Por: André | 23 Setembro 2015
Ficou para trás o momento mais político do giro de Francisco por Cuba, marcado pelos encontros com Fidel e Raúl Castro em Havana no domingo passado. Nesta terça-feira concluiu sua agenda com uma missa em Santiago, onde sua atividade foi mais pastoral, após a qual embarcou rumo aos Estados Unidos para “jogar outro jogo de xadrez”, iniciado há 10 meses com o restabelecimento de relações entre Washington e Havana, seguido pela reabertura de embaixadas, em julho.
“Estamos aguardando este novo passo dentro do longo processo. Veremos o que acontece com a viagem de Francisco aos Estados Unidos. Como o receberão. Veremos a reação que houver por parte dos políticos, dos republicanos, dos democratas, dos grupos de poder. Quero ver a cara deles quando ouvirem o Papa”, disse o analista Ariel Terrero, diretor do Instituto Internacional de Jornalismo José Martí.
A entrevista é de Darío Pignotti e publicada por Página/12, 22-09-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Teme que haja retrocessos no degelo?
Aquilo que chamam de degelo, prefiro chamá-lo de aproximação, vai avançar, porque o bloqueio fracassou.
Em quanto tempo acabará?
Há um grupo que tomou o poder nos Estados Unidos, que é representado por Obama, que foi mais pragmático ao reconhecer o fracasso do bloqueio. Não é que os Estados Unidos vieram prazerosamente dar uma mão aos cubanos.
E se os republicanos vencerem em 2016?
Uma coisa é o que os republicanos dizem durante a campanha atacando Cuba, contra o fim do bloqueio. Outra coisa é o que farão caso ganharem. Se Bush III vencer, terá que ser realista, e se for realista não estou muito seguro de que dê marcha à ré em relação ao que Obama fez.
Então, o bloqueio está com os dias contados?
O bloqueio está com os minutos contados, minutos em termos históricos, isso não sei quantos anos serão. O bloqueio está há muito tempo condenado à morte. Obama reconheceu o fracasso. Hillary Clinton, que é democrata, escreveu algo similar algum tempo atrás; políticos de direita sérios dizem o mesmo: a política de assédio a Cuba tinha fracassado.
Francisco foi determinante?
Reconheço a importância desta visita do Papa, mas não creio que a visita sozinha seja responsável por este caminho rumo ao fim do bloqueio. Foi uma grandíssima colaboração que ele deu. Mas a análise deve ser mais ampla. Creio que o Papa não foi determinante, não foi Obama, não foi Raúl. Determinante foi o processo histórico.
Acabaram-se as hostilidades?
Não. Os cubanos não são ingênuos para acreditar nisso.
Estamos diante de uma Terceira Guerra Mundial?
Terceira Guerra Mundial em capítulos, como disse o Papa quando chegou a Cuba. Não foi uma expressão isolada; tocou no tema em outras ocasiões, é uma análise importante. Eu diria que estão ocorrendo guerras em que morrem mais civis, proporcionalmente, do que na Segunda Guerra Mundial, os famosos danos colaterais. Este papa não se limita a ler a Bíblia, é uma pessoa que fala sobre o que acontece no mundo onde há muitos conflitos.
Enquanto Washington e Havana assinam a paz.
Pensar que assinamos a paz é equivocado.
Virão novas batalhas então?
Eles mexeram nas peças do xadrez. Se antes nos atacavam com bispos, agora nos atacarão com torres, e nós teremos que saber nos defender. O papa é alguém de respeito. Ele disse, no domingo, aos jovens, que sonhem, mas que saibam construir a esperança na realidade. Isso também os cubanos dizem: vamos nos sentar para negociar com os Estados Unidos, mas não somos loucos para nos iludir de que são Obama vai nos trazer o céu.
Economia
Terrero recebeu o jornal Página/12 na sede do Instituto José Martí, situado na Avenida dos Presidentes, palco de grandes casarões e algumas mansões expropriadas pela Revolução.
O fim do bloqueio está associado às reformas econômicas. Seguirão o modelo chinês, vietnamita...?
Seguiremos o modelo cubano.
Como vão conter a invasão norte-americana?
Muitos empresários norte-americanos acreditam que vão poder entrar livremente pelo Porto de Mariel. Estão enganados. Não levam em conta o que Cuba vai fazer, não levam em conta o que sabemos fazer. Eles não vão entrar sem mais. Os norte-americanos poderão vir compartilhar o espaço com empresas de outros países e com as empresas estatais cubanas, as cooperativas cubanas, as microempresas nacionais cubanas. Isso é muito importante. Nós estamos mais preparados que os Estados Unidos para esta nova situação. Claro que temos problemas econômicos internos para serem resolvidos.
Imagina um McDonald’s de frente para a Praça da Revolução?
Aqui temos hamburguesas muito boas, oxalá isso não aconteça. Talvez aconteça, realmente não sei. A política que estamos fazendo é para que isso não aconteça.
Pode nos dar mais detalhes sobre o modelo cubano de reformas?
É muito importante a diversificação de nossa relação econômica internacional. É o que já existe neste momento com investimentos de países latino-americanos como o Brasil e o México, muito importantes da China, dos espanhóis, britânicos. Isso remonta à década de 1990 e ganhou uma dinâmica maior a partir de uma lei de 2010 que aperfeiçoou o processo, e agora a intenção é quintuplicar esses investimentos. Não vamos dar as costas aos países que investiram aqui em todos estes anos. Queremos mais investimentos em turismo, indústria manufatureira, indústria da alimentação, agricultura, petróleo.
Fala-se de grandes reservas ainda não exploradas...
Há estudos que indicam a possibilidade de que haja petróleo no Golfo do México, que é uma zona compartilhada por Cuba, México e Estados Unidos. E se algum dia forem descobertas reservas em uma área que faz parte de dois países... se esses dois países têm uma relação civilizada, assinam um acordo sobre o que cabe a cada país. Se há boas relações com os Estados Unidos, essa discussão será mais civilizada.
Hoje Cuba importa quase tudo o que consome?
Hoje temos petróleo para cobrir 50% das nossas necessidades. Dessa maneira, devemos importar o resto da Venezuela, mas não exclusivamente da Venezuela.
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Um jogo de xadrez entre Cuba e os Estados Unidos. Entrevista com Ariel Terrero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU