05 Março 2021
"A principal força da releitura do pensamento de Moltmann proposta por Parisi está em valorizar a abertura ao diálogo com as ciências naturais e a atenção à questão ecológica, em sintonia com uma leitura sapiencial da realidade que permite uma nova passagem", escreve Antonio Trupiano, em artigo publicado por Settimana News, 15-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Evolução e criação - termos de um binômio que até pouco tempo atrás teria suscitado perplexidades e tensões no campo da reflexão teológica - constituem a chave de interpretação com que o recente ensaio de Cristiano Massimo Parisi reconstrói o itinerário de reflexão de Jürgen Moltmann, prestando particular atenção à fecundidade do diálogo entre saberes e a investigação interdisciplinar, fortemente estimulada pela Veritatis gaudium.
O devir da criação e o envolvimento de Deus na história se aprofundam, instando o leitor a tomar consciência do contexto cultural atual e a valorizar o diálogo com as ciências experimentais. Superada a preocupação de que as teorias da evolução envolvam o questionamento radical de um irrenunciável dado da fé, hoje o esclarecimento dos vários níveis do discurso introduzido pelos saberes científicos e a releitura hermenêutica dos textos bíblicos e doutrinários, realizada pela reflexão religiosa, permitem reconhecer que a intervenção criadora de Deus não se coloca como alternativa ao processo evolutivo de todo o universo (como amplamente enfatizado em muitas intervenções de João Paulo II e Bento XVI).
O mudado contexto cultural também nos permite reler o sentido do lugar do homem no mundo com um novo olhar, reconhecendo a importância de cuidarmos da nossa casa comum. Desse ponto de vista, o pensamento trinitário de Moltmann aplicado à doutrina da criação permite "identificar no Espírito a presença divina dinâmica nas criaturas tornadas capazes de existir e evoluir" (17), insistindo na importância do diálogo entre ciência e fé.
Valorizando os elementos salientes do percurso existencial de Moltmann - da formação de sua juventude à experiência da guerra e do confinamento em campos de concentração, de seu interesse pela "teologia do povo" ao seu empenho ecumênico - Parisi ressalta como foi constantemente central o questionamento sobre a presença de Deus na história e na criação, focalizando a atenção na dimensão escatológica.
A comunhão que é oferecida na entrega de si até a morte de cruz vivida por Jesus Cristo, a interpretação do presente à luz da memória do acontecido em Cristo e a abertura que surge do diálogo com os vários âmbitos do saber constituem as características básicas da teologia de Moltmann e ressoam de várias maneiras ao longo de toda a reflexão que Parisi realiza interrogando analiticamente o múltiplo material especulativo. A obra está dividida em três capítulos: o ponto de partida é constituído pela análise de O Deus Crucificado - pedra angular de todo o pensamento de Moltmann - e, em seguida, passa ao tema do devir da criação à luz da perspectiva trinitária e, por fim, conclui com a retomada da presença trinitária na criação, desta vez assumida em um sentido histórico-escatológico do qual resultam interessantes estímulos para uma reflexão ecológica.
A principal força da releitura do pensamento de Moltmann proposta por Parisi está em valorizar a abertura ao diálogo com as ciências naturais e a atenção à questão ecológica, em sintonia com uma leitura sapiencial da realidade que permite uma nova passagem:
“Um diálogo entre a sabedoria natural que foi descoberta e a sabedoria humana que deve ser aprendida, aquela que reside no equilíbrio que torna possível a convivência da cultura humana com os ecossistemas terrestres. O objetivo que se deve estabelecer será aquele de uma vida a ser vivida sabiamente em sintonia com a natureza, partindo ‘do respeito pela memória primordial da vida e do respeito pela própria vida, mandamento supremo que se baseia no direito à vida’"(150 -151).
Além disso, a consciência de pertencer à criação promove uma consciência política e social no fiel, lembrando que “a Igreja existe na sociedade para ser obra e instrumento da justiça de Deus e que, portanto, experimenta os mesmos conflitos econômicos, políticos e sociais da sociedade. Os cristãos experimentam em si essa tensão e quanto mais acreditam na justiça de Deus, mais sofrem com a injustiça que veem. O cristão nunca deve se cansar de reafirmar, principalmente para si mesmo, que a memória ‘perigosa e reconfortante’ de Cristo crucificado o obriga a abrir-se ao pensamento crítico no estado, na sociedade, no ambiente natural e, inclusive, na Igreja" (159).
A teologia política e a teologia da criação resultam, assim, inseparavelmente unidas em vista de uma reapropriação da vida na qual Deus habitará permanentemente entre os homens (Ap 21,3). A releitura trinitária do evento da cruz nos permite apreender a unidade entre a teologia da cruz e a teologia da esperança, assim como depois de Auschwitz a reflexão sobre a dimensão política da teologia e a questão da teodiceia se tornaram inseparáveis: “graças à esperança escatológica introduzida pelo Crucifixo, é o próprio homem que se esforça por antecipar o futuro de Deus no mundo presente” (39).
A cruz revela assim uma dimensão crítica porque convida a libertar-nos de qualquer forma de idolatria, evitando tanto o perigo de resolver a fé cristã em política como o de resolver o cristianismo em humanismo. O privilégio dos últimos e a solidariedade com os "sem esperança" tornam-se uma crítica do poder e de qualquer forma de alienação do homem:
"Uma emancipação autêntica não pode ser obtida sem democracia política e justiça social, mas enquanto a alienação do homem pelo homem for não eliminada, nem a libertação econômica da fome, nem a libertação política da opressão serão alcançadas” (45).
E essa libertação obrigatoriamente diz respeito a toda a criação, reconhecendo que os direitos humanos e os direitos da natureza estão indissoluvelmente unidos. O papel que a Igreja assume nesse processo de libertação começa "por baixo", confirmando que a teologia da esperança e a teologia da cruz não podem ser absolutamente separadas.
![](/images/ihu/2021/02/18_02_livro_sobre_moltmann_foto_reproducao_capa.jpg)
Cristiano Massimo Parisi,
Dalla theologia crucis al divenire della creazione.
Il cammino teologico di Jürgen Moltmann.
Apresentação de Vincenzo Battaglia, EDB,
Bologna 2019, p. 176, € 20,00.
Resenha publicada em Rassegna di Teologia LXI
(2020) 4, p. 689-691.
Para compreender plenamente o significado do evento da cruz, Moltmann considera indispensável privilegiar uma linguagem trinitária porque a experiência de abandono vivida pelo Filho gera o dom do Espírito. A releitura trinitária do evento da cruz - destaca Parisi - permite-nos “pensar a história do sofrimento humano em Deus, ver Deus agindo na história e tornar-nos intérpretes do sofrimento humano no momento presente” (70).
Sob o sinal inconfundível da "entrega de si", a presença trinitária no mistério da cruz revela de maneira incontestável a plenitude da comunhão. Estando a história do Deus trinitário aberta à criação e ao futuro, a atenção de Moltmann volta-se para considerar a criação como um sistema aberto, em perfeita sintonia com os desdobramentos da mais recente reflexão científica e sublinhando o caráter cristocêntrico da criação:
“Todas as coisas foram criadas tendo em vista o Messias, que os redimirá em sua verdade, os reunirá para o Reino e, assim, completará a criação. No entanto, isso significa que o Ressuscitado não está apenas presente no espírito da fé e escondido na história do mundo, mas também imanente no ‘coração da criação’” (118).
O Criador está presente internamente à criação, inabita nela para torná-la a casa de Deus. Uma casa em que a transcendência não está em competição com o homem, mas o liberta e o chama à vida autêntica, tornando-o coparticipante do processo de liberação cósmica.
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O caminho teológico de Jürgen Moltmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU