09 Agosto 2022
Diante de uma Plaza de Bolívar repleta de uma multidão esperançosa, Gustavo Petro foi empossado como presidente da Colômbia. O centro de Bogotá estava repleto de símbolos: uma caminhada do Itamaraty ao Palácio de Nariño sem tapete vermelho, com guarda indígena e as pessoas presentes com suas diversidades.
A reportagem é de Mercedes Lopez San Miguel, publicada por Página/12, 08-08-2022.
Trata-se da ascensão não só de uma ideologia que nunca governou o país, mas de uma classe social, uma etnia, algumas organizações sociais, alguns trabalhadores que não só não chegaram ao poder, como foram perseguidos.
Outro símbolo: o líder de esquerda recebeu a faixa presidencial da senadora María José Pizarro, filha de Carlos Pizarro, ex-guerrilheiro do M-19, assassinado em 1990 quando era candidato à presidência. Depois de empossar a vice-presidente Francia Márquez e receber a espada de Bolívar – que chegou atrasada por decisão do pelo governo cessante de Iván Duque -, Petro foi à praça, parafraseando o final de Cem Anos de Solidão. "Hoje nossa segunda chance começa."
Entre as primeiras definições como novo presidente, destacou sua vontade de cumprir o Acordo de Paz de Havana e abrir um diálogo com os grupos armados para encerrar seis décadas de conflito violento. E enfatizou que para que a paz seja possível é preciso mudar a política de entorpecentes. "A guerra às drogas falhou", disse ele com força.
Petro continuou com essa ideia, que alude à política antinarcóticos apoiada financeira e militarmente pelos Estados Unidos. "A guerra às drogas matou um milhão de latino-americanos nestes 40 anos e deixou 70 mil norte-americanos mortos por overdose a cada ano. A guerra às drogas levou os Estados a cometer crimes e evaporou o horizonte da democracia".
O novo presidente colombiano prometeu combater a desigualdade e a fome. "10% da população colombiana tem 70% da riqueza, é um despropósito e amoralidade."
Ele imediatamente falou de uma reforma tributária. "É simplesmente o pagamento solidário que um sortudo faz a uma sociedade que permite e garante sua fortuna."
Trata-se de refazer o modelo neoliberal tão profundamente enraizado na Colômbia. O novo governo propõe como primeiras medidas de enfrentamento à pobreza, que atinge mais de 40% da população, uma lei contra a fome e uma renda básica, que constam do programa do Pacto Histórico.
Estas medidas requerem recursos. Para o professor Jairo Estrada Álvarez, do Departamento de Ciência Política da Universidade Nacional da Colômbia, a reforma tributária é fundamental para enfrentar essas iniciativas. "O novo governo encontra-se com um déficit fiscal superior a 7% do PIB, consequentemente, inicia seu mandato com o pote raspado, como se diz em linguagem coloquial. Se pretende realizar medidas redistributivas, exige recursos fiscais que deve ser proporcionada pela reforma tributária, que pode ter um valor estimado em 12 bilhões de dólares, o equivalente a 4 ou 5 pontos do PIB e precisa redefinir a estrutura tributária que até agora favorecia o grande capital, ou seja, tributar o patrimônio dos grandes potentados. Não punirá os setores médios e pobres com impostos mais altos".
Em seu plano de governo, Petro anunciou que a igualdade de gênero é possível e que as tarefas de cuidado devem ser consideradas, já que as mulheres costumam dedicar três ou quatro vezes mais horas a elas. "É hora de combater essas desigualdades e equilibrar a balança", disse ele, anunciando que Francia Márquez vai liderar o Ministério da Igualdade.
Juntamente com Márquez, feminista e renomada ativista ambiental, Petro enfrentará um futuro verde, apostando em um modelo sustentável, equilibrando a economia com a natureza. Disse o novo presidente colombiano: "Estamos dispostos a ter uma economia sem carvão e sem petróleo, mas pouco fazemos para ajudar a humanidade com isso. Não somos nós que emitimos gases de efeito estufa. São os ricos do mundo que o fazem. Onde está o fundo mundial para salvar a floresta amazônica?”
Petro propôs trocar a dívida externa por despesas internas em prol da proteção do meio ambiente. "Se o FMI ajudar a trocar dívida por ação concreta contra a crise climática teremos uma economia próspera”.
Na presença de uma dezena de chefes de Estado, entre outros, Alberto Fernández, Luis Arce (Bolívia); Gabriel Boric (Chile), Xiomara Castro (Honduras), Guillermo Lasso (Equador) instaram Petro a se juntar à América Latina em projetos concretos. "A unidade latino-americana não pode ser mera retórica. Será que conseguimos uma rede de energia elétrica que cobre toda a América? É hora de trabalharmos juntos." "Petro, amigo, o povo está com você", gritaram para ele de uma praça lotada.
Era uma multidão de pessoas que o esperava desde o início da manhã, depois de fazer filas separadas de homens e mulheres ao longo da Carrera 7 e passar por três postos de controle onde deram tapinhas e pediram para mostrar a bolsa. Uma peregrinação à Plaza de Bolívar que foi vivida como uma festa. "Quem não pula é infiltrado", cantava um grupo de adolescentes. Os jovens haviam tomado a Plaza de Bolívar. Como Yodis Irina Yepes, 18 anos. Este estudante de engenharia agrícola votou pela primeira vez este ano. "Me emociona que uma mudança esteja sendo feita. Para os jovens e minorias que não deveriam ser minorias. É uma felicidade ver que as pessoas querem uma mudança e que os intelectuais chegam ao poder", disse ela acompanhada de seus amigos.
"Sim, era possível, caramba", gritou Dianet Larraúnde, 29, economista do Valle del Cauca, de origem afrodescendente. "Vim estudar em Bogotá e buscar mais possibilidades, minha família foi deslocada, minha mãe mora na Espanha porque não conseguiu emprego por causa da idade. Ver um vice-presidente africano é um orgulho, um reconhecimento. Amo Francia Márquez. Espero uma maior inclusão, que agora os recursos públicos possam chegar ao Pacífico colombiano que está muito esquecido e que precisa de ajuda".
Esse sentimento de esperança também foi transmitido por familiares de vítimas de abusos por parte das forças de segurança. Luz María Vázquez ergueu a foto de seu irmão Lucas Villa Vázquez. "Meu irmão foi assassinado em 5 de maio de 2021 no viaduto César Gaviria na cidade de Pereira durante a Greve Nacional. Não foi esclarecido quem foi o responsável ou quem o matou. Ele estava em uma manifestação pacífica e dois dias antes, o prefeito, Carlos Maya, havia autorizado a criação de frentes comuns de defesa civil contra o que eles consideravam vândalos e que eram jovens manifestantes. Dois dias depois, meu irmão foi baleado no viaduto. Meu irmão tinha 37 anos. Entendemos que o assassinato era uma ordem dos políticos da época".
A jovem estava na praça central de Bogotá por causa da expectativa gerada pela mudança de governo. "Francia Márquez e Gustavo Petro foram perseguidos e estigmatizados por lutarem por questões sociais. O fato de estarem hoje no governo nos dá garantias de que conseguiremos encontrar os criminosos da Greve Nacional. Segundo informações oficiais, foram 90 mortos durante a Greve Nacional, mas estamos convencidos de que há muitos mais, porque não contam os desaparecidos jogados nos rios".
O novo governo abordará as reformas de segurança. Por exemplo, vai criar o Ministério da Paz, Segurança e Convivência, onde ficará a Polícia – que atualmente depende do Ministério da Defesa. "Finalmente, meu país tem uma opção diferente da que estávamos acostumados", disse Salomé Angares, uma mulher trans de 30 anos. Essa bailarina e estudante de serviço social se definiu como ativista e espera que a sociedade avance em direitos.
“Espero do governo que haja uma cota de trabalho para mulheres trans e educação gratuita, e também direitos iguais em todos os sentidos. E esse presidente, quando foi prefeito de Bogotá, levou a população LGTBI muito a sério”, disse. Seu desejo foi replicado pelos milhares que compareceram à cerimônia de posse.
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As mudanças anunciadas por Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU