23 Março 2019
O professor Jürgen Moltmann deixou sua marca na teologia do período pós-1945 como poucos. Ainda 55 anos após a publicação da sua “Teologia da Esperança”, aos 92 anos de idade, ele se mostra cheio de confiança. Um diálogo sobre coragem, libertação, profecia e sobre uma máquina de escrever de viagem.
A reportagem é de Hannes Leitlein, publicada no caderrno Christ & Welt, do jornal Die Zeit, 18-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na casa dos Moltmann, a entrada é o ambiente onde se recebem as visitas. A partir daqui, pode-se entrever os outros ambientes do térreo: a sala de estar com vista para o vale de Neckar, a cozinha, o escritório. Dois sofás estão à disposição – como se a entrevista fosse um evento habitual para o qual usam os móveis adequados.
Moltmann fala lentamente, mas com precisão. Tínhamos combinado uma hora de conversa e depois de uma hora exata nos despedimos. Eu achava que a brevidade da conversa dependeria da energia limitada dele, aos 92 anos. Mas o teólogo manda às favas a minha suposição: ele está planejando uma nova viagem para a Coreia ainda em março.
Sr. Moltmann, o seu livro “Teologia da Esperança” foi publicado em 1964 e teve um grande sucesso. Desde então, o seu nome está irreversivelmente ligado à confiança. Houve momentos na sua vida em que a resignação tomou conta do senhor?
É claro! Em 1945, em um acampamento de prisioneiros de guerra na Bélgica, eu estava tão mal que queria morrer. Um marechal me arrastou para uma enfermeira. Sobrevivi.
No campo dos prisioneiros de guerra, o senhor chegou à fé.
Eu estudara as poesias de Schiller e de Goethe. Mas, na lama do campo de prisioneiros, elas não me diziam mais nada. Depois, recebi uma Bíblia de presente. No começo, eu li os Salmos de lamentação do Antigo Testamento, que deram voz à minha desolação, à minha sensação de estar abandonado por Deus. E Jesus abandonado na cruz me convenceu do amor de Deus.
Os Salmos de lamentação também não parecem ser particularmente encorajadores.
Mas me oferecem palavras para a minha dor.
Então, a esperança está na resignação?
Não, os Salmos de lamentação expressam o lamento, não a resignação. Ter esperança foi muito difícil para mim, mesmo depois da morte da minha esposa há dois anos. A tristeza e a felicidade que tive com ela e que continuo tendo, me ajudaram a ir além da resignação. Enquanto ela tivesse palavras para expressar a sua dor, ela não se resignaria.
O senhor tem 92 anos; eu, 32. O que aconselha a um homem da minha idade para que não se torne duro e amargurado?
Por que você quer se tornar duro e amargurado? Você não sofreu nem a guerra nem a prisão. Seja corajoso!
Para muitos da minha geração, porém, o futuro parece bastante inseguro.
A juventude perdeu o espírito de aventura (risos). Quando nós tínhamos a sua idade, queríamos mudar o mundo inteiro. A esperança realmente perdeu forças na Alemanha.
Do que isso depende?
Do fato de que há alarmistas por aí, criando pânico e prometendo segurança onde a segurança não existe. Eu venho dos movimentos de renovação dos anos 1960 e 1970. Tínhamos o Concílio Vaticano II na Igreja Católica e o movimento dos direitos civis, “I have a dream”, com Martin Luther King. Discutíamos sobre secularização e demitização e teologia feminista e teologia da libertação. Portanto, tenho esperança nos jovens, em um novo movimento de renovação na Igreja.
O que faz o senhor esperar nisso?
Fiquei surpreso e agradecido pelo fato de o Jubileu da Reforma de 2017 ter sido celebrado ecumenicamente. Espero que uma nova onda ecumênica invista sobre as Igrejas na Alemanha.
Às vezes, o senhor não fica decepcionado pelo fato de restar tão pouco daquilo que o senhor criou no início? A sua teologia da esperança tem décadas, não conseguiu se impor. Em vez disso, por toda a parte, há estagnação e insegurança.
Pelo contrário! Eu vejo os cristãos em todo o mundo em renovação – na América Latina, as Igrejas pentecostais; na Coreia, as Igrejas presbiterianas; e, na África, as Igrejas de todas as confissões.
O bem-estar está em contraste com a esperança?
Jesus era dessa opinião. Por isso, em uma das suas parábolas, o jovem rico vai embora triste.
Isso significa que a fé na Alemanha não tem grandes chances enquanto a Alemanha estiver bem?
Não, a fé é independente das circunstâncias. Mas as circunstâncias determinam a Igreja. Elas ainda são privilegiadas. Desde a virada constantiniana, as Igrejas na Alemanha e em muitas partes do mundo ocidental têm sido Igrejas de Estado – algo do qual eu, como aposentado, naturalmente tiro proveito. Mas a Igreja perderá esses privilégios.
O futuro da Igreja poderia estar em uma estrutura da Igreja livre?
Os noruegueses eram luteranos de nascimento. Isso levou a Igreja norueguesa e o bispo Eivind Berggrav à resistência contra a ocupação alemã. Se a Igreja Evangélica na Alemanha não tivesse sido uma Igreja do povo, em 1945 não poderíamos ter falado em nome de todo o povo alemão com a declaração de Stuttgart de admissão de culpa. Uma Igreja livre fala apenas em nome dos seus adeptos, uma Igreja do povo fala em nome de todo o povo. Ambas as coisas têm vantagens, mas a Igreja é formada pelo povo, e não pelo bispo, nem mesmo pelos sínodos. O povo constitui a Igreja e muda a Igreja.
O povo da Igreja do povo são as comunidades, as paróquias?
Não, o povo inteiro. No Natal, 70% dos habitantes de Tübingen vão à igreja. Nas missas solenes, de 800 a 1.000 pessoas vão à igreja colegiada. O cristianismo vive nas suas festividades: Natal, Sexta-feira Santa, Páscoa, Pentecostes.
Todo o resto poderia ser ignorado?
Não, mas também devemos prestar atenção nisso.
O que o senhor escreve sobre o futuro da Igreja às vezes dá a impressão de que deseja uma Igreja organizada à maneira de uma Igreja livre.
Não, eu dou valor à comunidade independente. No meu livro, eu descrevo como funciona bem na Jakobsgemeinde aqui em Tübingen. Eles têm 20 grupos que se encontram nas casas, e, em todos os domingos, a igreja está cheia. É preciso chegar 15 minutos antes para encontrar um lugar. Esse é meu ideal. As superestruturas certamente são bonitas, mas devem estar a serviço da comunidade independente. Na metade Sul do mundo, está nascendo um novo cristianismo! A Igreja daqui pode aprender muito. São Igrejas que nunca foram Igrejas de estado nem religiões cristãs nacionais. São Igrejas que representam minorias em países budistas ou xintoístas, em países islâmicos ou socialistas. Na China, as Igrejas domésticas atraem e crescem. Aqui, cada um pertence a um distrito eclesial, mesmo que nunca vá à paróquia.
Isso significa que o senhor acha, por exemplo, que o imposto para a Igreja também deve ser removido?
A esperança não está em negar, mas em ver as coisas positivas. A comunidade viva – e há milhares delas na Alemanha, além da Jakobsgemeinde de Tübingen – regulamenta as suas questões de forma independente. Celebra e organiza o culto sozinha, quando não tem pastor. E as pessoas que se encarregam dela – eu não gosto dessa expressão e (Ehrenamtliche) porque se refere ao cargo (Amt) – fazem a celebração. Há pessoas inteligentes o suficiente para fazer a pregação e explicar a Bíblia.
Qual conceito preferiria?
A comunidade reunida. Todos levam os seus dons a ela. O sacerdócio comum de todos os fiéis deve ser vivido de maneira mais forte pelos evangélicos – e também pelos católicos.
O senhor dedicou o seu livro mais recente ao presidente do Conselho da Igreja Evangélica Alemã, Heinrich Bedford-Strohm. Ele é a favor da chamada Teologia Pública, que levanta interrogações sobre a relevância da teologia para a sociedade e, por isso, está interessada em participar dos debates. É uma adequada “sucessora” da Teologia da Libertação?
Não, a Teologia da Libertação se inclina pelas lutas sociais. A Teologia Pública indica, por sua vez, as comunicações oficiais da Igreja à opinião pública. Às vezes, elas coincidem, mas não necessariamente. A Teologia Política e a Teologia da Libertação eram proféticas. O trabalho de opinião pública da Igreja o é apenas raramente.
Deseja, às vezes, que a Igreja eleva mais a sua voz?
Sim.
O senhor escreve que sente falta de um claro “não”, como, por exemplo, a Igreja confessante havia formulado na declaração teológica de Barmer contra a “requisição” de Jesus por parte dos nazistas. Mas a Igreja não deve permanecer em diálogo para contribuir com a unidade?
Se quiser produzir unidade, deve estar em diálogo, sim. Mas não havia unidade entre os cristãos alemães e a Igreja confessante. A unidade nem sequer era desejada por ambas as partes.
E, transferindo esse discurso para hoje, o senhor diria – o que atualmente muitas vezes se pede – que se deve falar com as direitas?
Eu não falaria com Höcke, mas com Gauland, sim.
Onde estabelece a fronteira?
Aquilo que se torna nacionalista, em que se faz apelo à comunidade do povo alemão, me faz lembrar da minha juventude e do nacional-socialismo. É aquilo que eu detesto mais profundamente.
A Igreja deve pôr limites mais claros sobre isso?
A Igreja Evangélica, no Sínodo do verão de 1945, em Treysa, mudou o próprio nome. Até aquele momento, chamava-se de Igreja Evangélica Alemã. Desde então, chama-se Igreja Evangélica na Alemanha. Desse modo, a fronteira está marcada. Eu não sou um cristão alemão, mas sim um cristão na Alemanha. A Alemanha é o lugar onde eu vivo, e não o sinal da minha fé. A Igreja universal existe na Alemanha e existe na Coreia, no Brasil, na Nicarágua e na Inglaterra. E os laços ecumênicos tornam-se mais fortes do que os nacionais. A democracia na Alemanha é tão forte que também sobreviverá à AfD (Alternative für Deutschland).
Esse partido não o preocupa?
Parece-me que tudo o que a AfD faz desperta sensações. Eu não reconheço nesse partido uma alternativa para a Alemanha.
Do que depende o fato de seu nome ser conhecido para além das fronteiras da teologia e da Igreja, de que até mesmo nomes como Helmut Gollwitzer, Hans Küng ou a sua esposa, Elisabeth Moltmann-Wendel, tenham importância fora da Igreja, mas ninguém mais conhece os teólogos ou teólogas hoje, exceto, talvez, Margot Käßmann?
Eberhard Jüngel, Wolfhart Pannenberg, esses sim eram nomes que, na minha geração, eram conhecidos. Também por Johan Baptist Metz, o inventor da nova Teologia Política.
E por que a teologia hoje não se impõe mais, não é mais interrogada sobre questões controversas, embora seja exercida como Teologia Pública?
Não sei.
Por que Heinrich Bedford-Strohm não se impõe?
Porque é bispo. Ele deve reprimir sua opinião sobre a paz e o pacifismo, para dar voz à Igreja inteira.
O senhor acha isso certo?
Ele tem uma tarefa diferente de nós, livres profetas. Se eu tivesse que cuidar de paróquias e igrejas, seria muito mais prudente.
Desejaria que os bispos pudessem ser mais abertos?
Martin Niemöller falou claramente quando era presidente da Igreja em Hesse. Não se irritaram com ele por causa disso.
Talvez isso dependa do fato de a Igreja estar mais atenta ao diálogo, em vez de assumir um lado, como o senhor faz ou como a Teologia da Libertação fez?
Margot Käßmann tomou posição pelo Afeganistão. Eu fiquei contente em ouvir a sua voz.
Bedford-Strohm, junto com o cardeal Marx, deu as boas-vindas aos refugiados na estação de Munique em 2015.
Ele está do lado da decisão de Angela Merkel naquela época, o que lhe rendeu inimizades. Eu o admiro por isso.
Desejaria que mais pessoas da Igreja tomassem posição desse modo?
Sim.
Falemos um pouco de Teologia Política e de algumas questões controversas destes dias: o que Jürgen Moltmann diz sobre os limites de velocidade nas rodovias?
Eu vendi o meu carro no ano passado, depois de um acidente, e não dirijo mais. Sou decisivamente a favor dos limites de velocidade nas estradas estaduais e nas rodovias.
Seria uma limitação de liberdade?
Não, a prudência faz parte da liberdade.
O que Jürgen Moltmann diz sobre a alimentação vegetariana?
Eu tenho quatro netos, dois são veganos, e dois, caçadores. Dois vão caçar animais, dois renunciam à carne.
E o senhor?
Eu me alimento também de carne. Não posso mais esperar uma mudança semelhante do meu corpo. Eu engordei nos anos da fome na guerra e no pós-guerra, e como tudo o que tenho no prato. Como concessão aos meus netos veganos, eu limito o meu consumo de carne e como uma dieta vegetariana às sextas-feiras.
O que Jürgen Moltmann diz sobre uma linguagem não sexista?
Eu me esforcei, escutei a minha esposa e evitei a linguagem machista.
Como está indo?
Leia os livros da minha esposa e meus.
São apenas três temas sobre os quais se discute hoje de forma acalorada. Por que essas questões despertam emoções tão fortes?
Esses temas já eram discutidos de maneira acalorada quando eu era jovem. Tudo se repete. Ficávamos orgulhosos quando o piloto Rosemeyer andava a quase 500 km/h na estrada. As lojas de produtos naturais e ecológicos já existiam quando eu era jovem, hoje são chamadas de “lojas orgânicas”. “Todos os seres humanos se tornam irmãos” – essa limitação já foi questionada durante a Revolução Francesa. Todos os seres humanos se tornam irmãos, exceto as irmãs. “Liberdade, igualdade, sororidade” é o título de um livro da minha esposa – mas fui eu quem o inventou.
Na sua opinião, o que mais incidirá sobre a Igreja Evangélica ou as Igrejas na Alemanha nos próximos anos: o movimento mundial pentecostal ou a digitalização?
Nem uma coisa nem a outra. O Evangelho e a fé incidirão sobre a Igreja.
O senhor sabe que está sendo “substituído” no Twitter [com uma conta falsa]?
Meu amigo e vizinho me mostrou as máximas que um farmacêutico de Pforzheim publica todos os dias.
O senhor sabe quem está por trás disso! Já se encontrou com ele?
Não.
E o que pensa sobre o que ele faz?
Não posso impedi-lo (risos).
Mas o senhor não se envolve mais?
Eu já tenho o suficiente para fazer com a minha máquina de escrever de viagem.
Vou lhe enviar o texto da entrevista por fax, para a autorização.
Melhor não. Meu fax já está estragado. Envie pelo correio.
A digitalização lhe desperta esperança?
Não. Mas não me ocupei a fundo do assunto.
O senhor acha que esse desenvolvimento pode ter um papel para a Igreja?
Aquilo que tem um papel para os seres humanos também tem um papel para a Igreja.
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''Sejam corajosos!'' Entrevista com Jürgen Moltmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU