20 Mai 2023
"É uma surpresa bem-vinda, portanto, constatar que o volume de Ricca é declaradamente não apologético e, no entanto, expressamente centrado em Deus", escreve Alfio Filippi, diretor emérito das Edizioni Dehoniane Bologna (EDB), em artigo publicado por Settimana News, 18-05-2023.
O termo Apologia que aparece no título me levou a comprar o livro de Paolo Ricca, Dio: apologia (Editora Claudiana, 2022). A palavra me reportou à Apologética de antiga memória, em que a atitude defensiva era central; não por acaso são chamados de apologistas os escritores cristãos que, nos primeiros séculos, escreveram em defesa de sua fé.
Dio: apologia, livro de Paolo Ricca (Editora Claudiana, 2022). | Divulgação
A minha geração foi educada em nome da contraposição: na escola e na Igreja, na rua e em casa: nós e eles, católicos e não católicos, democratas-cristãos e comunistas. O curso de apologética, obrigatório e preparatório para a filosofia e a teologia, tinha como objetivo ensinar a defender-se intelectualmente dos “outros”.
Felizmente, o Concílio Vaticano II veio quando eu recém tinha começado cursar teologia e, além disso, tive professores jovens que, começaram a se adaptar à medida que o Concílio se desenrolava. E a apologética da contraposição, do "nós e eles", foi abandonada em favor de uma teologia séria e repensada. A Manzoni se atribui a frase: “Nenhum mandamento divino precisa de apologia”.
Uma surpresa bem-vinda, portanto, constatar que o volume de Ricca é declaradamente não apologético e, no entanto, expressamente centrado em Deus. Essa orientação é tematizada em um parágrafo do livro: "Um Deus não procurado" (p. 155), enquanto na introdução destaca-se: “Quanto à existência de Deus, é interessante observar que a Bíblia não gasta uma única palavra para a demonstrar” (p. 21).
E sobretudo fiquei impressionado com esta anotação: “Segundo a Bíblia, a fé não nasce do fato de que Deus existe, mas do fato de que Deus fala. Não é a sua existência que gera a fé, mas a sua Palavra”. Ser cristãos não significa justamente estar à escuta da Palavra por excelência, que se reporta a uma Pessoa e a um Livro? Pessoa, Palavra, Livro: três palavras da identidade cristã e de uma busca nunca concluída, que desafia qualquer um que leia a Bíblia com fé.
Inteiramente pessoal e fascinante é o percurso em que Ricca envolve o leitor, pois o conduz por uma abordagem sistemática clássica e já por si bastante original:
- Deus na Modernidade: mais do que negar Deus, a modernidade tende a afirmar sua inconsistência; ela fala da inutilidade de Deus, de Deus como conto de fadas, Deus como projeção, Deus como droga; até teoriza a morte de Deus, a religião como veneno, Deus como ilusão; teoriza o silêncio de Deus, Deus como nada, Deus como ídolo (p. 31-148).
- A apresentação dos traços que assume Deus na Bíblia afirma um Deus não procurado; um Deus não demonstrável; um Deus contraditório; um Deus revelado. O leitor atento intui sem dificuldade que por trás dessas negativas se esconde, por antítese, uma grandiosa figura de Deus.
- Deus na fé: o ato de crer é o momento em que Deus é aceito como realidade, como proximidade, Deus como humanidade, Deus como relação.
- O cristão que olha para além de sua crença pessoal se pergunta sobre Qual Deus.
Em parágrafos específicos, Deus é apresentado no hinduísmo e no budismo. O Deus da Bíblia Hebraica é caracterizado como um deus pessoal, Deus é Espírito, o Inefável de muitos nomes, é Criador, Senhor, Legislador e Juiz, Deus das alianças. Levando a sério o dado histórico de que existe um judaísmo além da Bíblia, Ricca lhe dedica quatro parágrafos: Deus na literatura rabínica, Deus na filosofia judaica medieval, Deus na mística judaica e na cabala, Deus no judaísmo moderno.
Completando o quadro dos monoteísmos, um capítulo é dedicado a Deus no Islã. As fontes, Deus no Alcorão, Deus na tradição islâmica: a doutrina do mithaq, a superioridade da religião islâmica sobre as religiões judaica e cristã, o papel da sharia na sociedade muçulmana.
Para além da estrutura temática que delineamos, outra articulação do volume consiste num “Prelúdio”: Duas vozes da Modernidade: Voltaire e Nietzsche; de um “Interlúdio”: Karl Barth, Martin Buber, e de um “Poslúdio”: Vozes do século XX sobre Deus: Etty Hillesum, André Schwarz-Bart, Zwi Kolitz, Dietrich Bonhoeffer). Pessoas que exemplificam de forma extraordinária a busca de Deus em sua vida e em seu tempo.
A conclusão do livro é um convite à oração em três páginas.
O volume é acompanhado por 14 ilustrações, das quais se propõe um comentário teológico-espiritual (pp. 369-383), que é lido prazerosamente, como sempre acontece quando arte e espiritualidade se encontram de forma inteligente.
Ao concluir a leitura do volume, resta-me a exigência de escutar e refletir sobre uma Palavra que ressoa dentro de nós, maior do que nós, para indicar um além cada pessoa e além cada Igreja.
RICCA, Paolo. Dio: apologia. Turim: Claudiana, 2022.
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Deus: apologia, não apologética. Artigo de Alfio Filippi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU