O número (5/2021) da revista "Vita e Pensiero", coordenada por Roberto Righetto, começa com uma reflexão - que aqui antecipamos - do teólogo protestante Jürgen Moltmann que se questiona sobre a necessidade e a possibilidade de ter esperança em Deus enquanto a pandemia cria tanto sofrimento.
O texto de Jürgen Moltmann é publicado por Avvenire, 18-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A pandemia de Covid-19 é como o "vale da sombra" do Salmo 23. Ninguém a domina com o olhar, ninguém sabe quanto tempo vai durar, ninguém sabe quando ou quem vai atingir. Deus não poupa a nós, homens, o "vale da sombra", que para muitos também se torna o "vale da morte". Apesar disso, Deus está conosco em nossas angústias e em nossos sofrimentos. Deus caminha conosco na escuridão. Ele também não poupa a si mesmo do "vale da sombra" e do "vale da morte". Deus padece as nossas mesmas dores conosco e conhece o caminho para nós. A confiança em Deus sustenta a confiança em si próprio, quando esta é afetada pela angústia e pelas dores.
Todas as previsões científicas sobre o futuro da pandemia tornaram-se incertas. A certeza sobre o futuro do mundo moderno desmoronou devido à pandemia e às mudanças climáticas. Agora é a vez da esperança e da paciência, que brota da esperança. A paciência é o longo respiro de uma grande esperança. A esperança cristã é esperança ativa no Reino de Deus para o futuro do homem e da terra, aguardamos a ressurreição dos mortos na vida eterna do mundo vindouro, como afirmamos no Credo Niceno. Por muito tempo, a esperança na vida eterna reprimiu nas Igrejas a esperança propulsora do Reino de Deus na terra.
No mundo moderno, a fé no progresso e a globalização reprimiram a esperança na vida eterna. Ambas as coisas estão erradas: o anúncio de Jesus do Reino de Deus que está próximo para os pobres, para os enfermos e para as crianças, torna-se presente com a sua ressurreição. O Jesus ressuscitado é tornado presente com seu anúncio do Reino de Deus. A esperança na ressurreição contra a morte e a violência do aniquilamento torna-se o motivo para a realização do Reino de Deus na terra. No final, o começo: esta é a esperança cristã. E fundada pelo fim de Cristo foi seu verdadeiro começo na ressurreição. Ela nos levanta daquilo que, desde sempre, experimentamos como o fim. O Deus da esperança sempre cria um novo começo na vida, enquanto na morte ele nos desperta para uma nova vida em seu mundo vindouro.
O que é a pandemia Covid-19? Em primeiro lugar, é um evento natural que ocorreu em Wuhan, na China central. O fato de a doença ter se espalhado de forma tão rápida e universal, no entanto, é um evento humano, resultado da globalização. Não foi o que acontecia na época da gripe espanhola, que, após a Primeira Guerra Mundial, causou mais mortes do que a guerra. A peste, que despovoou a Europa na Idade Média, ficou confinada em nível regional. A atual pandemia é um problema de toda a humanidade. No início de 2020, pensávamos que a pandemia teria sido superada antes do outono. Depois veio a segunda onda, e hoje já estamos na quarta onda. Novas mutações se adicionam continuamente. Crescem os rumores de que a humanidade terá que aprender a conviver com a pandemia. A melhor defesa é a vacina, mas com nove bilhões de seres humanos é uma façanha difícil de realizar. Não vivemos em um mundo íntegro e intacto. A natureza da criação também precisa de redenção.
A criação é ameaçada por forças caóticas. Paulo as chama de "principados e potestades", enquanto Karl Barth falou de "poderes sem Senhor" (herrenlosen Gewalten). Devemos nos defender deles; o que é possível, porque Cristo se tornou o Senhor desses poderes. O romantismo da natureza não ajuda nesse caso; ao contrário, precisamos da ciência, da técnica e a paciência da esperança, cujo exemplo na Bíblia é Jó: é necessária a paciência de Jó. Quando a primeira onda apareceu na primavera do hemisfério norte em 2020, uma onda de solidariedade entre a população também se espalhou: o apoio da boa vizinhança.
Quando as vacinas foram criadas, as nações passaram para a concorrência: cada nação queria garantir para si o maior número possível de vacinas. Nesse sentido, a pandemia é precisamente uma tarefa da humanidade. O sistema sanitário das sociedades modernas não está à altura de uma epidemia de vírus, devido à economificação da saúde, da orientação para o lucro dos nossos hospitais e da privatização das casas de saúde. Os medicamentos alemães são produzidos na Índia e na China, porque é mais econômico, como se a proteção da saúde da população não fosse uma finalidade do Estado sancionada na Constituição, mas sim confiada ao livre mercado. A morte e o luto mudaram...
A morte moderna, removida, retorna ao centro do palco. Não é bom para o orgulho moderno, que quer ter tudo sob controle. É preciso humildade em vez de arrogância, mas o orgulho dos homens modernos só consegue ser humilde contra vontade.
Agora chegamos às interpretações teológicas. Em primeiro lugar, devemos ouvir o aviso que se esconde na pandemia: uma catástrofe ainda pior está chegando, a catástrofe ecológica da civilização humana. A sobrevivência da humanidade está em perigo. Já durante este ano de 2021, os períodos de calor excessivo aumentaram: no Canadá, na Califórnia e na Sibéria, enquanto o Mediterrâneo está em chamas. Na Europa central, ocorreram inundações e alagamentos que duraram semanas. A Terra se aquece com mais rapidez do que os cientistas estimaram.
Os objetivos climáticos estabelecidos na Conferência de Paris de 2015 já não são mais sustentáveis. A pandemia produzida pela natureza convenceu os homens a serem solidários uns com os outros e a tomar medidas sociais drásticas. A catástrofe ambiental causada pelo homem deveria produzir uma análoga solidariedade humana e medidas sociais similares por parte das coletividades estatais. No desastre das inundações na região do Reno, o apoio funcionou muito bem em termos de boa vizinhança.
Por que Deus permite o sofrimento e a morte de tantos? Essa é uma pergunta de observador, não a pergunta posta por aqueles diretamente atingidos. Estes últimos pedem cuidado e conforto. Querem que seu sofrimento e suas preocupações parem, não que sejam explicados a eles. Com isso a pergunta sobre o porquê não foi eliminada, afinal Jesus também morreu com a pergunta "por quê" em seus lábios. Minha resposta:
Deus não é Todo-Poderoso, ou seja, a Realidade que tudo determina. Aquele é o soberano absoluto de Aristóteles, ou o Deus que era invocado na guerra para garantir a vitória. A teologia sempre enfatizou um Deus que preserva o mundo ao invés da onipotência de Deus. Como Deus preserva o mundo? Por meio de sua paciência. Deus, que tem paciência conosco seres humanos, sustenta o mundo e nos dá apoio com os nossos vícios e as nossas virtudes. Assim, Israel experienciou o Deus que carrega e sustenta (trägt) durante a peregrinação no deserto: "como uma ama carrega um recém-nascido, para levá-lo à terra que prometeste sob juramento aos seus antepassados" (Nm 11,12). Segue-se uma imagem masculina: “vocês viram como o Senhor, o seu Deus, os carregou, como um pai carrega seu filho, por todo o caminho que percorreram até chegarem a este lugar” (Dt 1,31). Isaías usa-o no plano do conforto pessoal: "até à velhice eu lhes carregarei, até que se cubram de cabelos brancos eu continuarei a lhes carregar" (Is 46,4).
O Cristo crucificado é a imagem do Deus que carrega e sustenta. Pedimos a ele: "Você que carrega (trägst) a dor do mundo, tende misericórdia de nós" [assim reza a versão luterana de Agnus Dei, ndt]. Ele, de fato, carrega as nossas doenças e se encarrega das nossas dores, como diz Isaías do servo de Deus sofredor (Is 53,4). Isso não responde à pergunta "por quê", mas com esse entendimento podemos nos sentir consolados e sobreviver. As perguntas sobre o porquê serão respondidas quando a grandeza da justiça de Deus aparecer, que até agora é aguardada como juízo universal.