07 Novembro 2022
"Francisco é político no momento em que - a uma análise racional dos custos e perdas da guerra insensata na Ucrânia, perdas para os ucranianos, para os europeus, para o mundo, altos custos econômicos para a população dos Estados Unidos intolerante com a crise econômica em caminho - propõe um cessar-fogo imediato, preliminar indispensável a uma séria negociação", escreve Marco Politi, ensaísta italiano e vaticanista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 05-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quem quer procurar o "responsável" pela manifestação na Piazza San Giovanni, o promotor, o instigador, o catalisador (cada um escolha o rótulo que preferir), não precisa ir muito longe. O nome é Jorge Mario Bergoglio.
A tenacidade e a insistência do Papa Francisco, mês após mês, intervenção após intervenção, deram o impulso a essa onda de massa que escolheu a data de 5 de novembro para afirmar a vontade de encontrar uma solução para a tragédia ucraniana.
Durante 255 dias, o pontífice argentino representou uma obstinada voz alternativa à passividade do governo Draghi, agora herdada pelo governo Meloni. Condenou repetidamente a destruição e a violência infligidas pelos russos à "atormentada Ucrânia", denunciou claramente as responsabilidades de Moscou e, ao mesmo tempo, lembrou que o conflito não era inevitável, que a corrida ao rearmamento em curso é insensata, que a continuação da guerra não leva a lugar nenhum e que a única saída é aquela milenar: parar os combates, sentar à mesa e negociar um acordo de paz.
O notável é que Bergoglio interceptou os sentimentos e pensamentos de uma parte muito grande da opinião pública italiana, provavelmente majoritária, e de uma parte considerável da classe política, mesmo que muitas vezes não ousa se manifestar.
É evidente que a estratégia apontada por Francisco é antitética tanto à excitação bélica daqueles que bradam por "vitória, vitória" quanto à decisão unilateral do presidente ucraniano Zelensky de não "tratar com Putin" (decisão que não foi discutida em nenhum parlamento ocidental, em nenhuma reunião da União Europeia, em nenhuma sede da OTAN ou do G7).
A resposta daqueles que, na mídia e na política, apoiam a estratégia de guerra total contra Putin para colocar a Rússia de joelhos é tripla. Diz-se banalmente que "o Papa faz o seu trabalho", fala de uma moral elevada, e vamos deixar para lá. Ou simplesmente é ignorado, talvez declarando com involuntário humor em algum talk show que não pode fazer a exegese do pensamento papal.
O terceiro tipo de reação é passar ao insulto daqueles que se reconhecem nas posições de Francisco e por isso se mobilizam. É florilégio refinado: os manifestantes seriam belas almas sem concretude, são confusos, incoerentes, respeitam os ucranianos, mas não querem apoiá-los, sonham com a paz e não pretendem enviar nem um estilingue para Kiev. As entrelinhas nem são tão veladas: assim permitem que a Rússia mate, estupre, destrua e saqueie em solo ucraniano.
Para o observador, tal emaranhado de insultos é um sinal preocupante de uma histeria digna de Guerra Fria, uma embriaguez estilo Dr. Fantástico que se pensava ultrapassada.
Na realidade, o objetivo da manifestação reflete exatamente a concretude da estratégia traçada por Francisco. Uma estratégia factual e realista. No dia 5 de novembro, aqueles que, respondendo ao primeiro apelo da Acli e Arci e à mobilização da rede Europe for Peace (que, entretanto, reuniu 600 grupos), chegam à Piazza San Giovanni pedem algo específico, que é não genericamente a paz.
Aqueles que chegam pedem um "cessar-fogo". Uma trégua na luta para abrir uma mesa de negociação onde examinar os vários problemas de fato. Desde sempre é a única maneira de acabar com uma guerra. Pegar os problemas individuais e identificar o melhor acordo-compromisso possível.
“Vamos apagar o fogo, agora” é a manchete em caracteres garrafais do Avvenire. Para evitar dúvidas.
O Vaticano não é o Papeete onde se lançam slogans entre um mojito e outro. No plano geopolítico, nada acontece por acaso nos palácios do Vaticano. Nas últimas semanas, o presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, o economista Stefano Zamagni, publicou um Plano de Paz para uma solução "justa e duradoura" para o conflito. É um memorando que analisa com precisão as questões individuais do conflito (garantias globais para a Ucrânia, neutralidade, Crimeia, Donbass, portos do Mar Negro, "Plano Marshall" para Kiev, compromisso russo para a reconstrução da Ucrânia), bem como os aspectos globais para um novo sistema de relações internacionais.
Alguém pode pensar que não passa de um exercício literário, devido ao capricho inventivo de Zamagni? Sem a aprovação da Secretaria de Estado e o incentivo do Papa Francisco? Alguém pode fingir acreditar que na Pontifícia Academia de Ciências um grupo de trabalho internacional, coordenado pelo economista americano Jeffrey Sachs, tenha iniciado na primavera europeia passada a analisar os termos do conflito russo-estadunidense apenas para fazer uma pouco de ginástica mental?
Na realidade, o Vaticano de Francisco, com muito tato diplomático e cautela, está fazendo uma proposta política. Compartilhável ou não. Mas totalmente política. Uma proposta que entra no mérito dos problemas. E sobre o qual a opinião pública e os governantes são chamados a se posicionar.
João XXIII foi político quando se colocou à disposição para a mediação na cubana de 1962. João Paulo II foi político quando apoiou o Solidariedade sem jamais incitar um confronto com o governo polonês e com Moscou. E, novamente, João Paulo II foi político quando manobrou todas as alavancas diplomáticas e de intervenção pública possíveis para impedir que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha recebessem luz verde do Conselho de Segurança da ONU para a invasão do Iraque.
Francisco é político no momento em que - a uma análise racional dos custos e perdas da guerra insensata na Ucrânia, perdas para os ucranianos, para os europeus, para o mundo, altos custos econômicos para a população dos Estados Unidos intolerante com a crise econômica em caminho - propõe um cessar-fogo imediato, preliminar indispensável a uma séria negociação.
“Não poderá haver uma solução militar para o conflito porque a Rússia não alcançou seus objetivos estratégicos e porque a Ucrânia reagiu com um forte senso de nação. Por outro lado, os territórios tomados pelos russos não podem ser reconquistados”. Não é o sermão de um padre que quer que tudo se arrume, mas o juízo do Chefe do Estado-Maior da Defesa, Almirante Giuseppe Cavo Dragone.
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Ucrânia, para o Papa a única proposta realista é um cessar-fogo imediato para começar a negociar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU