22 Mai 2020
Publicamos aqui o comentário de Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste domingo, solenidade da Ascensão do Senhor, 24 de maio de 2020 (Mateus 28,16-20). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Celebramos hoje a festa da Ascensão do Senhor, evento narrado pelo trecho dos Atos dos Apóstolos proposto todos os anos como primeira leitura: “Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo” (At 1,9).
A ascensão de Jesus, o seu “afastamento dos discípulos para ser levado ao céu” (cf. Lc 24,51), é outro modo de expressar a sua ressurreição: a vitória sobre a morte de Jesus, graças ao amor por ele vivido, a glorificação de nosso Senhor e Mestre é a sua entrada para sempre, graças ao poder do Espírito Santo, na vida divina do Pai.
Ao mesmo tempo, a ascensão, evento inenarrável com as palavras humanas, precisamente enquanto marca uma “separação” de Jesus dos seus, dá início a uma nova forma de relação entre o Ressuscitado e os discípulos; entre o Ressuscitado e nós que, passando pelo testemunho dos apóstolos, somos os seus discípulos e, portanto, suas testemunhas no mundo.
A contemplação dessa realidade também é colocada diante dos nossos olhos no texto de hoje, a página conclusiva do Evangelho segundo Mateus. Antes da sua paixão e morte, Jesus prometera à sua comunidade: “Depois de ressuscitar, eu irei à vossa frente para a Galileia” (Mt 26,32); e, na aurora da Páscoa, diante do túmulo vazio, o anjo confirmara às mulheres esse anúncio, convidando-as a serem mensageiras: “Ide depressa contar aos discípulos: ‘Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis’” (Mt 28,7).
Obedecendo pontualmente aos discípulos, que permaneceram em Onze por causa da traição de Judas, eles se dirigem para a Galileia, a terra onde havia iniciado o ministério público de Jesus e a sua vida comum com ele (cf. Mt 4,12-22): portanto, preparam-se para recomeçar, para se colocarem novamente, de outro modo, no seguimento de Jesus, que sempre os precede.
Ao vê-lo, os discípulos se prostram diante dele, repetindo o gesto das mulheres (cf. Mt 28,9): não há nenhuma palavra, mas apenas um ato de adoração diante de Jesus já reconhecido como Kýrios, Senhor vivo.
“Ainda assim alguns duvidaram”, têm uma fé vacilante: estão à mercê daquela “pouca fé” tantas vezes criticada por Jesus à sua comunidade (cf. Mt 8,26; 14,31; 16,8; 17,20), daquela atitude que tantas vezes se insinua também no nosso coração endurecido...
Jesus, então, toma a iniciativa, preenche a distância que separa os discípulos dele e diz acima de tudo: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra”. A autoridade com que ele vivera a sua existência, fruto do seu amor pleno pelo Pai e pelos homens e mulheres, depois da sua ressurreição, assume um alcance universal, estende-se ao céu e à terra inteira: o Senhor Jesus é o “Filho do homem sentado à direita de Deus” (Mt 26,64), é o Juiz a quem esperamos como Aquele que virá no fim dos tempos (cf. Mt 25,31-46).
Mas, no tempo entre a ressurreição e a vinda gloriosa do Senhor, a manifestação na história da sua autoridade depende da fidelidade dos discípulos ao mandato com o qual ele, confiando na fé fraca deles, os envia até os confins do mundo: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei”.
E aqui é preciso dizer claramente: a obra de evangelização só é possível com a condição de primeiro ser evangelizado, de ser moldado pelo Evangelho que se anuncia. O verdadeiro testemunho se dá na medida em que se vive em primeira pessoa aquilo que se quer anunciar aos outros; ou, melhor, quem ensina aquilo que não vive deve estar ciente de que, assim, põe obstáculos à recepção do Evangelho e pode até provocar a sua rejeição por parte das pessoas!
O Evangelho segundo Mateus, que havia iniciado com o anúncio da vinda do Emanuel, do Deus-conosco (cf. Mt 1,22-23), feito homem em Jesus, agora termina com as palavras com as quais o Ressuscitado assegura a permanência da sua presença entre os homens e mulheres: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.
Sim, Jesus, tendo subido ao céu, habita à direita do Pai como intercessor em favor dos homens e mulheres (cf. Rm 8,34), mas está sempre ao nosso lado. Somos convidados apenas a crer que o Ressuscitado, mesmo na sua ausência física, está conosco, que o Senhor Jesus e cada um de nós vivemos juntos: então, toda a nossa ação na companhia dos homens e mulheres descenderá da comunhão com ele, será a sua ação entre os homens e mulheres e na história.
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Jesus ressuscitado vive em nós, e nós somos o seu céu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU