02 Março 2023
Valdete Souto Severo afirma que uma consequência prevista em lei é a expropriação das terras de vinícolas onde ocorria trabalho escravo.
Após o resgate de mais de 200 trabalhadores da safra da uva em vinícolas da serra gaúcha mantidos em situação de trabalho análogo à escravidão, empregados por uma prestadora de serviço terceirizada, as três empresas vinculadas ao caso emitiram notas de esclarecimento. A Família Salton, no dia 24, a Vinícola Aurora, no dia 25, e a Cooperativa Vinícola Garibaldi, no dia 26. Em comum, o discurso de que desconheciam a situação. Apesar da tentativa de se afastar do problema, as empresas podem sim ser responsabilizadas pelo ocorrido. A juíza do trabalho Valdete Souto Severo explica que ao optarem pela terceirização, as empresas assumem também o risco do resultado dessa escolha.
A reportagem é de Duda Romagna, publicada por Sul21, 01-03-2023.
A Salton, em seu comunicado, deixa claro que atendeu às exigências legais na contratação da empresa terceirizada mas reconhece que não averiguou in loco as condições de moradia oferecidas pelo prestador aos trabalhadores. Ainda chama de “fato isolado” e “ponto de melhoria”. Os trabalhadores descreveram às autoridades que o alojamento não tinha segurança ou condições de higiene e que sofriam ameaças de agressões com uso de choques elétricos e spray de pimenta.
A Vinícola Aurora também declarou que os gestores desconheciam a “moradia desumana em que os safristas eram acomodados” após o período de trabalho. Ainda, a nota relata que a empresa pagava à terceirizada R$ 6,5 mil por mês por trabalhador e exigia os contratos de trabalho. A força-tarefa responsável pelo resgate revelou que os trabalhadores eram obrigados a comprar alimentos sempre no mesmo mercado, com preços abusivos e juros altos quando não tinham dinheiro, e sofriam desconto do salário pela moradia.
Já a Garibaldi diz que a notícia das denúncias foi uma surpresa e em nenhum momento fala sobre ter feito qualquer fiscalização à prestadora de serviços. Porém, segundo a lei brasileira, a empresa tomadora, que contrata os serviços de uma outra empresa terceirizada, é também responsável pela segurança e a saúde do trabalhador, independentemente do local de realização do trabalho.
De acordo com Valdete, a simples escolha pela terceirização é uma uma opção administrativa e, ao fazê-la em vez de contratar diretamente, a tomadora assume também o risco do resultado dessa escolha. “Se não fiscalizar e ou se fiscalizar, tem que impedir que o dano aconteça. Então, a confissão de falta de fiscalização da tomadora [no caso da Salton] significa que ela está assumindo a responsabilidade que ela tem diante desses vínculos que foram firmados desse jeito como trabalho em situação análoga à escravidão. Ou seja, o próprio fato em si já é determinante para que haja responsabilidade de quem de algum modo se beneficiou com essa situação de trabalho”, explica a doutora em direito do trabalho.
Ela compara o caso da serra gaúcha com outros como o da loja de roupas Zara, que, ainda em 2011, manteve trabalhadores terceirizados em situações análogas à escravidão. No Rio Grande do Sul, o mesmo é visto nas lavouras de fumo. “Praticamente todos os casos de trabalho em situação análoga à escravidão que foram descobertos nos últimos tempos no Brasil são de situações de trabalho terceirizado”, relata.
Valdete observa ainda que a postura adotada pelas vinícolas é a mesma de outras empresas em situação semelhante. “É sempre a mesma coisa, a declaração de surpresa, de que não sabiam de nada, de que agora tomarão providências, mas aí que está o problema, na origem, na escolha de terceirizar. Mesmo que a gente parta do pressuposto que é possível terceirizar, é preciso entender que essa escolha administrativa acaba gerando como efeito a possibilidade de acontecer coisas como essa e a tomadora realmente não saber. Então não se trata de dizer que essas vinícolas deliberadamente escolheram escravizar os trabalhadores, mas elas assumiram esse risco e a responsabilidade por isso quando resolveram terceirizar e não fiscalizaram”.
Valdete reforça que somente o pagamento de verbas rescisórias e outras consequências trabalhistas não é uma reparação à situação de trabalho escravo. A medida corresponde somente ao que já é previsto para qualquer situação de quebra de contrato. Para casos como esse, é necessária a reparação de algum modo, mesmo que em parte, dos danos sofridos, inclusive imateriais, pelas vítimas.
“Se para contratar um trabalhador o valor que você gasta é ‘x’ e a empresa resolve terceirizar para gastar com isso ‘x-50%’, é evidente que em algum lugar essa redução de valor vai se reverter. O lugar onde ela se reverte, sem nenhuma exceção, é na precarização das condições de trabalho, de quem é contratado de forma terceirizada e, nesse caso, de forma escravizada”, diz.
Para ela, uma consequência prevista em lei que poderia ser aplicada às vinícolas é a expropriação das propriedades onde o trabalho era realizado, de acordo com o Art. 243 da Constituição Federal: As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
?? O deputado Eduardo Suplicy (@esuplicy) em pronunciamento na tarde de hoje, na ALESP, denunciou as empresas envolvidas no caso de trabalho escravo e sugeriu que sejam consumidos produtos da agricultura familiar produzidos pelo MST e revendidos pela rede do Armazém do Campo. pic.twitter.com/V4K9w0SbwV
— MST Oficial (@MST_Oficial) March 1, 2023
Outra coisa que, assim, é uma obviedade: propriedade onde se encontra trabalho escravo tem que ser desapropriada. Você pode achar que o motivo é só moral, mas na verdade, é pq essas propriedade é fruto de roubo. Tem nem que pensar duas vezes.
— Aline Passos (@linpjs) March 2, 2023
AGORA: Deputado Felipe Becari (União/SP) apresenta projeto de lei para regulamentar expropriação de terras onde se encontrar trabalhadores escravizados. Proposta determina que terras serão destinadas a reforma agraria e moradias populares, mesmo que estejam hipotecadas. pic.twitter.com/3cvryYucny
— Renato Souza (@reporterenato) March 1, 2023
— Célio Turino (@celioturino) March 2, 2023
ATENÇÃO: Prefeitura de Bento Gonçalves-RS identifica em alojamento 25 trabalhadores baianos em situação característica de análoga ao trabalho escravo. Eles trabalham desde dezembro em vinícolas na região sem o recebimento de salário. Com isso, número de vítimas passa de 230. pic.twitter.com/XYD1zV68td
— Renato Souza (@reporterenato) March 2, 2023
Que lapada da jornalista no xenófobo. pic.twitter.com/Efyvx6TiZ5
— GugaNoblat (@GugaNoblat) March 2, 2023
Capataz armado com camiseta de Bolsonaro reprimia escravizados na colheita de uva. Casos de trabalho análogo à escravidão dispararam no RS.https://t.co/Y8N1dSccb5
— Lázaro Rosa ?? (@lazarorosa25) March 1, 2023
Episódio interessantíssimo de o assunto citando o caso do trabalho escravo nas vinícolas do Rio Grande do Sul. É um crime recorrente que acontece aqui no Pará também também organizado por imigrantes da região sul. https://t.co/JA9v5w5qQx
— Rodolfo Salm ????? (@rodosalm) March 2, 2023
Fenomenal! ?????? https://t.co/o4JjSxhUnc
— Mirticeli Medeiros (@MirtiMedeiros) March 2, 2023
Assim como baianos, argentinos eram vítimas de trabalho escravo em fazenda do RS. https://t.co/GLClO6dVsS pic.twitter.com/ehUS4g1HrX
— Lázaro Rosa ?? (@lazarorosa25) March 1, 2023
?URGENTE: NOVO ALOJAMENTO DESCOBERTO EM BENTO GONÇALVES!
— Matheus Gomes (@matheuspggomes) March 1, 2023
Pela segunda vez em 7 dias, temos um resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão no RS. 25 pessoas que prestavam serviços a uma empresa de criação de aves foram resgatadas.
Isso precisa acabar!
CHEGA! pic.twitter.com/PXPPbMdljO
A CNBB determinou que não sejam usados vinhos provenientes de trabalho escravo nas cerimônias.
— Sérgio A J Barretto (@SergioAJBarrett) March 1, 2023
É a Igreja Católica aderindo ao justo boicote pic.twitter.com/EgUe9mGzxM
É hora de mobilizar o RS para combater o trabalho análogo à escravidão. De 1995 a 2022, foram 15 trabalhadores resgatados POR MÊS no Estado.
— Matheus Gomes (@matheuspggomes) February 28, 2023
Quem cometeu esses crimes deve ser punido e fiscalizado para que não se repita!
Confiram um trecho da minha fala na Sessão de hoje! pic.twitter.com/dM1zluSqPK
Vocês lembram dos nossos vídeos nos supermercados? Estamos de volta, dessa vez para denunciar o trabalha análogo a escravidão. O nosso símbolo não pode ficar manchado com a mão de obra escrava. Que todos envolvidos sejam responsabilizados. Chega de lucro com a escravidão! pic.twitter.com/T8Jpme4HK0
— Laura Sito (@laurasito) March 1, 2023
?? ATENÇÃO: Vereador gaúcho que fez discurso ofendendo baianos é expulso do partido PATRIOTA.
— Eixo Político (@eixopolitico) March 1, 2023
De acordo com o partido, o pronunciamento foi "desrespeitoso e inaceitável" e "está maculado por grave desrespeito a princípios e direitos constitucionalmente assegurados". https://t.co/DeGXmi8VXZ
Está na lei: Terras que utilizam mão de obra escrava têm que ser confiscadas e para os empregadores, cadeia. pic.twitter.com/bA8dm8Bpov
— Orlando Guerreiro ????????????? (@orlandoguerreir) March 1, 2023
E agora? Qual será a desculpa do vereador racista de Caxias?
— Matheus Gomes (@matheuspggomes) March 1, 2023
Em 2022, trabalhadores argentinos foram resgatados em Putinga/RS.
Negros e indígenas são a maioria nessa condição, mas imigrantes vulneráveis também são vítimas desses exploradores abjetos.https://t.co/yWya7fZtFk
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Vinícolas assumiram responsabilidade quando resolveram terceirizar e não fiscalizaram - Instituto Humanitas Unisinos - IHU