13 Junho 2022
Tanto a liturgia cristã quanto a judaica preservam a solenidade da referência à Bíblia. Na comunidade celebrante, o gesto da abertura do livro e da sua leitura é realizado com cuidado. Mas, fora das fronteiras dos pertencimentos religiosos, o que a Bíblia, o grande código da cultura ocidental, significa hoje?
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada em Settimana News, 12-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não muito, seria possível dizer a partir de uma investigação sobre a França, promovida pelo jornal La Croix e pelo seu semanário L’Hebdo. Os resultados construídos a partir de uma amostra de 2.000 pessoas e publicados no dia 2 de junho são severos, até mesmo em comparação com pesquisas semelhantes de 2001 e de 2010.
Cerca de 27% dos entrevistados afirmam que têm uma cópia da Bíblia em casa (73% não); 81% dizem que nunca a leem, e dos 19% restantes apenas 4% a abrem pelo menos uma vez por mês.
A referência à Escritura é um fenômeno elitista, compreensível pelo fato de que, na tradição, ela nunca foi um elemento comum de integração religiosa. Uma longa história, marcada, aliás, pelo choque entre catolicismo e Reforma. Assim como a Reforma fez da Bíblia a sua divisa reconhecível, assim também o catolicismo a manteve afastada da prática cotidiana dos fiéis.
O clima mudou apenas no século passado. “No mundo católico – observa Guillaume Cuchet – até o século XX havia desconfiança em relação à divulgação do texto. Antes do Vaticano II, a Bíblia era um termo protestante. Os católicos usavam ‘Sagradas Escrituras’.”
Com o Concílio (1962-1965), a Igreja Católica trouxe novamente o livro sagrado para o centro, e, entre os anos 1960 e 1970, houve o nível máximo de proximidade dos católicos franceses com a Bíblia.
Hoje, católicos praticantes e protestantes se equivalem: tanto em relação à posse do livro (87% para os primeiros, 79% para os segundos) quanto à leitura pessoal, quanto ainda ao desejo de aprofundá-lo mais.
“Depois do Vaticano II, o núcleo duro dos católicos praticantes, embora muito diminuído, integrou plenamente a Bíblia à sua vivência de fé. A leitura da Palavra de Deus já faz parte de um caminho obrigatório para muitos fiéis, para além das suas sensibilidades. Um resultado semelhante não era certo no início dos anos 1960.”
A permanência de alguns achados ou relatos da Escritura, transmitidas na tradição católica por meio do catecismo, mais do que a partir da leitura direta do texto, é muito mais ampla.
Cerca de 80% dos entrevistados conhecem alguns episódios bíblicos como o nascimento de Jesus, o relato da arca e do dilúvio, a morte e ressurreição de Cristo, as passagens do Gênesis sobre Adão e Eva. Cerca de 50% reconhecem o episódio da Torre de Babel, o sacrifício de Abraão, a história de Jonas e a figura de Jó.
A área de interesse em relação às Escrituras tende a ser muito vasta. Cerca de 50% dos entrevistados cultivam uma predisposição positiva em relação ao religioso e ao espiritual que o texto contém. E 40% estão intrigados do ponto de vista cultural, literário e histórico.
Mas esse interesse não é capaz de acender um reconhecimento das referências e das citações bíblicas que o patrimônio histórico e a cultura francesa contemporânea ainda contêm.
Para 80%, não há vestígios da Bíblia na cultura civil da vivência contemporânea. Para o psicanalista Jacques Arènes, passamos da negação ou da rejeição da cultura religiosa ao “desconhecimento dessa herança”.
A partir dos cerca de dez testemunhos diretos de personalidades públicas retomados pelo La Croix e L’Hebdo, cito alguns.
A escritora Amélie Nothomb:
“Comecei a ler a Bíblia entre os três e os quatro anos de idade. Não entendia o seu sentido, mas reconhecia o seu som: é o que ainda me acompanha. Meu pai me falou de Jesus. Procurei o seu som na Bíblia e encontrei os Evangelhos. Uma partitura musical obsessivamente marcada que me fez bem.”
O grão-rabino da França, Haïm Korsia:
“A Bíblia é um sopro que dá vida. E não uma vida qualquer: a nossa. Aí se encontra toda ela, é a nossa vida.”
Cédric O., ex-secretário de Estado para a transição digital:
“A minha relação com a Bíblia é feita de pesquisa, de mistério, de grande proximidade. Para mim, é um objeto de trabalho, um caminho, no qual as perguntas são mais importantes que as respostas.”
Karine Lacombe, infectologista na Sorbonne:
“Não posso dizer que eu abro a Bíblia com frequência, pratico a fé menos do que os meus pais. Mas acredito que aquelas páginas forjaram a relação que eu tenho com os outros e sobretudo o meu modo de praticar a medicina. A fraternidade, a solidariedade, a generosidade: todos valores que descobri nas Escrituras, essenciais para o meu trabalho de cuidado.”
Marie Derain de Vaucresson, presidente do órgão nacional independente para o reconhecimento e a reparação dos abusos:
“A Bíblia é uma companheira de viagem. Com as leituras do dia – isso não é particularmente original – tenho uma frequentação cotidiana com a Escritura. Ler textos que são rezados por todos os cristãos do mundo me permite sentir a Igreja universal, como a minha tia freira em Soweto (África do Sul), os meus amigos em Benin, os meus familiares, as pessoas que sofrem e rezam.”
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França: Bíblia em eclipse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU