08 Novembro 2017
“A nova riqueza ritual, introduzida pela Reforma Litúrgica, ajuda o grande corpo da Igreja a expressar melhor o que ela pensa de si mesma, como disse Paulo VI ao abrir a segunda sessão do Concílio Vaticano II. A fazer experiência da presença do Senhor de muitos modos e em diversas linguagens.”
A análise é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua. O artigo foi publicado por Come Se Non, 06-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como evidenciei no meu post anterior (sobre o tema das “partículas redondas”), devemos reconhecer serenamente uma certa tensão entre “teoria da transubstanciação” e “nova celebração do rito eucarístico”. A partir de um certo ponto de vista, essa teoria condiciona fortemente a prática ritual. Por outro lado, por sua vez, foi um certo tipo de práxis que preparou as condições para uma teoria como a da “conversão da substância, que deixa imutáveis os incidentes”.
Em outras palavras, uma parte consistente da doutrina teológica do último século se deu conta de que a “teologia da transubstanciação”, embora conservando com grande precisão o “conteúdo” da fé em um contexto polêmico, não consegue salvaguardar a sua “forma” e determina um progressivo divórcio entre forma e conteúdo, causando repercussões negativas também no plano estritamente conteudístico.
Um exemplo eloquente desse fenômeno pode ser identificado na dificuldade com que, gradualmente, tentamos recuperar a “unidade da oração eucarística”, saindo de uma fruição “altamente seletiva” de tal oração.
Na realidade, observando primeiro a prática e não a teoria, podemos constatar que permanece um profundo “casco duro” daquela que foi, durante séculos, uma “participação ativa” do povo de Deus limitada à “consagração”.
Explico-me melhor. Por uma longa temporada, que remonta pelo menos à Idade Média, a quase totalidade daqueles que “participavam” da missa estava realmente presente apenas no momento da consagração. Tudo o que precedia e tudo o que se seguia no processo ritual era lugar de “devoções paralelas”.
E isso é tão evidente que, no limiar de entrada e de saída desse “intenso lugar de culto comum” – ou seja, a consagração –, uma sineta era predisposta para chamar a atenção inicial e final. A primeira sineta chamava a atenção da assembleia para o ato comum; a segunda restituía cada um às próprias devoções pessoais.
É preciso considerar com atenção que essa “prática” – que hoje não desapareceu, embora tenha se transformado o “som da sineta”, às vezes deslocando-o também para um momento diferente, ou seja, para a elevação – é mais do que um “modo de fazer”: é também um “modo de pensar”, que identifica o ponto exato da “conversão da matéria” e corre o risco de tornar todo o resto “supérfluo”.
Algumas observações são aqui necessárias:
a) Essa prática transformou o rito da Eucaristia, identificando o seu centro em um ato interno à oração eucarística e perdendo gradualmente o contexto orante que o estrutura;
b) A transformação do rito eucarístico substituiu com a “fórmula sobre a matéria” – ou seja, as palavras da consagração sobre o pão e o vinho – a sequência “prex/ritus”, que é constituída por “anáfora eucarística/Rito da Comunhão”. Desse modo, a centralidade da dinâmica ampla entre oração/sacrifício/comunhão foi substituída pela relação estreita entre palavras de consagração e matéria eucarística;
c) Essa transformação foi acentuada pelas polêmicas sobre a missa como “sacrifício/comunhão”: tendo separando claramente a dimensão de sacrifício da de comunhão – em resposta à clara separação luterana da comunhão do sacrifício –, criamos as premissas teóricas para esse isolamento da “consagração” não só em relação à “Oração Eucarística”, mas também ao “Rito da Comunhão”;
d) A tudo isso deve-se acrescentar também o isolamento da consagração em relação à “primeira parte da missa” – à “parte didática”, como era chamada – que apenas recentemente redescobrimos como “comunhão na Palavra proclamada, ouvida e rezada”.
Todo esse desenvolvimento, que responde a múltiplas razões e causas comuns, encontrou no conceito de “transubstanciação” uma forma poderosa de mediação. Isolando a lógica da substância da lógica dos acidentes, ele pôde determinar – sem ter a intenção – todas as nossas formas de “indiferença à forma ritual”, que causaram os desvios formalistas da nossa tradição.
O lembrete que J. Ratzinger indicou em 1980 em relação à “descoberta da forma ritual” como ideia teológica fundamental do Movimento Litúrgico esclarece bem o sentido dessa nova exigência de compreensão teórica da tradição, para a qual os conceitos clássicos não são mais suficientes.
Agora devemos nos perguntar: como podemos restituir ao rito eucarístico a sua riqueza e a sua força? A estrada batida desde o Concílio Vaticano II ainda é muito promissora. Poderíamos resumi-la nestes poucos pontos qualificadores:
a) Ele indicou em sete ações qualificadoras o percurso de atualização da tradição (maior riqueza bíblica, homilia, oração dos fiéis, uso das línguas faladas, comunhão sob as duas espécies, unidade entre palavra e sacramento, e concelebração);
b) Recuperou como critério de fundo a “actuosa participatio”, que restitui à assembleia a qualidade de “sujeito/objeto” da ação ritual;
c) Iniciou o processo de reforma dos ritos, para readquirir aquelas sete riquezas e para possibilitar essa forma renovada de participação, da qual depende toda a experiência eclesial.
Obviamente, se essas razões de novidade forem negadas ou minimizadas, não se percebem as dificuldades às quais a “teoria da transubstanciação” conduz: poderíamos dizer que os defensores do Vetus Ordo muitas vezes se sentem induzidos a reivindicar uma imediata identificação entre presença real e transubstanciação.
Vice-versa, a nova riqueza ritual, introduzida pela Reforma Litúrgica, ajuda o grande corpo da Igreja a expressar melhor o que ela pensa de si mesma, como disse Paulo VI ao abrir a segunda sessão do Concílio Vaticano II. A fazer experiência da presença do Senhor de muitos modos e em diversas linguagens.
De tudo isso, podemos derivar uma série de conclusões, para as quais é preciso especificar também teoricamente o conteúdo da presença do Senhor, que definimos como corpo de Cristo”.
a) Para essa experiência, não é necessário nenhuma sineta. Não faz sentido nem tocá-lo no início da “consagração”, nem deslocá-lo para o início da oração eucarística: nós não podemos separar nem o relato institucional da anáfora, nem a anáfora da Liturgia da Palavra, nem a Oração Eucarística dos Ritos de Comunhão. O rito já tem os seus limiares rituais, mas a participação se estende para todo o processo ritual, não se concentra apenas em uma porção dele;
b) A sineta é o índice daquilo que Enrico Mazza, com razão, chamava de “um rito no rito”: sem perder as diversas articulações do processo ritual, devemos recuperar a percepção do “grande rito” constituído pela sequência “anáfora/comunhão”, dentro da qual fazemos memória das palavras do Senhor sobre o pão e sobre o cálice;
c) O grande rito constituído pela sequência “anáfora/comunhão” compreende e anuncia que “corpo de Cristo” é a Igreja, pela mediação do corpo sacramental; o pequeno rito da consagração corre o risco de se deter na realidade intermediária do corpo sacramental e de não fazer com que se perceba a destinação eclesial do rito eucarístico;
d) Nesse processo de enriquecimento da tradição, a teoria teológica da “transubstanciação” corre o risco de desempenhar – contra as suas próprias intenções – uma função de imunização da forma: se a única forma requerida é a das “palavras precisas sobre o pão e sobre o vinho”, então é evidente quão grande é o risco de distorção da tradição que, através dessa teoria, podemos gerar inadvertidamente.
Para concluir: transubstanciação é um termo que, historicamente, teve a função de “salvaguardar um conteúdo” em um contexto polêmico. Tal função, hoje, deve ser conjugada com uma reivindicação diferente, ou seja, a de recuperar as “formas mais adequadas e mais ricas” desse conteúdo. Para essa recuperação, a noção de transubstanciação parece ser não apenas uma antiga riqueza, mas também uma nova pobreza.
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A sineta na consagração e a transubstanciação. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU