Gianfranco Pacchioni, professor de química na Universidade Milano-Bicocca, é autor de livros sobre química ambiental. Juntamente com seu grupo de pesquisa, ele trabalha na produção de hidrogênio verde a partir da água como um vetor fundamental na transição energética ecológica. Nós o entrevistamos sobre esta questão e sobre a mais ampla questão energética.
A entrevista é de Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 20-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, em que projeto você está trabalhando exatamente?
Estou trabalhando em catalisadores de nova geração para produzir hidrogênio (H2) − o chamado verde − a partir da água: tanto diretamente da energia solar (fotocatálise) quanto da eletricidade de origem solar (eletrocatálise). Catalisadores são substâncias que favorecem a quebra da ligação entre o hidrogênio e o oxigênio na molécula de água (H2O), diminuindo a quantidade de energia a ser gasta para a obtenção do produto desejado. Claramente, a pesquisa visa identificar os catalisadores mais eficientes e, ao mesmo tempo, mais disponíveis.
Quão disponíveis são os materiais usados nessa e em outras tecnologias de sustentabilidade ambiental?
Na Itália e em outros lugares, temos problemas para encontrar materiais para o desenvolvimento de todas as novas tecnologias: para catalisadores, eletrolisadores, baterias. Muitas pesquisas estão sendo feitas nesta área. Dou o exemplo de catalisadores para os quais são necessários metais preciosos − como ródio, paládio, platina −, muito mais caros que o ouro hoje no mercado.
Bem, a pesquisa está chegando para usar partículas cada vez menores desses elementos, obtendo os mesmos resultados. O objetivo é alcançar os resultados esperados com quantidades infinitesimais de substância. Estamos em um bom ponto. Também no campo das baterias, as pesquisas vêm obtendo resultados importantes: não tenho dúvida de que não tardará o dia em que será possível prescindir do famoso lítio, usando o sódio muito mais disponível.
Como se trabalha para alcançar novos resultados?
Hoje a pesquisa avança por grupos ampliados e em relação com outros grupos no mundo. A minha equipe é composta por jovens estudantes, doutorandos, pesquisadores, bem como colaboradores de diferentes idades. A figura do químico pesquisador isolado em seu laboratório não existe mais. Trabalhamos juntos. Os jovens têm um papel decisivo.
Então vamos falar do hidrogênio: por que ele é definido como um vetor para o futuro e não uma fonte de energia?
Por fonte, queremos dizer um material do qual podemos extrair energia diretamente. Vou usar o exemplo tradicional do carvão: uma jazida de carvão era chamada de fonte de energia porque, ao enviar o carvão para combustão, queimando-o, a energia seria obtida para fazer funcionar trens, navios, usinas termelétricas, etc. Enquanto o hidrogênio não é encontrado na natureza. Não existem jazidas de hidrogênio. Podemos produzi-lo a partir da água gastando energia, mas se esta vier do sol, eis que o hidrogênio se torna um vetor daquela mesma energia, gratuita e limpa.
O objetivo dessa operação é conhecido, como já tive oportunidade de explicar nestas páginas, a humanidade necessita extrair energia de combustíveis que não sejam à base de carbono, porque o excesso de dióxido de carbono na atmosfera, após a combustão, é a principal causa do aquecimento global e, portanto, das alterações climáticas. O hidrogênio é um vetor maravilhoso porque, ao se recombinar com o oxigênio do ar (O2), libera a energia química armazenada e dá origem novamente à água que pode ser liberada com segurança no meio ambiente.
Onde está a conveniência de gastar energia para produzir hidrogênio para depois "queimá-lo" para obter energia?
A intenção é produzir hidrogênio a partir de fontes de energia renováveis, ou seja, do sol, do vento ou do calor “gratuito” contido nas profundezas da terra (energia geotérmica). No entanto, tais fontes de energia, principalmente o sol e o vento, têm natureza intermitente, por razões óbvias. As usinas fotovoltaicas e os parques eólicos são, portanto, capazes de "nos dar" eletricidade em algumas estações e em alguns dias mais do que em outros: daí a vantagem de usar os picos sazonais e diários de produção de energia de fontes renováveis para armazená-la no vetor hidrogênio, utilizável, em diferentes modalidades, posteriormente.
Armazenar hidrogênio para armazenar energia não é perigoso?
Todos os sistemas que contêm energia são intrinsicamente perigosos. Um botijão de gás metano na casa ao lado do fogão é intrinsecamente perigoso, assim como um caminhão-tanque que trafega na rodovia ao lado de nossos carros. Apesar dos sistemas de segurança serem constantemente melhorados, avarias, acidentes e explosões ainda ocorrem. O hidrogênio não é nem mais nem menos perigoso do que outros conteúdos de energia. Certamente o hidrogênio tem maior retenção de energia, por unidade de volume, do que o metano e a gasolina. Portanto, deve ser tratado com extrema cautela. Nesse sentido, existem problemas tecnológicos ainda a serem enfrentados e resolvidos da melhor maneira possível. Porém, hoje não penso em um uso capilar, doméstico, do hidrogênio, da mesma forma que o gás metano.
Em que usos você está pensando então?
Estou pensando, para além de utilizações específicas de dimensão industrial, nos grandes transportes: em caminhões, em navios e até em aviões durante pelo menos um dia.
Pode nos explicar como motores de tão grandes dimensões funcionam com hidrogênio...
A tecnologia dos motores a hidrogênio começou já na década de 1960 com as expedições espaciais estadunidenses. Desde então, são conhecidas as chamadas células a combustível. Vou explicar de forma simples do que se trata. A reação entre o hidrogênio e o oxigênio é uma reação de oxirredução: ocorre uma passagem de elétrons entre os dois elementos, do hidrogênio para o oxigênio. Nas células a combustível, a passagem dos elétrons ocorre de forma controlada, caso contrário seria explosiva, em um circuito elétrico: assim a energia contida no hidrogênio é transformada novamente em energia elétrica. O motor a hidrogênio é basicamente um motor elétrico.
Carros com células a combustível movidas a hidrogênio já estão no mercado há algum tempo. Será este o futuro do automóvel?
Não é fácil fazer previsões sobre o futuro. No momento acredito que posso dizer que o uso de hidrogênio por milhões e bilhões de carros particulares comportaria uma transformação radical da rede de distribuição de combustível, com custos gigantescos de infraestrutura. Acho a hipótese improvável e nem mesmo desejável. Penso que o futuro do carro possa ser totalmente elétrico, mas com uma concepção completamente diferente do objeto, para que sua função seja sustentável. Acredito que no futuro circularão menos carros particulares principalmente nas cidades: haverá carros elétricos, de direção autônoma, para uso público.
Então, por que caminhões, navios e aviões também não poderiam funcionar com motores puramente elétricos?
Como sabemos, os motores elétricos são alimentados por baterias. Agora é difícil imaginar veículos pesados, navios e aviões equipados com volumosas e inclusive pesadas baterias. Portanto, acredito que esses meios poderão empregar oportunamente hidrogênio. Recordemos ainda que o objetivo ambiental é evitar a emissão de mais dióxido de carbono para a atmosfera e que os transportes rodoviários, marítimos e aéreos são ainda hoje os principais responsáveis pelo excesso de CO2.
O armazenamento e distribuição de hidrogênio requerem materiais e tecnologias especiais?
Se o uso ocorrer permanentemente em uma empresa, não há problemas técnicos específicos a serem resolvidos: o hidrogênio é comprimido e liquefeito e usado conforme a necessidade. Diante da perspectiva de ampla e capilar distribuição, como já mencionei, surgem várias dificuldades, que ainda estão sendo estudadas. São necessários recipientes diferentes dos usuais, preenchidos, por exemplo, com materiais esponjosos capazes de adsorver e liberar hidrogênio gasoso.
Isso significa maiores volumes e maior peso de contêineres, com o mesmo conteúdo energético, em comparação com os combustíveis fósseis tradicionais. Depois, há a questão do transporte a distância através de condutos. A molécula biatômica de hidrogênio é muito pequena: fluindo por dutos normais, parte das moléculas de hidrogênio escapariam para a atmosfera. Portanto, são necessários hidrogênio-dutos específicos feitos de materiais especiais. Existem alguns na Itália, mas são apenas de natureza de serviço industrial.
Os gasodutos existentes não são, portanto, adequados para o transporte de hidrogênio?
Para hidrogênio puro ou concentrado, não. Provavelmente é possível misturá-lo em baixa porcentagem com o gás natural que já passa pelos gasodutos, com perdas obviamente menores: essa poderia ser uma solução temporária de economia, certamente não a ideal.
Antes de ser usado como vetor de energia, para que servia o hidrogênio e para que serve ainda hoje?
A síntese de amônia é um exemplo fundamental. Há anos a amônia é produzida pela reação de hidrogênio e nitrogênio, em altas temperaturas e pressões, em grandes fábricas de produtos químicos. A reação é muito importante porque a amônia é usada para produzir fertilizantes. Em um mundo onde já ultrapassamos a marca de 8 bilhões de habitantes, devemos estar cientes da importância dos fertilizantes nitrogenados para conseguir cultivar e poder alimentar a todos. Até o presente o hidrogênio utilizado para a síntese da amônia, portanto para a indispensável produção de fertilizantes, é o hidrogênio cinza, ou seja, aquele obtido a partir de combustíveis fósseis − essencialmente o metano − com liberação de dióxido de carbono na atmosfera.
Você pode esclarecer a diferença entre hidrogênio cinza e azul?
Como eu disse, o hidrogênio cinza é obtido "arrancando" átomos de hidrogênio da molécula de metano (CH4) a temperaturas de cerca de 1.000 graus centígrados. Essa reação tem como subproduto o dióxido de carbono, o conhecido CO2, que é normalmente utilizado por empresas do setor de bebidas gaseificadas. Os leitores desta entrevista recordarão que no verão passado vivemos a “crise das bolhas”: desde que o preço do metano disparou, as grandes empresas de produção de hidrogénio, e portanto de CO2, tiveram uma parada. Paradoxalmente, com o excesso de CO2 atmosfera, não havia CO2 para gaseificar a água mineral.
O que é importante esclarecer aqui é que o CO2, como subproduto da reação que leva ao hidrogênio a partir do metano, acaba sempre indo parar na atmosfera, aumentando o excesso que causa o aquecimento global e as mudanças climáticas, ou seja, exatamente o que se deseja evitar. A produção de hidrogênio cinza, portanto, não é mais sustentável.
A ideia, portanto, é, seguindo o mesmo processo químico do metano ao hidrogênio, sequestrar o CO2 subproduzido para evitar sua liberação lenta no meio ambiente e na atmosfera, bombeando-o das empresas químicas para as profundezas geológicas da Terra. Neste caso falamos de hidrogênio azul. As cavidades nas quais o dióxido de carbono é insuflado podem ser completamente naturais ou derivadas de depósitos esvaziados de gás natural. Essa operação, por si só, é capaz de evitar a liberação de CO2 no meio ambiente, mas tem contraindicações importantes: em primeiro lugar, custa muita energia bombear e injetar CO2 nas profundezas e, não menos importante, essa operação gera apreensões sobre possíveis alterações estáticas nos territórios em questão.
O que seria do CO2 preso nas cavidades da terra? Ficaria ali “para sempre”?
Se o CO2 fosse deixado permanentemente nas cavidades da Terra, naturalmente permaneceria não utilizado. A hipótese que tenho feito, em uma perspectiva futura - caso um dia haja abundância de hidrogênio verde - é usar o CO2 para combiná-lo com o hidrogênio para produzir outras moléculas importantes, como as do metanol e do etanol, normalmente usadas para sintetizar os mais diversos produtos: de medicamentos a tecidos. A perspectiva ideal é sempre reaproveitar tudo, certamente não armazenar substâncias nas profundezas da terra para esquecer delas.
O hidrogênio verde é, portanto, o único verdadeiramente sustentável para o meio ambiente?
O hidrogênio verde, como já dissemos, é o que se obtém da "simples" água, dividindo a molécula em seus componentes − hidrogênio e oxigênio − e utilizando eletricidade de fontes renováveis no processo de eletrólise. Essa possibilidade obviamente já é conhecida há algum tempo, mas só recentemente está se tornando uma alternativa, não apenas ideal, mas também factível em larga escala.
Enquanto isso, podemos dizer que a eficiência dos eletrolisadores atingiu níveis de 70-80% graças aos catalisadores que mencionei, e está melhorando continuamente, graças à pesquisa; além disso, existem plantas industriais já em funcionamento e tem muitos projetos de produção que estão começando. Mas claramente ainda estamos muito longe de um aparato industrial maciço. Também deve ser dito que os custos de produção de hidrogênio verde, antecipadamente em relação às previsões, tornaram-se competitivos frente os custos de produção de hidrogênio cinza.
Até um ano e meio atrás, de fato, o custo do hidrogênio verde era 3,5 vezes o custo do cinza: esperava-se atingir o chamado ponto de encontro por volta de 2030; mas no último ano, como bem sabemos, o custo do gás natural disparou e, por isso, o custo da energia elétrica produzida a partir de fontes renováveis tornou-se muito mais atrativo para os produtores. Sabemos que o que está acontecendo nos mercados das matérias primas tem muito mais a ver com questões políticas e financeiras do que com a economia real. Portanto, hoje em comparação a energia renovável custa muito menos. Se os preços dos combustíveis fósseis continuarem tão altos, como imagino, caminharemos cada vez mais decididamente para a produção de hidrogênio verde.
Qual será o limite de produção?
O limite é quantitativo: na verdade, não temos condições de produzir toda a energia que seria necessária a partir de fontes renováveis. Obviamente não apenas para produzir hidrogênio verde, mas para toda a energia necessária na Itália, na Europa e no mundo, também para aquecer casas, por exemplo.
A que ponto estamos da emancipação dos combustíveis fósseis na Itália?
Em 2010 estávamos entre os países mais virtuosos na produção de energia a partir de fontes renováveis. Então paramos. Se tivéssemos continuado com a mesma determinação, hoje estaríamos em uma situação energética muito melhor. As razões para tal desaceleração são, na minha opinião, culturais, financeiras e políticas.
Há razões culturais porque uma certa forma de conceber a defesa do meio ambiente tem levado ao bloqueio de projetos já existentes de produção importante de energia eólica e fotovoltaica, portanto diretamente do vento e do sol. Muitas vezes as populações se opuseram, por exemplo, à instalação de turbinas eólicas no mar, mesmo a quilômetros da costa. Essa atitude, que não posso partilhar, está determinando custos ambientais muito mais elevados por aquilo que se quis salvaguardar.
Depois há, evidentemente, razões econômicas e financeiras, porque a transição envolve e acarreta interesses enormes. É claro que as empresas que construíram suas fortunas nos combustíveis fósseis tendem a procrastinar o uso de suas próprias fontes tradicionais e de suas usinas. Não é por acaso que o país que mais se opôs às várias resoluções da COP27 é a Arábia Saudita.
Há, por último, mas não menos importante, razões políticas e geopolíticas cuja complexidade não pode ser minimizada. No entanto, parece bastante evidente a falta de uma visão mais ampla - de fato - dos governantes que permaneceram no cargo por 1, 2 ou 3 anos na Itália, enquanto algumas escolhas no âmbito energético teriam exigido - como ainda exigem - sua firme manutenção por anos e anos para obter resultados sérios.
Qual a importância de fornecer informações corretas e, portanto, cultura da energia e do meio ambiente?
É de fundamental importância. Só uma opinião pública bastante ampla pode pedir à política que faça as melhores escolhas para o meio ambiente, com continuidade e coerência. Informação, educação, formação, sobretudo das novas gerações, desempenham claramente um papel determinante. Como sempre repito, a humanidade enfrenta um enorme desafio. Não existem soluções simples e imediatas. O que é preciso é um grande esforço coletivo, global, não desprovido de sacrifícios, principalmente para aqueles que já se beneficiam do desenvolvimento por muito tempo. O sucesso não é de forma alguma garantido. Só de ver os jovens e as pessoas que querem saber como estão as coisas e que estão dispostas a se empenhar, sinto mais confiança.