20 Novembro 2009
Na sexta-feira, dia 20 de novembro, o Mestre Zen Japonês Moriyama Roshi (foto) esteve em São Leopoldo, em visita ao Zen Vale dos Sinos. Moriyama Roshi é considerado um dos maiores mestres vivos do Zen-Budismo japonês, tendo sido um dos grandes responsáveis por expandir a prática Zen, ainda na década de 60, nos Estados Unidos. A partir da década de 90, veio para São Paulo, congregando praticantes entre os numerosos imigrantes japoneses do pós-guerra. De 2000 a 2005, residiu em Porto Alegre e então voltou ao Japão.
Nesta entrevista, Monja Kokai (Vânia Eckert, de batismo), à IHU On-Line, líder religiosa do centro de práticas Zen budistas Zen Vale do Sinos, comenta a importância dessa visita e aborda outros aspectos da prática Zen. Psicóloga há 23 anos e especialista em família e casal, Kokai foi ordenada monja em maio deste ano pela Monja Coen, de São Paulo, da qual é hoje discípula. Monja Kokai também participou do programa "Religiões do Mundo", organizado pelo IHU entre agosto e outubro deste ano, para fomentar o debate sobre a ética presente nas grandes tradições religiosas, especialmente o Budismo.
Eis a entrevista.
IHU On-Line – Moriyama Roshi é considerado um dos maiores mestres vivos, um dos patriarcas do Zen-Budismo japonês. Qual é a trajetória/formação de Roshi e como ele chegou a esse patamar de reconhecimento?
Monja Kokai – Moryama Roshi é mais conhecido por esse nome, mas dentro da linhagem seu nome é Horin Daigyo Daioshô. Ele nasceu em março de 1938, no extremo norte do Japão. Aos 22 anos,concluiu seus estudos de filosofia em Tóquio, e reencontrou seu mestre Hakusan Kojun Roshi.
Ele começou a praticar o zazen, e impressionou pela dignidade e compaixão viva de um Roshi, titulo honorífico dado aos antigos praticantes que significa “velho sábio”. Decidiu, então, tornar-se monge.
Foi ordenado aos 24 anos e passou um ano em Eihei-ji, templo fundado por Meste Dogen, e cinco anos em Soji-ji, um templo fundado por mestre Keizan Jokin, os dois principais ancestrais na escola Soto-Zen. Ele realizou a prática monástica e iniciou um curso especial para transformar-se em professor do Dharma, um Sensei. Ele recebeu a transmissão de seu Mestre, Hakusan Kojun Roshi.
Seu mestre o enviou para seu irmão do Dharma, Niwa Roshi, para completar sua formação. Ele ficou dois anos na seção de Tóquio do Eihei-ji. Niwa Roshi lhe pediu, então, para ir a San Francisco, na Califórnia, Estados Unidos, para retomar o templo precedentemente dirigido por Suzuki Roshi (este havia se retirado para fundar o Zen Center). Esse seria o primeiro encontro de Roshi Moryama com o Ocidente – a San Francisco do fim dos anos 60! Grande choque, e grande admiração pela força da prática dos ocidentais.
Após três anos, Moryama Roshi voltou ao Japão, junto a Niwa Roshi. Nesse momento, ele é professor, depois passa a ser Ino (Mestre professor de monges). Depois de seis, ele recebe o título de Shike (Mestre de monastério). Ajudado por seus mestres, ele funda o Zuigakuin nas montanhas japonesas. Zuigakuin é um pequeno templo, consagrado a prática tal como ela é exposta por mestre Eihei Dôgen: meditação (Zazen) e trabalho (Samu) – a prática inclui também Takahatsu (pedir esmolas), reatando assim com a tradição budista dos monges mendicantes e pobres. A outra fonte de renda é somente doações feitas pelos visitantes e discípulos. Pouco conforto – nada de eletricidade, nem telefone, pouco aquecimento –, mas rico de Dhrama, e aberto a todos: japoneses e estrangeiros, homens e mulheres. O único que conta é o desejo de praticar e seguir o caminho dos ancestrais; uma vida simples, preciosa, uma prática rara no Japão atual. O templo foi aberto em 1978.
Em 1992, Roshi Niwa pediu a Moryama para partir, desta vez para a América do Sul. Mestre Moryama foi nomeado Sokan (responsável da Soto-Zen na América Latina). Ele morou em São Paulo, cidade de imigração de numerosos japoneses pós-guerra. Ele reconstrói o templo da comunidade e cria grupos de Zazen para brasileiros, em São Paulo e em outras cidades brasileiras. Sua discípula Joshin Sensei começará grupos de zazen na Argentina, no Uruguai e no Chile. Mas desejoso de seguir a vida simples de monge, Meste Moryama, quando tudo está em ordem, se demite e volta a Zuigakuin, onde continua a acolher visitantes e praticantes até o início do ano 2000, quando parte para Porto Alegre, para dirigir um novo templo. Em sua ausência, Zuigakuin não aceita mais os visitantes estrangeiros, e as pessoas interessadas podem dirigir-se a Delemeure Sans Limites, na França, onde prossegue seu Dharma, através de sua sucessora, Joshin Sensei.
Moryama tem ministrado ensinamentos tanto para monges quanto para discípulos leigos, por mais de 40 anos. Desde o início, sempre teve especial interesse em ensinar a prática do Zen para pessoas que não tem experiência anterior no Budismo.
De fevereiro de 2000 até fevereiro de 2005, residiu em Porto Alegre, assumindo a orientação espiritual do Viazen, grupo ao qual eu pertenci de 2000 a 2009.
Mais alguns dados:
1970-73 - Monge Superior do Soko-ji Zen Temple, em San Francisco, USA
1978 - Fundação do Zuigakuin International Zen Temple, próximo a Tóquio, Japão
1992 - Fundação do Hokai-ji International Zen Temple, em St.Agreve, França
1993-96 - Monge Superior do Templo Bushin-ji, em São Paulo, Brasil.
Fevereiro de 2000 – 2005 - Muda-se para Porto Alegre, Brasil.
Monja Coen (D) e Monjdia de sua ordenação
IHU On-Line – Qual a importância da vinda de Moriyama Roshi a São Leopoldo? O que ela significa para o Zen Vale dos Sinos?
Monja Kokai – Tive a grande sorte de iniciar minha prática com esse grande mestre. Essa ligação permanece para sempre. Fui sua aluna de 2001 a 2005, quando ele então voltou para o Japão. Na ocasião, ele confiou a orientação espiritual da sangha (grupo de praticantes) para Sensei Coen Roshi, abadessa do templo Tenzui Zenji, de São Paulo. Atualmente, sou sua aluna e discípula. Para mim, é uma alegria enorme poder rever meu querido mestre. Para São Leopoldo, e em especial ao Zen Vale do Sinos, é uma grande honra recebê-lo.
IHU On-Line – No dia de sua visita, haverá uma "meditação silenciosa", com zazen e a recitação de sutras. O que são esses rituais e como são celebrados?
Monja Kokai – O zen budismo é uma religião. Como tal, tem seus ritos, cerimônias e liturgia. Além disso, a meditação (zazen) é outra prática importante. Também é importante seguir os preceitos e a ética budista. Uma pratica complementa a outra, formando um corpo doutrinário que sustenta essa tradição religiosa.
IHU On-Line – Qual é a importância da figura de um mestre dentro da tradição do Zen Budismo?
Monja Kokai – Um mestre ou uma mestra zen é a conexão viva com os Budas e ancestrais. Ele/a recebeu a transmissão de um outro mestre e o fará novamente quando escolher os seus sucessores, que terão o compromisso de levar adiante os ensinamentos de Buda Shakiamuni, girando a roda do darma – dos ensinamentos budistas – em benefício de todos os seres.
IHU On-Line – Em síntese, no que consiste o Zen? Quais são os pontos principais da tradição religiosa do Zen-Budismo?
Monja Kokai – Antes de tudo, é uma religião. Tem um clero e uma hierarquia definidos e instâncias que a representam. A partir dos anos 60, foi se expandindo a partir de toda a Ásia, inicialmente para a Europa, América do Norte e em seguida América do Sul. Existem os mosteiros, os templos e os centros de prática. A palavra religião vem de religare ou releitura. É a possibilidade de ler de novo nossa própria história, rever a tapeçaria de nossa existência e colocar em perspectiva o que nos dá sentido. Budismo fala de compaixão e sabedoria. Para desenvolver essa condição, é necessário conectar mente e coração. Contatar com o sagrado que nos habita, habita todos os fenômenos, a vida em si mesma. Mas acima de tudo o zen é uma experiência pessoal e intransferível. É difícil definir o zen com palavras, pois está além de conceitos e abstrações. É como querer agarrar a água com as mãos. Zen é a possibilidade de entrar em contato com a realidade última, dimensão que a palavra não dá conta, além do pensar e do não-pensar, transpor a mente dual, tão condicionada, principalmente no Ocidente. A mente cartesiana, aquela do "penso, logo existo". Busca-se atingir o nirvana, que nada mais é do que uma mente de paz e tranquilidade.
IHU On-Line – Quais as práticas e rituais do Zen Budismo? Qual o valor da meditação?
Monja Kokai – As principais práticas são o zazen (meditação sentado), kinhin (meditação caminhando), cerimoniais, liturgia, retiros e vida monástica. As cerimônias são batizados, casamentos, funerais. Outra prática é o Samu – trabalhar com mente meditativa. Pode ser limpeza, jardinagem, cortar lenha... Na Ásia, outra prática é esmolar. Todas as manhãs, os monges pedem esmola, e a comunidade oferece os alimentos ou dinheiro que os monges necessitam. É tradição que os monges sejam sustentados pela comunidade em troca dos serviços espirituais. No Ocidente, é comum os monges trabalharem, o que às vezes limita as possibilidades do monge/a poder aprofundar sua própria prática e estudos.
A meditação, em especial, tem origem na Índia antiga e data de 5.000 anos atrás, sendo desenvolvida pelos ioges. Buda escolheu a meditação sentado, depois de viver em ascetismo durante seis anos. Sentou-se sob uma árvore durante sete noites e, no amanhecer do oitavo dia, iluminou-se . A prática do zazen (meditação sentado) facilita o caminho espiritual, integrando corpo e mente. Para que possamos ter uma condição de paz interior e termos um coração mais nobre e compassivo, conosco mesmo e com ou outros, é necessário uma mente tranquila e lúcida. Aí passamos a não ser moles demais – só coração – e nem duros demais – só racionalização). Nossa intuição emerge mais afinada e sábia.
IHU On-Line – Quem é Buda para o Zen Budismo?
Monja Kokai – Shakiamuni Buda é o fundante de todas as tradições Budistas. O príncipe Sidarta Gautama, que, ao sair dos seus castelos, o que vê? Velhice, doença e morte. Ele se compadece de ver tanta dor e sofrimento. Abandona a vida palaciana aos 29 anos e dedica o resto de sua vida a compreender e descobrir as causas de tanto sofrimento e as formas de superá-lo. Desde então até os dias atuais, os ancestrais do darma até os mestres de hoje formam uma linhagem, em que nenhum elo até hoje foi rompido.
IHU On-Line – Sendo uma tradição oriental e milenar, como a cultura local e regional recebem esses ensinamentos? Como vem sendo feita essa "importação" do Zen Budismo para cá?
Monja Kokai – O Budismo no geral tem sido muito bem recebido no Ocidente, alavancado pela globalização e por Sua Santidade, o Dalai Lama. A história do zen é mais antiga no Ocidente, tendo vindo para cá através dos Estados Unidos e da Europa a partir dos anos 60. Fala-se de construir um Budismo brasileiro. Isto, com o passar dos anos, realmente vai acontecendo. É um processo em que primeiro é necessário aprender e incorporar a tradição tal qual os grandes mestres ensinaram e difundiram. O zen tem mais de 1.200 anos e já teve tempo suficiente de aprender com seus erros, sendo então a forma atual sábia e meritosa. O Budismo, no entanto, é como a água, que vai penetrando, se adaptando e se acomodando de acordo com o local onde está se inserindo.
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Zen Budismo brasileiro: uma construção a partir de uma tradição milenar. Entrevista especial com Monja Kokai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU