“A derrota da direita hemisférica em seu bastião colombiano seria, sem dúvida, um terremoto no cenário político latino-americano. Além disso, Gustavo Petro não é um mandatário qualquer, representa a encarnação da renovação da esquerda latino-americana. Diante das esquerdas do início do século, assentadas sobre as receitas das matérias-primas, principalmente de hidrocarbonetos, Gustavo Petro se conecta com um sentido comum de um tempo ambientalista e propõe uma moratória ao extrativismo”, escreve Sergio Pascual, engenheiro de telecomunicações e antropólogo, conselheiro-executivo do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica - CELAG, em artigo publicado por Ctxt, 26-05-2022. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Colômbia, domingo, 22 de maio, Praça de Bolívar, Bogotá. Dezenas de milhares de pessoas se aglomeram para participar do encerramento da campanha dos candidatos a presidente e vice-presidente da República da Colômbia, Gustavo Petro e Francia Márquez. Petro, em pé atrás de um púlpito e escoltado por dois enormes escudos blindados de sua equipe de segurança, mal pode ser visto da praça lotada. Não há luzes sobre os candidatos do Pacto Histórico, a coalizão política que indica Gustavo Petro. O motivo, buscar impedir que um franco-atirador alcance o candidato.
Até aqui chega a normalidade democrática colombiana, a poucos dias antes das eleições presidenciais que serão realizadas no próximo dia 29 de maio.
A Colômbia, com seus mais de 50 milhões de habitantes, é um país que parece tristemente acostumado a conviver com a violência. Desde o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, em 9 de abril de 1948, cinco candidatos presidenciais foram assassinados. Somente neste ano, 76 líderes sociais e defensores de direitos humanos foram assassinados.
O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos informou recentemente que durante as mobilizações populares que ocorreram contra a reforma tributária do governo Duque, entre 28 de abril e 31 de julho de 2021, ocorreram assassinatos, desaparecimentos, prisões ilegais e torturas. Aqueles dias terminaram com um saldo de 63 mortes, 60 casos de violência sexual e 27 pessoas que ainda hoje seguem desaparecidas, após os confrontos com membros da força pública.
Nas últimas décadas, a violência na Colômbia foi progressivamente se afastando de sua expressão política original, transformando-se e hibridizando com o narcotráfico. A expressão mais fechada desse processo foi encarnada pela parapolítica, uma amálgama entre narcotráfico, organizações armadas anticomunistas, setores das forças armadas e policiais, e organizações políticas que os representam nas mais altas instâncias institucionais do país.
Com a chegada de Álvaro Uribe Vélez ao poder, essa aliança entre os paramilitares e os setores de ultradireita do exército e da polícia encontrou caminho livre e atingiu seu clímax entre 2006 e 2009. Naqueles anos, um programa de incentivos para membros do exército que conseguissem demonstrar resultados contra a guerrilha acabou se transformando em uma onda de execuções extrajudiciais no que ficou conhecido como os falsos positivos: civis não beligerantes assassinados que foram contados como baixas em combate, no âmbito do conflito armado interno da Colômbia. Um relatório da Jurisdição Especial para a Paz (JEP) colombiana estabeleceu o número total de falsos positivos em assustadores 6.402, entre 2002 e 2008.
Embora os Acordos de Paz de Havana (2015-2016), assinados pelo ex-presidente Juan Manuel Santos com a guerrilha das FARC, tenham conseguido retirar grande parte dos setores mais ideológicos da equação da violência, a verdade é que o controle territorial de diferentes clãs narcoterroristas continua sendo muito importante na Colômbia. Uma demonstração da força real desses aparatos paraestatais de controle do território foi a recente paralisação armada convocada pelo Clã do Golfo, uma organização policriminosa que por vários dias, a menos de um mês das eleições e com total impunidade, espalhou o pânico em 11 departamentos [equivalente a estados] dos 32 que o país possui.
A ação terrorista promovida em resposta à extradição de um chefão do narcotráfico forçou o confinamento de moradores de mais de 74 localidades, com a população ficando, de fato, em situação de toque de recolher sob a ameaça real de execução sumária. Em menos de uma semana, a paralisação armada deixou ao menos seis mortos e 180 veículos queimados nos departamentos afetados.
Esta e não outra é a realidade do clima de normalidade democrática vivido pela Colômbia hoje.
Desde a chegada de Álvaro Uribe ao poder, a parapolítica da segurança democrática – como era chamada – esteve acompanhada por uma furibunda política econômica neoliberal. Foi com o primeiro governo de Uribe que o processo de privatização se acelerou: foram vendidas metade das ações da Empresa Colombiana de Telecomunicações (TELECOM), Ecogas e Empresa de Energia de Bogotá (EEB). Já no segundo governo de Uribe, começou o processo de privatização da Ecopetrol – a petrolífera nacional –, com a venda de 11% da participação estatal.
Um segundo bloco de medidas reduziu ao mínimo o Estado colombiano. Segundo dados da OCDE, o emprego público na Colômbia está bem abaixo da média regional. Com uma estimativa de 4 a 5,3% do total de empregos na economia nacional, a Colômbia contrasta com a média da América Latina, 11,9% em 2018. O número empalidece quando comparado ao de países da OCDE, onde, na mesma data, a média estava em 21,1 %, quatro vezes mais.
Por fim, os governos neoliberais de Uribe e seus sucessores aplicaram reformas tributárias regressivas. Ampliaram a base tributária do IVA, incluindo produtos da cesta familiar e multiplicaram os benefícios fiscais para as grandes empresas, com isenções, deduções e todos os tipos de exonerações do pagamento de contribuições parafiscais às diversas instituições do mínimo Estado de bem-estar colombiano.
O resultado dessas políticas é um país em que 50% da população vive com menos de 234 euros por mês e outros 25% com menos de 268 euros por mês. O próprio Departamento Administrativo Nacional de Estatística colombiano (DANE) reconhece que 39,3% da população tem renda per capita abaixo do custo de uma cesta total de bens e serviços mínimos essenciais. A fértil Colômbia é hoje um país de fome.
Os cidadãos colombianos chegam às eleições presidenciais de 29 de maio de 2022 com uma importante demanda por mudanças. Segundo uma pesquisa recente do CELAG, “mudança” é a palavra mais escolhida pelos colombianos para descrever o que desejam para o futuro da Colômbia, superando outros termos como estabilidade, tranquilidade ou segurança. Este desejo de mudança é especialmente forte entre os jovens. Mais de 53% dos jovens – quase um terço do eleitorado colombiano tem menos de 30 anos – querem uma mudança para seu país.
Essa exigência de mudança irrompeu com muita força no já fraco sistema partidário colombiano, que nestas eleições não conseguiu engrenar nenhum de seus militantes entre os principais candidatos à presidência do país e teve que optar em apoiar figuras mais ou menos autônomas.
O sistema partidário colombiano que chega até os nossos dias é herdeiro do acordo da frente nacional entre o Partido Liberal e o Partido Conservador, pacto que estabeleceu um simulacro de bipartidarismo, durante a segunda metade do século XX. Os dois partidos, fortemente enraizados na história política independente da Colômbia e liderados pela elite de Bogotá, alternaram-se no poder e ocuparam a Presidência e a maioria dos poderes locais, durante 50 anos.
A chegada de Álvaro Uribe, um outsider proveniente de Medellín – a grande urbe comercial colombiana, rival em pujança com a capital, Bogotá –, significou a primeira fratura desse sistema de partidos. Junto a ele, surgiram os partidos-movimento, organizações políticas surgidas em torno de lideranças carismáticas que atuam com alta eficiência nas eleições presidenciais.
Entretanto, destituídos do poder presidencial, o partido Conservador e o Liberal se entrincheiraram no território, conservando sua força no resto dos processos eleitorais. Assim, nas recentes eleições legislativas de março de 2022, o Partido Liberal – sem ter sequer um candidato presidencial – foi a força com mais deputados na Câmara de Representantes (32), ao passo que o Partido Conservador teve o mesmo número de representantes que a aliança que indica o candidato que, de longe, conta com a maior força eleitoral, Gustavo Petro (25). Enquanto isso, o partido do outrora todo-poderoso Álvaro Uribe caiu para 16 representantes.
A força que os partidos outrora hegemônicos ainda mantêm no território não pode ser entendida sem conhecer uma particularidade do ecossistema eleitoral colombiano: o chamado voto de maquinaria. O voto de maquinaria seria formado por vários milhões de votos cativos. No melhor dos casos, os votos estão fidelizados por forças políticas e lideranças locais. No pior, estamos diante da extorsão das forças paramilitares que controlam o território, caciques que controlam todas as fontes de emprego em suas localidades e clãs narcoempresariais que compram votos e cuja força foi recentemente expressa na mencionada paralisação armada do Clã do Golfo.
As conexões entre essas organizações e as forças políticas tradicionais colombianas são conhecidas e, na maioria das vezes, explícitas. Embora seja extremamente difícil avaliar o peso real da maquinaria, alguns especialistas calculam que pode variar entre 5 e 30% dos votos de um candidato presidencial.
Quatro candidatos concorrem em 29 de maio à presidência da Colômbia. O sistema eleitoral ocorre em dois turnos, e o vencedor deve obter mais de 50% dos votos para evitar o segundo turno, em 19 de junho.
De um lado, com lugar praticamente garantido na fase final, a dupla Gustavo Petro e Francia Márquez. São os candidatos da esquerda e centro-esquerda, e com quase 45% das intenções de voto em praticamente todas as pesquisas, tornaram-se o inimigo a ser batido em um país no qual, em sua história republicana, a esquerda nunca teve tantas opções para chegar ao Palácio de Nariño.
Gustavo Petro chega a esta eleição depois de ter disputado o segundo turno eleitoral em 2018 contra Iván Duque, o atual presidente e pupilo de Álvaro Uribe. Com tom professoral e enormes doses de pedagogia política, Petro recuperou para a Colômbia a política da praça pública –abandonada durante os anos mais duros da violência – e arriscando a sua vida percorreu o país enchendo mais de mil ágoras, nas quais se estendeu em longas dissertações sobre o modelo econômico, social e político que deseja para a Colômbia.
Ex-militante da guerrilha do M-19, Gustavo Petro se desmobilizou junto com ela por ocasião dos acordos que levaram à redação da avançada Constituição de 1991, um contrato social que o candidato da esquerda reivindica como horizonte para a Colômbia, denunciando seu persistente descumprimento. Gustavo Petro, um líder com mais de 30 anos de experiência na política institucional colombiana – foi prefeito de Bogotá e senador –, ficou conhecido por seus sólidos enfrentamos a Álvaro Uribe e por sua denúncia da parapolítica. Sem dúvidas, é o principal representante da mudança política na Colômbia.
Petro é acompanhado por Francia Márquez para a vice-presidência. Márquez é uma mulher afrodescendente de 40 anos, cuja trajetória de vida a tornou a encarnação das classes populares colombianas. Mãe adolescente, teve que trabalhar como empregada doméstica para pagar seus estudos de Direito. Com uma história de superação da pobreza estrutural e de todos os tipos de exclusões, é hoje uma das vozes mais frescas e poderosas do cenário político colombiano.
À pujante demanda por mudanças no país, que sopra a favor de sua candidatura, Petro acrescentou uma importante rede de acordos e alianças com membros notáveis do centro político colombiano outrora instalados nas organizações históricas da política colombiana. É o caso de senadores como Roy Barreras – proveniente do santismo –, Katherine Miranda – do importante Partido Verde – e toda um setor do histórico Partido Liberal que hoje se denominam Liberais com Petro.
Essa ampla aliança, que vai do Polo Democrático Alternativo – o longevo partido da esquerda colombiana – aos já mencionados setores do santismo, facilitou a ampliação da base social do candidato de esquerda que hoje ultrapassa os 55% em imagem positiva, ao mesmo tempo em que viu uma ligeira atenuação da tradicional hostilidade dos grandes oligopólios midiáticos colombianos.
Nesse contexto, uma vitória no primeiro turno do candidato de esquerda não pode ser descartada, embora hoje, com tendência estável nas pesquisas, parece complicado superar a pequena distância que o separa dos 50%.
Frente a Petro está Federico ‘Fico’ Gutiérrez, o candidato da direita. O ex-prefeito de Medellín é o candidato governista. Recebeu o apoio do atual presidente e da maioria da máquina partidária da Colômbia – Partido Conservador, Partido Liberal e Mudança Radical –, também do ex-presidente Uribe e de seu partido, o Centro Democrático. Mesmo com todas essas forças reunidas, o candidato de Antioquia não conseguiu diminuir para um dígito a distância que o separa de Gustavo Petro, e sua intenção de voto oscila nas pesquisas entre 20 e 25%.
Essa relativa fraqueza da direita, que hegemonizou a política colombiana nos últimos dois séculos, não pode ser entendida sem compreender a profunda rachadura que hoje a divide com especial virulência. Três fatores aprofundaram a fratura entre as elites conservadoras colombianas nos últimos vinte anos, uma fratura simbolicamente encarnada na manifesta hostilidade entre os ex-presidentes Santos e Uribe.
De um lado, a fissura territorial entre a elite ilustrada de Bogotá –representada por Santos e que dirigiu o país nos últimos dois séculos – e as elites de Antioquia, dopadas pela narcoeconomia e representadas por Álvaro Uribe. De outro, a fissura econômica. Os primeiros – bogotanos – ancoram boa parte de seu poder econômico na indústria e nas grandes corporações colombianas de serviços com vínculos transnacionais. Os segundos sustentam seu poder na exportação agropecuária, no controle do território e na narcoeconomia.
Por fim, correlacionada com as duas fraturas, a fissura em torno do processo de paz. O mundo uribista se opôs fortemente ao processo de paz liderado por Santos e acabou transformando-o na síntese da traição do ex-ministro de Uribe a seu mentor.
Apesar de tudo, o cenário mais provável é que Fico e Petro passem para o segundo turno. Se assim for, todas as pesquisas apontam para um fracasso do direitista, incapaz de encarnar o desejo de mudança dos cidadãos e castigado pela rejeição ao nefasto legado da gestão de seu predecessor no campo uribista: Iván Duque.
Em terceiro lugar, as pesquisas colocam Rodolfo Hernández. Hernández, apesar de seus 77 anos, quer se colocar como o candidato outsider. O ex-prefeito de Bucaramanga e construtor aparece como um self-made man, buscando ativar o marco de campanha da antipolítica. Mostra-se como um candidato alheio à política nacional, com um discurso populista que anuncia cortes de privilégios a senadores e deputados e com uma lógica de campanha franca e popular, distante dos grandes debates programáticos e centrada na batida ideia de ser o açoite da corrupção. Até agora, não parece ter sofridos as consequências por estar pendente de julgamento por um caso de corrupção em um contrato de consultoria da prefeitura de Bucaramanga, com o qual beneficiou diretamente seu filho.
Os eleitores de Hernández se concentraram nos últimos meses no centro-leste do país, na zona fronteiriça com a Venezuela. Constituem uma base social de direita que, apesar de serem eleitores tradicionais do uribismo, viram-se pressionados a buscar uma alternativa para punir a má gestão de seu representante – o presidente Duque –, nos últimos anos.
Nas últimas semanas, a estagnação do candidato natural da direita – Fico Gutiérrez – estaria tendo reflexos em um paulatino deslocamento de seu voto para Rodolfo Hernández. O histriônico personagem, que lembra Donald Trump pelo uso abundante das redes sociais e suas grosserias públicas – em uma entrevista à rede RCN chegou a se declarar admirador de Hitler –, estaria ganhando terreno e, neste momento, não é descartável sua ida para o segundo turno.
Se Hernández finalmente conseguir ir para o segundo turno, a disputa com Gustavo Petro pelo significante ‘mudança’ pode se intensificar: entre a mudança progressista de Petro e a mudança ao estilo trumpista de Hernández. Por outro lado, certamente o septuagenário pode conseguir absorver uma importante fatia dos eleitores de Gutiérrez e contar com o apoio das máquinas partidárias tradicionais. Nesse cenário, embora Gustavo Petro continue sendo o grande favorito - com uma imagem positiva de 57%, 20 pontos a mais do que a de Hernández-, a verdade é que a disputa seria um pouco mais intensa do que no caso de um segundo turno entre Gutiérrez e Petro.
Por fim, o último candidato na disputa é Sergio Fajardo, do espaço de centro - centro-direita. Fajardo, também ex-prefeito de Medellín e ex-candidato presidencial em 2018 – quando esteve prestes a ir para o segundo turno –, está hoje praticamente sem condições de passar para o segundo turno. Seu minguante nicho eleitoral, reduzido hoje a setores das classes médias altas urbanas, será, sem dúvida, junto aos indecisos – cerca de 10-15% do eleitorado que se diz indefinido ou quer votar nulo ou branco –, o grande alvo eleitoral dos candidatos que passarem para o segundo turno.
A expectativa que essas eleições colombianas despertaram está à altura de sua relevância. A Colômbia é o país mais populoso da América do Sul, depois do Brasil, e o terceiro PIB junto com o Chile. É também o único país da região com acesso marítimo ao Pacífico e Caribe e o único que compartilha os ecossistemas do Caribe, Pacífico e Andes.
No que se refere aos aspectos sociopolíticos, a Colômbia é o único país da América do Sul que nunca, desde a sua independência, foi governado pela esquerda e o único em que uma guerrilha de inspiração marxista manteve uma luta com o Estado até bem entrado o século XXI. A Colômbia também é o único país – até recentemente com o Chile – no qual os ventos de mudança que atravessaram a região, desde o início deste século, não tinham soprado.
Por tudo isso, durante décadas, a Colômbia foi um bastião e um núcleo irradiador de pensamento para a direita latino-americana, inspirada em seu exemplo de sucesso em frear as esquerdas empregando todos os recursos – violentos e não violentos – à disposição de seu establishment. Não em vão, o ex-presidente espanhol Aznar escolheu a Colômbia e o conservador ex-presidente colombiano Andrés Pastrana (1998-2002) como promotores da criação do programa FAES LATAM, uma expansão de seu think tank FAES na América Latina.
Do mesmo modo, especialmente a partir do governo de Álvaro Uribe, a Colômbia tem sido a ponte de comando dos diferentes governos dos Estados Unidos na região. Com a desculpa da luta contra o narcotráfico, o então mandatário assinou um acordo para que a potência do norte utilizasse sete bases militares em solo colombiano, por dez anos. O acordo, finalmente rejeitado pela Corte Constitucional, forçou estratégias de cooperação imaginativas.
Na prática, existe uma contínua associação estratégica do Comando Sul norte-americano com a Colômbia, que se verá solidamente reforçada depois que Joe Biden, neste 23 de maio, assinar o memorando que declara a Colômbia o principal aliado militar estratégico dos Estados Unidos não-OTAN. Nas palavras de Adam Isacson, diretor do Programa de Supervisão de Defesa do Escritório de Assuntos Latino-Americanos de Washington à agência AFP: “Existem bases colombianas com uma presença quase permanente de militares e contratados estadunidenses”.
Nesse contexto, a derrota da direita hemisférica em seu bastião colombiano seria, sem dúvida, um terremoto no cenário político latino-americano. Além disso, Gustavo Petro não é um mandatário qualquer, representa a encarnação da renovação da esquerda latino-americana. Diante das esquerdas do início do século, assentadas sobre as receitas das matérias-primas, principalmente de hidrocarbonetos, Gustavo Petro se conecta com um sentido comum de um tempo ambientalista e propõe uma moratória ao extrativismo, além de uma aposta cerrada na reindustrialização baseada no conhecimento e na universalização de coberturas sociais próprias das social-democracias europeias mais avançadas: educação pública, saúde universal, aposentadorias garantidas por mecanismos de poupança intergeracional, imposto às terras improdutivas, etc.
Por outro lado, diante das novas tendências políticas ancoradas no marketing político e na obsessão pelo discurso, diante das propostas políticas que pressupõem a desconexão da sociedade de suas condições materiais e consideram os eleitores como meros votantes voláteis, sujeitos ao impacto de pílulas comunicativas e frases grandiloquentes, diante de tudo isso, Gustavo Petro – como Jean-Luc Mélenchon e Andrés Manuel López Obrador – é um político de estirpe, um dirigente que analisa em seus discursos as causas e consequências das decisões de gestão, um político que não foge de temas controvertidos que alguns podem dizer que tiram votos, um político que não se desviou de suas convicções em seus 40 anos de carreira, por mais que lhe custaram o exílio e a perseguição, por mais que os novos setores do marketing político digam que deveria ser moderado, correr para o centro ou falar menos sobre isso ou aquilo porque é o que dizem as pesquisas.
Gustavo Petro é, ao contrário, um desses raros líderes que marcam o cenário político com suas propostas, que são capazes de instalar a agenda política e de transformar os sentidos comuns de suas sociedades, fazendo-as avançar onde outros não se atreveriam a travar a batalha de ideias contra os sentidos comuns neoliberais.
Nessas condições, se como vaticinam todas as pesquisas, Gustavo Petro vencer as eleições na Colômbia, estaremos diante de uma mudança política de enormes dimensões não só para o país, mas para toda a região, uma região que verá, pela primeira vez em sua história republicana, como a Colômbia de Bolívar e Santander, a Colômbia fundadora e libertadora, ocupa o seu lugar na vanguarda do progressismo latino-americano.