, na Índia e na Rússia. O hidrogênio pode desempenhar um papel decisivo nesse plano.

O hidrogênio é o elemento mais leve e abundante do universo. O hidrogênio muito raramente é encontrado sozinho, mas geralmente combinado com muitos elementos, por exemplo, com oxigênio na água H2O, com cloro no ácido clorídrico HCl, com o carbono no metano CH4 etc. O hidrogênio pode ser produzido por eletrólise usando eletrolisadores, fornecendo à água energia elétrica (talvez obtida de fontes renováveis), separando assim o hidrogênio do oxigênio: 2H2O + eletricidade → 2H2 + O2. O hidrogênio produzido pode, assim, ser armazenado e utilizado, conforme necessário, por meio de uma célula de combustível que fornece energia com uma reação de síntese da água.

O hidrogênio não é uma fonte primária de energia porque não pode ser encontrado isolado, mas deve ser produzido; trata-se de um vetor energético que permite o armazenamento de grandes quantidades de energia, superando os limites das fontes renováveis elétricas ligadas à intermitência do fornecimento de energia primária proveniente do sol e do vento. O hidrogênio é virtualmente inesgotável, não polui e não altera o clima (zero emissões), não contém carbono. Os hidrocarbonetos, por outro lado, contêm altas porcentagens de carbono e pequenas quantidades de hidrogênio, poluem e favorecem as mudanças climáticas, como mostra a seguinte tabela publicada na página 53 do livro.

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Tipos de hidrogênio

Ao falar de hidrogênio é necessário distinguir entre hidrogênio cinza, que é obtido pela combustão de hidrocarbonetos; hidrogênio azul, obtido graças à captura e sequestro de CO2; hidrogênio verde, que é produzido com o uso de energia elétrica obtida de fontes renováveis.

A atenção é dirigida sobretudo ao hidrogênio verde que, em conjunto com fontes de eletricidade renováveis (sobretudo eólica e fotovoltaica), pode marcar uma virada decisiva no processo de transição ecológica. O hidrogênio é facilmente transportável usando a infraestrutura para o gás existente e favorece o desenvolvimento de energias renováveis rumo à descarbonização.

Pode ser armazenado por longo tempo e conservado, na forma gasosa ou líquida, em tanques e cilindros sob pressão moderada ou alta pressão. Também é possível armazenar hidrogênio em metais e outros materiais.

O hidrogênio pode ser usado nas indústrias, especialmente aquelas com alta intensidade energética (siderúrgica, manufatura, cimento), onde são necessárias temperaturas de até 1600°C, que seriam difíceis de alcançar com o uso exclusivo de energias renováveis elétricas.

Se na Europa se quisesse descarbonizar o aquecimento e resfriamento de edifícios com o uso exclusivo de fontes de energia renovável (eólica e fotovoltaica), seria necessário acumular a energia solar disponível nos meses de verão com baterias ao custo de 500 trilhões de dólares. Tampouco as bacias montanhosas poderiam ser suficientes para acumular a água, mesmo por meio de bombeamento.

Além disso, a seca que afeta hoje muitas partes do mundo, incluindo a Europa, torna mais difícil o uso da hidroeletricidade para usos mais amplos do que os atuais. Mesmo neste setor o hidrogênio, com a sua elevada densidade energética, pode ser a solução: pode ser acumulado no verão usando eletricidade de fontes renováveis e utilizado quando necessário para aquecimento ou mesmo para resfriamento.

No entanto, é necessária uma adaptação (dispendiosa) das caldeiras e queimadores nas casas e da rede de distribuição utilizada para o gás. Uma solução intermediária, já testada com sucesso na Itália, é a mistura de 10% de hidrogênio com gás natural, utilizando infraestruturas existentes (blending). Uma experiência de uso doméstico do hidrogênio, já em prática há 50 anos, é fornecida pela cidade de Leeds, no Reino Unido.

Os transportes são responsáveis por aproximadamente 25% das emissões globais de CO2. O hidrogênio verde, com emissões zero, pode ajudar-nos a avançar para uma mobilidade limpa e sustentável com aviões, navios, camiões, ônibus e outros meios, incluindo automóveis. Um meio de transporte com célula a combustível de hidrogênio tem um rendimento de cerca de 65%, muito superior ao obtido com motores térmicos (combustão interna) que gira em torno de 25%.

Uma vantagem do veículo a hidrogênio em relação ao elétrico é que ele não requer bateria: como sabemos, a bateria é pesada, oferece uma autonomia limitada e requer um tempo de recarga considerável. Navios e aeronaves movidos a hidrogênio líquido já estão sendo projetados. Para que o transporte a hidrogênio possa decolar, é necessário desenvolver as infraestruturas necessárias, em particular os postos de abastecimento para veículos rodoviários.

Abastecimento energético

Para poder se difundir, o hidrogénio pode utilizar a rede de transporte de gás natural que pode fornecer 5 vezes mais energia do que a rede elétrica, é mais flexível e mais eficiente. O hidrogênio (verde) permite conectar a rede de gás à rede elétrica.

O plano power to gas da Snam chamado PPWS (put the panels where it is sunny) prevê a instalação de parques solares no solo do Saara (bastaria revestir apenas 0,8% da superfície do deserto com painéis fotovoltaicos) para obter do sol, de forma muito mais eficiente do que na Europa, a energia elétrica necessária para obter grandes quantidades de gás que, transportadas pelos gasodutos já existentes, poderia chegar ao continente para as aplicações desejadas.

Os gasodutos do Mediterrâneo têm potencial para transportar hidrogênio até em 100%, com algumas modificações apropriadas. Outros planos power to gas poderão funcionar no Mar do Norte, onde a energia eólica é abundante, e na Baixa Saxônia.

A UE depende do exterior para o abastecimento energético. O desenvolvimento do hidrogênio e das energias renováveis reduziria essa dependência, favorecendo a redução das tensões geopolíticas e a luta contra as alterações climáticas. O mercado global de hidrogênio poderá crescer graças à cooperação internacional e poderá reduzir os desequilíbrios entre países ricos e pobres.

Mas para o desenvolvimento de tal economia, o custo do hidrogênio verde terá que cair para o chamado tipping point ou ponto de virada de 2 $/kg, o que o torna competitivo. Para alcançar esse objetivo é necessário aumentar as pesquisas e reduzir drasticamente o custo dos eletrolisadores, com grandes investimentos.

As energias renováveis elétricas tornaram-se competitivas por volta de 2020, quando seus custos, em uma década, passaram de US$ 360/MWh para US$ 45/MWh para a energia fotovoltaica e de US$ 800/MWh para US$ 45/MWh para a energia eólica. Algo semelhante poderia acontecer com o hidrogênio. Observou-se que, ao dobrar a capacidade total instalada das estruturas para o hidrogênio, se obtém uma redução de 15% nos custos (learning rate). Por volta de 2030, para as instalações a hidrogênio verde se deveria atingir uma potência total de 50 GW, útil para atingir o ponto de virada de 2 $/kg, o que o torna competitivo.

Para que ocorra a transição energética para as fontes renováveis veiculadas pelo hidrogênio, é necessário um empenho decisivo dos governos em sinergia com a sociedade civil.

Bibliografia

Alverà Marco (2020). Rivoluzione idrogeno. Milano. Mondadori.

Alverà Marco (2019). Generation H. Milano. Mondadori Electa.

Rifkin Jeremy (2003). Economia all’idrogeno. Milano. Mondadori.

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