"Os bispos alemães sabem, por estudo e por experiência, que sem reformas institucionais e culturais, bem pouco poderá ser feito sobre abusos, poder, sexualidade e papel da mulher. Anunciar o Evangelho, sem enfrentar esses nós, corre o risco de ser apenas uma ilusão autorreferencial. Os sinais dos tempos parecem maduros para impor uma nova e diferente mediação. Sobre tudo isso, a forma do encontro realizado, muito mais do que a qualidade das argumentações expressas, poderá dar um espaço razoável para uma maior abertura e escuta recíproca".
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado por Come Se Non, 25-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A publicação integral das três manifestações que estruturaram o encontro entre os bispos alemães e a Cúria Romana, no Osservatore Romano, é o precioso testemunho de um desejo de comunhão e de unidade que merece ser sublinhado e valorizado. É significativo que o confronto não tenha assumido a habitual forma burocrática e fechada, mas uma dimensão pública e compartilhada: já é um fruto procedimental do Caminho Sinodal e do Sínodo universal. Obviamente, isso não esconde, mas manifesta ainda melhor os pontos de divergência, que, no entanto, devem ser inseridos nesse desejo comum de unidade. Os três textos (de Bätzing, Ladaria e Ouellet, leia na íntegra aqui) oferecem um quadro significativo das preocupações comuns, das demandas parcialmente diferentes e de algumas respostas claramente diferentes às mesmas demandas. Gostaria de fazer uma análise apenas dos pontos em que as objeções da Cúria encontram dificuldade, examinando com algum cuidado que tipo de argumentação é proposta à atenção da contraparte. Isso pode ser útil para desvendar alguns nós das questões e mostrar distâncias e proximidades talvez inesperadas. Começo examinando as objeções levantadas pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Ladaria.
a) A solicitação de um "gênero literário" menos rico e articulado me parece razoável. A grande produção que o Caminho Sinodal Alemão gerou, relembrado em detalhes na manifestação de Bätzing, pode levantar problemas de interpretação, em referência a fontes e linguagens que não são totalmente transparentes para um leitor externo. Um "olhar romano" que pede explicações e referências pode ser precioso nisso. Não posso esquecer, porém, que uma objeção ao Concílio Vaticano II soou, na época, exatamente da mesma maneira. Como os documentos do Vaticano II não falavam a linguagem da tradição magisterial clássica, pareciam "pouco rigorosos", enquanto constituíam justamente por isso, já então, um "evento linguístico" exatamente por essa substancial mudança de registro. O cardeal Schoenborn também afirmou algo semelhante sobre a Amoris laetitia, que mudava a maneira de falar sobre o casamento e a família, em comparação com os estilos estabelecidos durante os séculos XIX e XX. Por outro lado, repito, parece-me razoável a referência a uma "síntese" tão clara quanto possível no uso das fontes, nas referências à tradição e nas implicações que as ciências humanas aportam para a consciência eclesial e para a compreensão teológica.
b) A segunda preocupação é mais complexa e aborda a correlação entre a estrutura da Igreja e a experiência dos abusos. A defesa da competência episcopal e da Igreja local, como tal, não me parece implicar o redimensionamento das distorções que o poder, o ministério, a sexualidade e o papel da mulher comportam e sobre as quais é necessária uma lúcida capacidade de reforma. A redução do mistério da Igreja a um "sistema de poder", que ninguém pode permitir-se, não é, entretanto, evitada pela salvaguarda de uma absoluta reserva episcopal, precisamente porque grande parte dos problemas derivam precisamente do carácter absoluto dessa reserva hierárquica. Que todo o poder esteja apenas no papa e nos bispos é a imagem de uma "pirâmide não invertida" que causa problemas. Aqui há uma correlação indissolúvel entre Evangelho e forma cultural. O que está em jogo aqui é uma compreensão do exercício da autoridade, que não pode encontrar solução na forma monárquica, que sozinha garantiria o mistério da Igreja e a Igreja como mistério.
c) O terceiro ponto, a sexualidade, parece ser tratado com uma dupla argumentação totalmente clássica. Em primeiro lugar, a referência decisiva parece ser o CIC, que mereceria uma proteção total contra as muitas críticas razoáveis propostas pelo Caminho Sinodal. Dever-se-ia evitar qualquer perturbação do povo de Deus, que se sentiria inquietado não pela persistência de textos inadequados, mas por uma sua alteração. Parece surgir aqui a mesma lógica que foi usada, depois de Amoris laetitia, em defesa daqueles que "tinham obedecido à Igreja" e que agora encontravam possível um caminho diferente e quase se sentiam traídos por ela. Em última análise, trata-se da resistência do privilégio do "irmão mais velho" ao reconhecimento do "filho pródigo". O horizonte de comunhão, porém, não é o CIC, mas a condição do povo de Deus em relação à Palavra, à qual o CIC deve dar respostas plausíveis a partir de uma leitura mais complexa da tradição. Aqui me parece a diferença não resolvida pela objeção. O mesmo me parece valer para a referência final ao "caráter constitutivamente generativo e geracional do ser humano", que retoma a primazia do bonum prolis sobre o bonum fidei e o bonum coniugum. Já Amoris laetitia observava como essa insistência no "bonum prolis" para cada relação sexual não seja apenas um serviço à tradição.
d) No quarto ponto, sobre o papel ministerial das mulheres, fundem-se duas argumentações muito semelhantes: por um lado, reitera-se a "falta de poder da Igreja sobre a ordenação sacerdotal da mulher", que se lastima que o Caminho não leve em consideração. Ao mesmo tempo, observa-se que "reconhecer que se pertence ao corpo maior da Igreja" implicaria uma plena sintonia sobre esse ponto e, em todo caso, tons diferentes. Talvez essa polarização dependa também da falta de distinção entre participação das mulheres no sacramento da ordem (nunca excluída) e ordenação sacerdotal (atualmente excluída). Nesse ponto, creio, uma real reaproximação de posições seria possível e não tão complicada. Desde que o sinal dos tempos “mulher” seja reconhecido em toda a sua dignidade, sem “complexos de superioridade” e sem predeterminações a priori.
e) O quinto ponto ressalta a diferença entre magistério episcopal e papal e outras autoridades eclesiais (teólogos, especialistas, outros ministros). Também nesse caso a argumentação é aquela de alertar contra uma "substituição" ou "assimilação" entre diferentes sujeitos "por essência". Talvez poderia ser útil tematizar mais a correlação entre diferentes autoridades, de que a Igreja precisa. Sem tirar nada do carisma episcopal e papal, o reconhecimento de "outras autoridades" parece-me ser um dos principais objetivos de todo Sínodo e de todo caminho sinodal. Significativo é que, logo no início de sua manifestação, G. Bätzing tenha lembrado como os 62 bispos presentes fossem uma minoria em relação aos responsáveis pelo Caminho Sinodal Alemão, aos quais dirigia seu profundo agradecimento. Aqui, como é evidente, é uma experiência de exercício da autoridade que sugeriu as diferentes palavras e tons, na Alemanha e em Roma.
Passo agora às observações levantadas pelo prefeito da Congregação dos Bispos, cardeal Ouellet.
Depois de ter elogiado o empenho "tipicamente alemão" em estudar a crise eclesial, o fenômeno dos abusos e as causas estruturais que o acompanharam e favoreceram, levanta-se uma primeira objeção: como é possível que a agenda dos teólogos de 30 anos atrás tenha se tornado não apenas o conteúdo explícito do caminho sinodal, mas a proposta majoritária do episcopado? E é feita a lista de temas: "abolição do celibato obrigatório, ordenação de viri probati, acesso da mulher ao ministério ordenado, reavaliação moral da homossexualidade, limitação estrutural e funcional do poder hierárquico, consideração da sexualidade inspirada na teoria de gênero, importantes mudanças propostas no Catecismo da Igreja Católica, etc.”
A primeira tese é a seguinte: "parece que a história dos abusos, muito grave, tenha sido em todo caso explorada para fazer passar outras ideias que não imediatamente relacionadas". O argumento é puramente hipotético, quase se recusa a refletir realmente sobre o fenômeno e acredita que o perfil "estrutural" do problema tenha sido superestimado e até "explorado" como pretexto. Disso deriva o "escândalo dos pequenos", que devem ser protegidos. Não se trataria de uma reforma necessária, mas de uma "mudança da Igreja" e de uma "ruptura da tradição" que só levaria a perturbações e desorientações.
Daí a proposta de uma "moratória" (que de imediato suscitou o burburinho dos bispos na sala) assim formulada: "Tendo em conta as circunstâncias e as tensões agudas que acompanharam as sessões no momento das votações, tendo em conta sobretudo a consulta em curso para o Sínodo Universal sobre a Sinodalidade, parece-nos necessário haver uma moratória sobre as propostas apresentadas e uma revisão substancial a ser feita posteriormente, à luz dos resultados do Sínodo romano”.
É curioso que Ouellet diga não "Sínodo universal", mas "Sínodo romano": a percepção do desafio diante de uma necessária "mudança de paradigma" parece substancialmente incompreendida e reduzida à simples desobediência ou ruptura.
Muito interessante é o fato de o juízo que acompanha a proposta de “moratória” (não causalmente expressa recorrendo a uma linguagem bélica) assumir que a “guerra à tradição” atribuída ao Caminho alemão seja fundada numa limitação “apologética”. Aqui está o raciocínio específico:
“A principal limitação dessa proposta talvez seja uma certa orientação apologética, baseada nas mudanças culturais em vez de se apoiar no anúncio renovado do Evangelho. Vocês possuem ouro e prata, ciência e prestígio amplamente reconhecidos e gerem tudo com generosidade, não se esqueçam de testemunhar com força e simplicidade a fé em Jesus Cristo da qual o vosso povo é demandante.”
Anunciar o Evangelho implicaria evitar qualquer verdadeiro confronto com os desafios culturais, e simplesmente permanecer fieis à repetição do depositum na versão garantida pelo CIC? A inversão da dificuldade aparece plena e clara. Uma Cúria Romana, que se mostra apologeticamente perturbada pelo Caminho Sinodal Alemão, acha correto contestar justamente aos textos do Caminho uma abordagem "demasiado apologética"! Sobre o sentido da "apologética", talvez um diálogo adicional resultaria benéfico.
Em conclusão, encontramos também expresso apretis verbis a suposta ligação entre essa posição curial e o magistério do Papa Francisco, nos termos de uma simples "conversão espiritual", certamente necessária, mas que não se deixa seduzir pela confiança nas reformas institucionais. Nem mesmo um traço de "Igreja em saída", de "hospital de campanha", de "mudança de paradigma", de "igreja atribulada" aparece nesta visão.
“Com o exemplo e o ensinamento do Papa Francisco, podemos voltar ao espírito dos Atos dos Apóstolos, oferecendo sobretudo Jesus Cristo aos necessitados de cuidado e de conversão do nosso povo, sem pretender que soluções culturais ou institucionais sejam indispensáveis para tornar credível a figura de Jesus, embora proposta por ministros imperfeitos, mas confiantes na graça e misericórdia divinas. Esta é a mensagem inicial do Papa Francisco que agora deve ser retomada e aplicada na revisão dos resultados do Caminho Sinodal.”
A desconfiança em relação a qualquer reforma institucional e a qualquer mudança de paradigma cultural aparece aqui muito clara: é quase um a priori indiscutível. A Cúria tende a sublinhar uma leitura puramente espiritual do magistério papal de Francisco e sem verdadeiras consequências institucionais. "Sem pretender que as reformas sejam indispensáveis" significa, na realidade, poder e ter que renunciar a elas. Desta forma, porém, os sínodos correm o risco de produzir apenas "discursos edificantes". O gênero literário certamente estaria garantido, mas seria bem pouco. Os bispos alemães sabem, por estudo e por experiência, que sem reformas institucionais e culturais, bem pouco poderá ser feito sobre abusos, poder, sexualidade e papel da mulher. Anunciar o Evangelho, sem enfrentar esses nós, corre o risco de ser apenas uma ilusão autorreferencial. Os sinais dos tempos parecem maduros para impor uma nova e diferente mediação. Sobre tudo isso, a forma do encontro realizado, muito mais do que a qualidade das argumentações expressas, poderá dar um espaço razoável para uma maior abertura e escuta recíproca.