14 Novembro 2023
Hartmut Rosa é professor de Sociologia Geral e Teórica na Universidade Friedrich Schiller, de Jena, e diretor do Colégio Max Weber. Considerado um dos representantes da nova teoria crítica, entre suas obras se destacam: Alienação e aceleração, Resonancia e Lo indisponible.
“Corremos desesperadamente por uma escada rolante invertida”, explica o filósofo e sociólogo alemão Hartmud Rosa (Lörrach, 1965). “E se não corrermos, declinaremos”, acrescenta. Nascido na região verde da Floresta Negra alemã, o pensador, um dos maiores expoentes contemporâneos da Escola de Frankfurt, participou de um diálogo organizado por Iruñeko topaketak 72/22, junto com o filósofo chinês Yuk Hui, em que refletiram sobre a aceleração do tempo e a questão da tecnologia.
Precisamente, o estudo dos conceitos aceleração e ressonância fez de Rosa um dos autores alemães mais lidos no campo da teoria crítica. Rosa argumenta que no século XXI experimentamos uma nova forma de aceleração em todos os campos. As economias capitalistas modernas precisam crescer, acelerar, otimizar e inovar constantemente para manter seu status quo, e isso gera graves formas de alienação e um desgaste coletivo que se traduz em desesperança, falta de expectativas, estresse, ansiedade ... “Ninguém pode escapar” da aceleração social, que Rosa define como uma nova forma de totalitarismo.
Seu trabalho consiste em buscar um conceito contrário a essa alienação, em encontrar “outra forma de estar no mundo, outro modo de ser e estar”, uma filosofia “da boa vida” que ele define como “ressonância” e que tem a ver com estar conectado com algo, uma pessoa, um livro ou mesmo uma melodia. “Quando você está em ressonância com algo, você muda, não é mais a mesma pessoa”, afirma.
A entrevista é de Ibai Azparren, publicada por Naiz, 22-10-2022. A tradução é do Cepat.
A entrevista foi publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, no dia 30-10-2022.
Essa sensação de urgência constante é algo comum nesta época. Temos a percepção de que não chegamos a nada. O tempo passa mais rápido do que nunca?
Essa é a pergunta que me levou a pesquisar todos esses temas, e tem a ver com a aceleração social. Eu me perguntava por que nunca tenho tempo, se era porque não sou bom administrando o tempo. Então, percebi que, hoje em dia, todo mundo tem esse problema, que é estrutural.
O tempo, claro, corre na mesma velocidade, o que acontece é que cada vez tentamos fazer mais coisas ao mesmo tempo. Enviamos e-mails e não cartas graças à tecnologia, mas temos que administrar mais mensagens ao mesmo tempo.
Essa aceleração, afirma, não nos torna mais felizes, ao contrário, contribui para produzir uma crescente alienação. Quanta velocidade podemos suportar?
Estamos indo muito mais rápido do que pensavam que seria possível no século XVIII. Quando a ferrovia foi inventada, os médicos diziam que era impossível que o corpo humano tolerasse aquelas velocidades, que iria destruir nossos cérebros. E é verdade que se não estamos acostumados a caminhar em uma velocidade tão alta, ficamos tontos. Mas os seres humanos se adaptam a tudo.
A quantidade de informação que recebemos hoje deixaria qualquer pessoa tonta nos anos 1950 ou 1980. Não obstante, há limites em nossos corpos e nas mentes, então, temos os picos de depressão ou suicídio, e também há limites ecológicos.
Mas o mais importante é que você fez a pergunta errada, porque não devemos nos perguntar até que ponto podemos suportar, mas até que ponto queremos suportar, e como podemos tornar tudo isso compatível com a boa vida, com o viver bem.
Quando começou esse tempo que acelera o mundo e nossas vidas cotidianas? O capitalismo foi o gatilho?
É uma pergunta muito boa e difícil de responder. Alguns dizem que sim, que o capitalismo foi o gatilho. Acredito que é uma mudança que vem ocorrendo desde a passagem do sistema feudal para o moderno. Tudo tem a ver com a estabilização dinâmica, ou seja, em nossa sociedade moderna essa estabilização só pode ser encontrada na velocidade e na inovação.
No capitalismo vemos isso de forma muito clara. O capital tem que se movimentar, acumular, e para que haja atividade econômica alguém tem que investir dinheiro para conseguir mais dinheiro. Há uma aceleração, um crescimento constante.
E essa aceleração se estende a todos os campos.
Antes, o conhecimento passava de geração em geração e era conservado, mas hoje, no mundo acadêmico, é preciso aumentar, não se trata apenas de preservar. É preciso esticar os limites e ir além. E o mesmo no mundo da arte, é necessário fazer algo novo constantemente.
No mundo da política, as eleições se baseiam na concorrência, ou seja, vote no meu partido e você terá mais trabalho, mais saúde, sempre mais. O capitalismo desempenha um papel muito importante, mas tudo começou no século XVIII.
Mas um trabalhador ou trabalhadora quer mais empregos, salários mais altos, um apartamento para morar. Não se deve renunciar a isso, certo?
Todos nós queremos uma vida melhor e nos sentimos frustrados porque não conseguimos o que nos prometeram, e jogam a culpa nos imigrantes, por exemplo. Há pessoas que não têm comida ou um lugar para dormir, mas não se beneficiam da estabilização dinâmica.
Mesmo assim, na Alemanha, todos os partidos políticos prometem crescimento. Como vamos crescer mais? Precisamos de mais carros? Mais aviões? Mais telefones celulares? Mas, sem dúvida, o mais interessante é a questão dos alimentos: há milhares de pessoas que passam fome, mas não podem se dar ao luxo de comprar os alimentos que produzimos no Ocidente, onde há muita gente obesa.
Nós não precisamos desses alimentos e, além disso, manipulam os alimentos para que o estômago não envie ao cérebro o sinal de que estamos cheios. Mas Liz Truss e o Governo alemão dizem que precisamos de crescimento. Não sou um profeta do decrescimento, mas penso que necessitamos ao menos parar esse crescimento que nos levou a níveis absurdos.
Essa aceleração é a causa, como você explica, da crise ecológica e financeira, da crise de representatividade. No entanto, é possível desacelerar tudo?
Cheguei à conclusão de que a aceleração não é o principal problema, mas o modo de agressão em que vivemos. Somos agressivos com a natureza, que exploramos e poluímos. Há cada vez mais agressão entre os partidos políticos e somos cada vez mais agressivos com nós mesmos.
Todas as culturas têm suas próprias interpretações sobre o que significa estar no mundo. Na sociedade moderna, essa interpretação passa por controlá-lo. Além disso, queremos ampliar os horizontes.
Concretamente, Bezos e Musk querem controlar até os confins do universo. O que nos impulsiona a avançar é essa promessa de conseguir mais, mas também o medo, que é um motor que diz que se não fizermos tudo isso, vamos perder nosso lugar na sociedade.
O que deve mudar?
É preciso diminuir o medo na sociedade, e o que podemos fazer nesse sentido é estabelecer a renda básica universal. Você vai receber um valor todo mês, vai receber um mínimo para poder existir no mundo e mudar o chip e o significado do que é ter uma vida boa, que precisa se conectar com a ressonância, não com ter mais coisas.
Isso implica uma mudança muito profunda em nosso marco cultural e institucional. O que precisa mudar? É um pouco como alguém na Idade Média perguntando o que fazer para chegar à modernidade. Não é apenas uma coisa, é um acúmulo de pequenas coisas.
Essa ideia de ressonância como algo que conecta, como algo que oferece uma sensação diferente, não nos é oferecida por um carro anunciado entre belas campinas ou um hambúrguer do MacDonald’s?
A observação é muito acertada. O capitalismo se baseia no consumo e nesse desejo de conseguir ressonância. Ou seja, vou comer aquele hambúrguer e vou me sentir vivo, e se como uma maçã, vou me sentir conectado com a natureza. O capitalismo pega meu desejo de ressonância e o transforma em um carro, mas não funciona, não pode ser fabricado.
Eu compro um carro e não consigo a ressonância porque é uma falsa promessa. O que faço? Continuo comprando. É assim que o capitalismo funciona, precisa nos decepcionar e, de fato, sempre consegue. Eu ainda compro CDs, sobretudo porque quero conseguir essa ressonância, mas ao final não me sinto satisfeito.
E a extrema-direita? Conseguiu se conectar?
O mesmo acontece com o populismo de direita. Em 2016, Donald Trump, no discurso em que anunciou sua candidatura, falava dos esquecidos de Detroit, dos esquecidos do cinturão da ferrugem. Agora eu sou sua voz, dizia, e prometia ressonância. Mas era uma falsa promessa, porque não queria devolver a voz para eles, mas ser a sua voz, vocês calem-se.
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“Parar esse crescimento que nos levou a níveis absurdos”. Entrevista com Hartmut Rosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU