13 Dezembro 2021
"Apesar dessa situação dramática, Cuba resiste. Toda a população, de quase 12 milhões de habitantes, tem acesso à cesta básica mensal e, gratuitamente, aos sistemas de saúde e educação. Não há pessoas vivendo em situação de rua ou pedintes", escreve Frei Betto, escritor, autor da “Cartilla popular del Plan de Soberanía Alimentaria y Educación Nutricional de Cuba” (La Habana, 2021), entre outras obras.
Em novembro, passei duas semanas em Cuba para assessorar o governo no programa de Soberania Alimentar e Educação Nutricional, apoiado pela FAO, Oxfam e União Europeia. Lançado em fevereiro de 2020, o programa, conhecido como Plan San, teve aprovação oficial em julho de 2020. Em breve, o parlamento cubano dará sua chancela à Lei de Segurança Alimentar e Educação Nutricional.
O Plan San se centra em quatro objetivos fundamentais:
1) Reduzir significativamente a importação de alimentos;
2) Incrementar a produção local de alimentos, valorizando a agricultura familiar, urbana e suburbana;
3) Ampla campanha de educação nutricional;
4) Intensa comunicação do Plan San.
Os objetivos estão interligados, e sua execução envolve a atuação articulada de todos os ministérios do governo, bem como instituições e associações do país (Comitês de Defesa da Revolução, Federação de Mulheres, sindicatos, cooperativas etc).
A comunicação almeja mobilizar toda a população assim como, nos primeiros anos da Revolução, toda a nação se comprometeu com a Campanha Nacional de Alfabetização. O índice de analfabetismo, que chegava a 77% da população, zerou. Em 1959 havia em Cuba apenas 3 mil médicos (dos quais muitos deixaram o país após a vitória dos barbudos de Sierra Maestra). Hoje, são mais de 100 mil, dos quais 30 mil atuam em 67 países. O Brasil tem 2,4 médicos por cada mil habitantes, a maioria concentrada em centros urbanos. Cuba tem 9/1.000 (dados de 2020).
A educação nutricional é decisiva para o êxito do Plan San. O cubano possui hábitos alimentares que podem perfeitamente serem substituídos, como a preferência por pão de trigo, cereal importado. Cuba produz muita mandioca e tem condições de adotar também o pão de milho e de farinha de coco. A carne pode dar mais lugar ao consumo de feijão, lentilha, espinafre, amendoim, soja e abacate, ricos em proteína. Embora não haja muito gado leiteiro na ilha, as novas gerações já se acostumam com leite e iogurte de soja.
No incentivo à produção agrícola, destaca-se a agroecologia. Visitei várias propriedades rurais com alta produtividade e sem uso de insumos químicos. A Revolução, ao promover a reforma agrária, deu títulos de propriedades a lavradores e sem-terras.
A capacitação dos monitores do Plan San, que prioriza o protagonismo dos organismos de base, como os Conselhos Populares, é feita pela metodologia de educação popular baseada, sobretudo, na pedagogia de Paulo Freire.
Como o Plan San é política de Estado e prioridade de governo, espera-se que seus primeiros frutos possam ser colhidos nos próximos quatro ou cinco anos. O presidente Diaz-Canel, com quem tive vários diálogos nessa recente visita ao país, considera-o urgente e imprescindível.
Em Cuba não há fome. Contudo, o cubano tem muito apetite! O governo gasta mais de 2 bilhões de dólares por ano na importação de alimentos, inclusive do Brasil, do qual compra, entre outros, arroz e frango.
A situação alimentar da ilha do Caribe é afetada, sobretudo, pelo bloqueio injustamente imposto ao país, há seis décadas, pelo governo dos EUA. Essa asfixia impede que navios da marinha mercante de bandeiras de países que negociam com os EUA entrem em portos cubanos. Os containers são descarregados no Panamá e na Jamaica e, em seguida, os produtos são transportados à ilha, o que os encarece. Somam-se a isso as catástrofes climáticas que periodicamente castigam o país, como furacões, enchentes e secas, e o fato de Cuba se ver obrigada a importar petróleo para obter energia, já que é pobre em recursos hidráulicos.
Dois fatores recentes contribuem para estrangular a frágil economia cubana: a inclusão do país na lista “made in USA” dos países “promotores de terrorismo”, embora não haja o menor indício disso. Pelo contrário, Cuba participa do combate ao terrorismo, como o comprova o livro de Fernando Morais, “Os últimos soldados da guerra fria” (Companhia das Letras, 2011). E, por razões humanitárias, o país socialista exporta médicos e professores para inúmeras nações empobrecidas.
Como “desgraça pouca é bobagem”, reza o ditado popular, a Covid obrigou a ilha a fechar as portas à principal fonte de divisas nos últimos anos, o turismo. Agora começam a voltar os turistas, já que se logrou reduzir drasticamente a contaminação, foram adotadas medidas sanitárias rígidas (máscara é obrigatória fora de casa) e criadas três vacinas, o que possibilitou a imunização de quase toda a população.
Há, porém, outra pedra no meio do caminho: Biden ainda não revogou as 243 novas medidas adotadas por Trump para reforçar o bloqueio, e ainda decidiu punir todos os bancos e empresas que tiverem alguma transação em dólar com Cuba. Hoje, dólar é papel colorido na ilha. Impossível trocá-lo em bancos, casas de câmbio, hotéis e lojas. São aceitos apenas euros e cartões de crédito.
Apesar dessa situação dramática, Cuba resiste. Toda a população, de quase 12 milhões de habitantes, tem acesso à cesta básica mensal e, gratuitamente, aos sistemas de saúde e educação. Não há pessoas vivendo em situação de rua ou pedintes.
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Cuba e o pão nosso de cada dia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU