29 Novembro 2022
"A fé e a incredulidade não se distribuem com cânones estabelecidos por nós, habitam tanto o crente em Deus quanto aquele que sabe ter confiança sem pensar em Deus", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 28-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em uma conversa com um teólogo cristão sobre o tema da fé, Umberto Galimberti a certa altura se levanta e declara com veemência: “Sinto-me ofendido pela cultura cristã que chama aqueles que não creem de ‘não crentes’, no negativo, e aqueles que não creem em Deus, de ‘ateus’, que é outro negativo. Temos direito à cidadania sem sermos definidos de forma negativa”. Essa reivindicação é significativa: por um lado, atesta a dificuldade dos cristãos em definir aqueles que não se professam crentes em Deus como eles; por outro, parece-me que uma pergunta para os cristãos possa ser identificada aqui.
Quem é aquele que crê? Crer significa aderir, ter confiança, confiar-se a... Crer encerra em si a esperança. Estamos conscientes de que, embora haja uma diferença cristã, esta não reside na capacidade de crer: muitos humanos vivem pela fé, alimentando diariamente pensamentos e atos de confiança, aderem a uma orientação de estar no mundo e torná-lo mais habitável e humano, enquanto outros que, ao contrário dos primeiros, se dizem cristãos e alimentam-se de um cinismo que os marca através de doutrinas que não exigem nenhum ato de confiança, nem caminho para uma meta que os precede como uma promessa.
Para os judeus, a fé é antes de tudo humana, é um ato de confiança que se sustenta mesmo sem um objeto em que crer, mas também para os cristãos, essa fé permanece primordial como ato absoluto que se consuma na relação cotidiana com os outros. Como é possível crer em Deus que não se vê, ou em Cristo, se não se consegue confiar nos humanos que vemos e com quem convivemos? Antes de reclamar da crise de fé em Deus, nós, cristãos, devemos nos perguntar sobre a crise de fé no próximo.
Não só Deus morreu, morreu também o próximo. Se a fé cristã é entendida como um seguir, um ser empenhado num seguimento, em um chamado de Jesus, quem não se confessa cristão não deve ser chamado de "não crente". Até Jesus se admirou de encontrar fé entre os gregos e não a encontrar entre os judeus, o povo da aliança com Deus.
A fé e a incredulidade não se distribuem com cânones estabelecidos por nós, habitam tanto o crente em Deus quanto aquele que sabe ter confiança sem pensar em Deus. Aqueles se dizem crentes muitas vezes não têm nada em comum entre si, não têm o mesmo Deus porque têm imagens diferentes dele. Há um crente em cada ateu e há um ateu em cada crente, aliás Ernst Bloch escreveu que "apenas um ateu pode ser um bom cristão, só um cristão pode ser um bom ateu", porque tinha entendido como o cristianismo é negação da religião para a qual basta um deus para funcionar.
Em nosso mundo globalizado, a maré dos que não creem em Deus é ampla e crescente. Não seria oportuno que as igrejas tentassem tornar cúmplice essa realidade, atentar para a confiança, que não é ausente, em vez de estar atentas apenas aos crentes em Deus das outras religiões? Teófilo de Antioquia escreveu: "Você me pede para lhe mostrar o Deus em que creio, mas eu lhe mostrarei o homem em que creio e, se você quiser, entenderá o meu Deus."
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Quem são os crentes. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU