19 Novembro 2021
Por que tantos católicos sabem tão pouco do que realmente significa o conceito teológico medieval para descrever o que acontece quando pão e vinho são consagrados na missa?
O artigo é de Hendro Munstermann, professor de Teologia na França, publicado por Nederlands Dagblad e La Croix International, 17-11-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Apenas um terço dos católicos estadunidenses acreditam que a Eucaristia é o corpo e o sangue de Cristo”, apontou uma pesquisa da Pew Research Center, no último agosto.
“Você vê, até mesmo católicos concordam conosco”, disseram os protestantes.
Mas os conservadores católicos ficaram muito alarmados.
“69% dos americanos que se consideram católicos não creem no ensino da Igreja que o pão e o vinho de fato se tornam o corpo e o sangue de Cristo durante a consagração na missa”, disseram eles.
Ambos os grupos erraram o ponto.
A pesquisa da Pew realmente perguntou aos católicos se eles acreditam no “ensino da Igreja sobre transubstanciação” ou se “pão e vinho são símbolos do corpo e sangue de Cristo”.
Em outras palavras, isso foi uma questão de crença em transubstanciação ou simbolismo. Mas ambos os termos são altamente problemáticos quando vêm para descrever a fé católica na Eucaristia.
A Igreja Católica, de fato, não acredita na “transubstanciação”. Esse é o conceito oficial adotado no século XIII para expressar sensivelmente e inteligivelmente o mistério da fé que Cristo está presente na Eucaristia sob a espécie do pão e do vinho.
Católicos acreditam na presença real. O conceito de transubstanciação é meramente uma ferramenta teológica; a melhor que nós temos. Ou talvez, era a melhor que tínhamos.
O termo tem se tornado problemático. De fato, a palavra “substância” soa muito diferente em nossos ouvidos do que soava aos nossos antecessores. Para nós, a palavra inclui coisas como moléculas, átomos e matéria.
Quando o termo “transubstanciação” entrou no ensino católico no século XI, teólogos como Tomás de Aquino e outros basearam seus argumentos no pensamento filosófico de Aristóteles.
Este último usou o termo em um sentido que significa exatamente o oposto do que agora entendemos que significa.
A “substância” de um objeto, de algo que existe, é para Aristóteles tudo exceto sua matéria e o que é visível ou tangível sobre ela.
O termo grego que ele usou (οὐσία, ousía), que mais tarde foi traduzido para o latim como substantia, é provavelmente melhor traduzido em nossa língua contemporânea como “ser”.
Aristóteles, em sua tentativa de compreender a realidade, distinguiu entre os chamados “acidentes” de um objeto e sua “substância” (ser).
Os acidentes dizem respeito a tudo o que tem a ver com materialidade e visibilidade: cor, forma, material. Por exemplo, os “acidentes” de um armário podem ser a madeira, ser castanho e ter 1,8 metros de altura. Mas a “substância” ou o ser do armário não depende desses acidentes.
Se, por exemplo, pintarmos o armário com uma bela cor azul ou substituirmos as portas de madeira por placas de vidro, nada muda em sua “substância”, segundo Aristóteles. Permanece “essencialmente” um armário. Poderíamos dizer que ocorreu apenas uma “trans-acidentação”.
Quando os cristãos se reúnem em torno do pão e do vinho e o sacerdote preside a Eucaristia em nome de Cristo, todos os “acidentes” (a parte material e visível do pão e do vinho) permanecem os mesmos. Mas a própria essência do pão muda: transubstanciação.
Já não é pão para saciar a fome e comer juntos, mas pão para saciar a fome espiritual e recolhido para participar verdadeiramente com os irmãos e irmãs da oferta de salvação de Cristo.
Não há hocus pocus envolvido (embora o termo deste mágico venha das palavras latinas hoc est corpus meum – “Este é o meu corpo”).
A transubstanciação só pode ser sentida por pessoas que sabem e acreditam interiormente que a realidade não se limita à sua materialidade. De fato: isso requer fé.
O termo “símbolo” é igualmente problemático.
Em linguagem geral, é entendido como sinônimo de “não real”. Mas nas tradições filosóficas e cristãs, o termo é usado de uma maneira diferente.
A saber, se usarmos “símbolo” como se referindo a “coisas, lugares, eventos ou pessoas que medeiam uma presença e uma consciência de outra realidade”, é uma palavra que também pode expressar algo do mistério da presença real de Cristo.
Então, os católicos acreditam na transubstanciação ou a veem como um símbolo? Tudo depende de como você interpreta, entende e usa os termos “substância” e “símbolo”.
Por fim, é claro, o mistério da fé não pode ser adequadamente expresso em palavras.
O mistério eucarístico da presença real de Cristo não pode ser explicado. Deve ser celebrado e vivenciado como um mistério repleto de graça que, embora no final das contas transcenda toda compreensão, verdadeiramente faz a pessoa viver.
Isso porque na fé conhecemos a presença de Cristo, não ao lado ou acima da realidade, mas nela e por meio dela.
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O problema com a transubstanciação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU