06 Dezembro 2022
Os resultados das análises preliminares revelam uma transformação acelerada das florestas amazônicas. As perdas têm sido enormes, praticamente irreversíveis e sem perspectiva de reversão dessa tendência.
Os dados mais recentes do MapBiomas Amazônia reforçam a necessidade de uma ação internacional integrada para reverter a atual tendência de destruição que, se persistir, levará o bioma além de seu ponto sem retorno até o final desta década.
A reportagem é de Karol Domingues, publicada por EcoDebate, 05-12-2022.
Em 1985, apenas 6% (cerca de 50 milhões de hectares) da Amazônia haviam sido transformados em áreas antrópicas, como pastagens, lavouras, garimpos ou áreas urbanas. Em 2021, essa área quase triplicou, chegando a 15% (quase 125 milhões de hectares) de toda a região. Foi uma perda líquida de quase 10% de sua vegetação natural em apenas 37 anos.
A magnitude da destruição varia de um país para outro: no Suriname, na Guiana e na Guiana Francesa é de apenas 1,6%, mas no Brasil chega a 19%. Esse percentual está muito próximo do ponto de inflexão ou ponto sem retorno, calculado pelos cientistas na faixa entre 20% e 25% de perda da cobertura vegetal. Se a tendência atual verificada pelo MapBiomas Amazônia continuar, o bioma, que é um sumidouro de carbono de importância planetária, chegará a um ponto sem volta, afetando irreversivelmente seus serviços ecossistêmicos, e poderá se tornar uma savana.
As geleiras dos Andes amazônicos, que fornecem água para milhões de pessoas e alimentam as nascentes dos grandes rios da região, perderam 46% de seu gelo no período analisado. A atividade minerária expandiu-se 1107% (mais de 1.000 por cento, passando de 47 mil hectares em 1985 para mais de 570 mil hectares em 2021).
Os dados são resultados da Coleção MapBiomas Amazônia 4.0, iniciativa resultante da colaboração entre a RAISG (Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas) e a Rede MapBiomas.
A iniciativa mapeia com resolução de 30 metros a dinâmica, há mais de três décadas, de 18 classes diferentes de cobertura e uso do solo, como florestas, savanas, manguezais, áreas agrícolas, áreas urbanas, mineração e geleiras, dentro dos 8,4 milhões de km2 da região amazônica, que inclui a Cordilheira dos Andes, a planície amazônica e as transições com o Cerrado e o Pantanal.
Os resultados das análises preliminares revelam uma transformação acelerada das florestas amazônicas. Segundo os autores, as perdas têm sido enormes, praticamente irreversíveis e sem perspectiva de reversão dessa tendência. Os dados acendem a luz amarela e dão um sentido de urgência à necessidade de uma ação internacional integrada, decisiva e contundente.
“A Coleção MapBiomas Amazônia 4.0 é inestimável para o entendimento da dinâmica de uso dos recursos naturais da região, além de contribuir para a modelagem climática e o cálculo das emissões e remoções de gases de efeito estufa devido às mudanças no uso do solo na região” , disse Tasso Azevedo, Coordenador Geral do MapBiomas.
Beto Ricardo, coordenador geral da RAISG, acrescenta que as informações geradas pelo MapBiomas Amazônia fortalecem a Rede com dados técnico- científicos, mensagens-chave sobre a importância da Amazônia, sua grande contribuição para o mundo na regulação do clima e armazenamento de carbono, ao tempo que alerta sobre as mudanças na cobertura natural causadas por diferentes atividades antrópicas realizadas entre 1985 e 2021.
Ricardo destaca que essas atividades colocam em risco o equilíbrio natural dos ecossistemas e, com ele, a estabilidade do clima do planeta. “Publicar a Coleção 4.0 do MapBiomas Amazônia nos permite contribuir com o monitoramento da região com uma visão integral, ajudando-nos a construir e propor estratégias de conservação mais precisas com propostas e informações políticas compartilhadas entre outros países, bem como aspectos socioambientais da grande importância”.
Para María Olga Borja, coordenadora técnica do Equador, esses mapas representam uma grande contribuição para a região e para seu país: “O Equador não tem uma análise temporal tão detalhada. A periodicidade anual destes dados permite-nos medir o pulso das alterações que os ecossistemas estão sofrendo, algumas causadas diretamente pelas atividades humanas, como a conversão das florestas para a agricultura, mas outras que já apresentam sinais evidentes e mensuráveis das alterações climáticas, como a redução de geleiras e a expansão de lagos devido ao degelo, entre outros”.
Gráfico: Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM)
Os autores destacam o contraste entre a dinâmica acelerada de mudança do uso da terra ocorrida na Amazônia no período estudado, e particularmente nos últimos trinta anos, com a lentidão que caracteriza o ritmo das negociações climáticas, que nas quase três décadas desde a primeira cúpula do clima fizeram progressos modestos.
Para Harlem Mariño, coordenador de um projeto sobre mudanças climáticas liderado pela RAISG, a falta de acordos definitivos na COP27 sobre questões-chave para a mitigação das mudanças climáticas, como o abandono progressivo do uso de todos os combustíveis fósseis, terá repercussões na Amazônia: “Isso significa que as emissões de gases de efeito estufa provenientes do uso de combustíveis fósseis continuam pressionando os sumidouros de carbono, como a floresta amazônica. Além disso, essa falta de acordos pode implicar na continuidade do fomento às atividades de exploração de combustíveis fósseis na Amazônia, com a consequente redução da disponibilidade de sumidouros de carbono e o aumento das emissões de gases de efeito estufa decorrentes da mudança de uso daterra e a consequente queima desses combustíveis fósseis”, observa Mariño.
A plataforma MapBiomas Amazônia é uma ferramenta que permite a qualquer pessoa com acesso à Internet entender as mudanças no uso da terra em toda a Amazônia e as pressões sobre suas florestas e ecossistemas naturais. A informação gerada é compatível para todos os países da região e permite conhecer a situação de 18 categorias de análise, denominadas “classes”, que incluem áreas cobertas por florestas, campos naturais, manguezais, agricultura e rios. As informações são gratuitas e estão disponíveis para download.
Ela permite explorar a mais recente coleção de mapas anuais, abrangendo o período entre 1985 e 2021, e identificar mudanças na cobertura e uso da terra em um local (regional, nacional e local) e um período (ano, quinquênio, décadas, etc.) determinado. A ferramenta também apresenta estatísticas em tabelas e gráficos dinâmicos, com as mudanças de uso no período que o usuário requer e permite entender a dinâmica das mudanças dentro e fora de um Território Indígena ou Área Protegida. A plataforma permite ainda explorar dados relacionados a vetores de pressão em coberturas naturais como concessões de mineração, lotes de petróleo, estradas e usinas hidrelétricas.
MapBiomas Amazônia é uma iniciativa liderada pela RAISG com o apoio da Rede MapBiomas. A Primeira Coleção (2000–2017) foi publicada em 2019; 2020 trouxe a Segunda Coleção (1985–2018); em setembro de 2021 foi o lançamento da Terceira Coleção (1985–2020). A Quarta Coleção abrange o período de 1985 a 2021.
Inicialmente, a ferramenta de mapeamento de uso da terra foi desenvolvida pelo MapBiomas para ser aplicada no Brasil e foi necessário aprimorá-la com a contribuição de organizações associadas à RAISG para adequar os resultados e análises à geografia de cada país. Desta forma, o conhecimento existente a nível local permite melhorar a ferramenta e refinar a interpretação dos dados. O método utilizado nos permitiu padronizar os biomas incluídos na análise, de modo que os nove países amazônicos compartilham o Bioma Amazônia, enquanto Peru, Equador e Bolívia também compartilham o Bioma Andino.
MapBiomas Amazônia leva em consideração as variações altitudinais típicas da Amazônia andina, que vão desde as geleiras andinas até as formações florestais das planícies amazônicas.
A RAISG é a Rede de Informação Socioambiental Georreferenciada da Amazônia, um consórcio de organizações da sociedade civil de países amazônicos voltado para a sustentabilidade socioambiental da Amazônia, com o apoio da cooperação internacional.
A RAISG gera e dissemina conhecimento, dados estatísticos e informações socioambientais geoespaciais sobre a Amazônia, elaboradas com protocolos comunitários para todos os países da região; facilita a visualização da Amazônia como um todo, bem como das ameaças e pressões que pesam sobre ela. A RAISG é resultado da cooperação de oito organizações da sociedade civil que atuam em seis países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
O MapBiomas surgiu no Brasil como uma iniciativa multiinstitucional que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia que se unem para contribuir com o entendimento das transformações do território brasileiro a partir do mapa anual de cobertura e uso da terra no Brasil. Atualmente, esta rede reúne mais de 70 instituições da América Latina e Indonésia em 7 iniciativas e 14 países comprometidos com a geração de dados, métodos, ferramentas e informações que orientem a conservação e a tomada de decisões em torno dos recursos naturais.
Em agosto de 2021, o MapBiomas publicou a Coleção 7 de mapas de cobertura e uso da terra de solo do Brasil de 1985 a 2021. As ferramentas desenvolvidas pela rede MapBiomas para todas as suas iniciativas apresentam informações geradas com resolução espacial de no mínimo 30 metros. Os dados são processados usando algoritmos de classificação automática por meio das informações da nuvem do Google Earth Engine.
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Pan-Amazônia perdeu 9,7% de sua vegetação natural em 37 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU