A marcha criminosa da pecuária sobre a Amazônia explicada em números

Foto: Rural Pecuária

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

10 Dezembro 2022

Estudo inédito do Mapbiomas revela crescimento de 40% das pastagens impulsionado por falta de governança no bioma.

A reportagem é de Murilo Pajolla, publicada por Brasil de Fato, 08-12-2022.

Um mapeamento do Mapbiomas publicado na última semana revelou que a área ocupada por pastagens saltou 40% na floresta amazônica nos últimos 20 anos. Segundo a pesquisa, a Amazônia é o bioma com a maior área destinada à criação de gado, tanto em termos proporcionais (36%) como absolutos.

A região tem 55 milhões de hectares cobertos de pastos, o equivalente ao tamanho da França. No bioma estão 36% de todas as áreas de pastagens do Brasil.

Números anteriores do Mapbiomas já mostraram que desmatamento, pecuária e crime ambiental são praticamente sinônimos na Amazônia. De cada 100 hectares de floresta derrubados no ano passado, 97 tiveram a agropecuária como vetor de pressão e 98 foram desmatados ilegalmente.

A marcha criminosa da pecuária sobre a Amazônia está ligada a uma mudança radical na geografia do agronegócio do Brasil. No Sul, Sudeste e Centro Oeste, o cultivo de soja passou a ser mais lucrativo do que a bovinocultura, por causa da disparada no preço dos grãos no mercado internacional, a partir dos anos 2000.

"Tudo que é plano ou possível de fazer mecanização está virando milho, cana ou soja", diz Vinícius Mesquita, geógrafo e pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele é um dos autores do estudo do Mapbiomas que revelou o crescimento de 40% das pastagens na Amazônia.

O Mapbiomas identificou que o aumento das pastagens na região foi bastante acelerado até por volta de 2008. Nesse ano, as áreas destinadas à pecuária na floresta amazônica ultrapassam as do Cerrado, que começam a decair. A Mata Atlântica passa por um declínio acentuado de pastagens a partir de 2000.

"E isso teve o papel de pressionar o desmatamento na Amazônia pela chegada da pecuária. Criou pressão sobre terras públicas, com ou sem destinação prevista em lei. Assim é possível produzir sem pagar impostos", complementa o pesquisador.

"Boi é o zelador da terra grilada"

Dos 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, quase 1,5 milhão são terras públicas sem destinação definida, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). É nesses espaços, com terras baratas e sem fiscalização ambiental, onde a pecuária mais cresce.

Nos últimos 20 anos, 75% da área desmatada em terras públicas virou pastagem. A maioria do desmatamento em terras públicas, 87%, ocorreu nas áreas sem destinação legal. Os números são do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

O Ipam aponta que pastagens são a principal ferramenta para a ocupação de terras públicas na Amazônia. "O boi é utilizado como uma espécie de 'zelador' da terra grilada e usado para ensejar a sua 'posse'. Historicamente, esta tem sido a prática da grilagem na Amazônia", conclui relatório do Ipam assinado por sete pesquisadores.

Pecuária na Amazônia é rudimentar e pouco produtiva

Assinada em 2008, a moratória da soja, que proíbe a compra do grão cultivado em áreas recém-desmatadas, contribuiu para o avanço da pecuária sobre a floresta. Para crescer, a soja se expandiu no Cerrado e na Mata Atlântica e "expulsou" a pecuária em direção à Amazônia.

"Em áreas onde há maior pressão do setor agrícola, como no Sudeste, o custo da terra é muito alto. Manter a pecuária nessas áreas ficou um pouco complicado", afirma Vinícius Mesquita, do Mapbiomas.

"A tendência é ter uma agricultura muito mais tecnificada e com produtividade muito maior no Cerrado e na Mata Atlântica do que na Amazônia. Nesse bioma, o processo é mais rudimentar, com pastos abertos, grandes e sem muito controle. Há algumas exceções no Mato Grosso", explica o pesquisador.

Segundo ele, a pecuária na Amazônia está concentrada em três regiões: norte do Mato Grosso, tríplice fronteira entre Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro) e na área entre o Pará e o Maranhão, onde há uma das frentes mais intensas de desmatamento.

O que fazer com as pastagens degradadas?

Mas nem todas as pastagens abertas são capazes de fornecer alimento ao gado. Em 2021, 21,8% delas estavam severamente degradadas e 41% apresentavam degradação intermediária. A porcentagem de pastagens sem qualquer degradação subiu de 25% para 37% entre 2000 e 2021.

"Hoje as áreas degradadas são mais fortes em Rondônia e leste do Pará. São áreas que estão sendo abertas, mas não estão sendo bem manejadas", explica Vinícius Mesquita, do Mapbiomas.

Converter os pastos degradados em áreas produtivas ou reflorestadas é fundamental, mas não é uma tarefa fácil. As iniciativas podem esbarrar na falta de infraestrutura da Amazônia, ou mesmo no alto custo de recuperar a vegetação.

"A solução é parar o desmatamento e recuperar essas áreas que já estão abertas. Voltar ao que elas eram antes é muito difícil, principalmente para a Amazônia. Por mais que você abandone essa área, para crescer uma vegetação que vai tomar o porte de floresta vai levar outros 50 anos. E mesmo assim não vai ser a mesma coisa que era antes", diz o pesquisador.

Leia mais