04 Janeiro 2018
“As razões originais da formulação medieval da noção de transubstantiatio sabem muito bem que, na Eucaristia, os acidentes nunca podem ser simplesmente acidentais.”
Por isso, hoje existe “a exigência de uma revisão precisa desse ‘modo conveniente e apropriado’ – mas não necessário e não suficiente – de explicar o dogma fidei, que consiste na confissão da presença do Senhor na Igreja reunida em assembleia para a celebração eucarística.”
A reflexão é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua. O artigo é publicado por Come Se Non, 17-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em diversas intervenções, que apareceram em blogs principalmente anônimos, algumas das minhas afirmações, que eu havia publicado em artigos online ou em comentários na rede, foram sistematicamente mal-entendidas e subvertidas, atribuindo-me opiniões e posições que eu nunca expressei e que me são totalmente alheias. Aproveito a oportunidade deste texto para ilustrar de um modo mais amplo as minhas convicções em matéria eucarística, não só dentro do debate clássico desenvolvido pela teologia católica do último século, mas também em relação a novas publicações importantes, que apareceram nos últimos anos e que merecem a maior consideração.
“Transubstantiatio não é um dogma e, como explicação, tem os seus limites. Por exemplo, contradiz a metafísica.”
Essa minha afirmação, na sua brevidade, não pretende, de modo algum, negar que a Eucaristia realize a presença do Senhor na sua Igreja, mas quer apenas distinguir o dogma fidei – ou seja, a afirmação da presença real – da sua explicação em termos de transubstantiatio. O que leva a essa distinção é um longo debate que, principalmente na teologia alemã – em particular em J. Auer –, permitiu distinguir cuidadosamente entre “objeto da fé” e “justificação teórica de tal objeto”. Giuseppe Colombo, dentre outros, chegava à mesma conclusão (Teologia sacramentaria, Milão: Glossa, 1997), quando afirmava que a transubstanciação “é considerada (…) não como uma verdade distinta da presença real, no sentido de se propor como objeto próprio e à parte da fé católica; mas, mais simplesmente, como uma explicação possível, mas, em todo o caso, não necessária, da presença real” (p. 194). E acrescenta, como ilustração disso, a referência do próprio Catecismo da Igreja Católica, n. 1.376, em que a transubstanciação “é referida apenas como conclusão do tratado sobre a presença real (…) na verdade – se não entendemos mal – mais na linha da explicação da presença real, e não da do dogma de fé” (p. 195).
Com base nesse esclarecimento, “pode desaparecer o temor ou a suspeita de que existe uma ruptura, claramente injustificável no campo teológico, entre uma teologia alemã ou mitteleuropeia inclinada legitimamente sobre uma posição, considerada, por sua vez, ‘herética’ pela teologia latina ou sulista, que continua crendo na transubstanciação como dogma fidei” (p. 195).
Alguns quiseram deduzir das minhas palavras, de forma totalmente arbitrária, que a distinção entre dogma e explicação é, simplistamente, uma negação do dogma. Mas interpretar as distinções como negações é sempre um grave erro, é um sinal de “apaideusía”, e não há necessidade de insistir demais na falácia argumentativa dessa dedução arbitrária.
O dogma é a presença real do Senhor, que, como diz o Concílio de Trento, “de modo conveniente e apropriado” foi chamada de “transubstanciação”. Esse nome, portanto, é possível, legítimo, útil, até mesmo recomendável, mas, em si mesmo, não é necessário. Não se trata de “definição” da presença real, mas sim de uma explicação de autoridade, mas não definitiva, dela.
Em outro nível, devem-se considerar as questões que dizem respeito à “tensão” que a noção de “transubstanciação” registra no plano do “pensamento metafísico”. Sobre esse ponto, de acordo com o próprio Colombo, os novos problemas “derivam não da realidade do mistério da fé, mas da sistemática filosófica conectada com a ideia de substantia” (p. 190).
Se Tomás já havia arriscado reduzir a presença real eucarística ao “milagre” de uma substância à qual concernem os acidentes de outra, com o desenvolvimento posterior, ao termo “substância”, correlacionaram-se, indevidamente, dimensões físicas e químicas que a noção original tinha precisamente a função de excluir.
Assim, uma noção que queria exercer uma refinada mediação entre “excessos realistas” e “excessos simbolistas” correu o sério risco de se confundir com um desses excessos. Decorre daí que um uso indevido e não controlado no plano teórico do conceito de transubstanciação não pode mais ser plenamente fiel à tradição da Igreja.
“A concentração sobre a ‘presença substancial sob as espécies’ distraiu profundamente das outras formas de presença do Senhor, na Palavra, na oração, na assembleia (cf. SC 7).”
Essa segunda afirmação, acima de tudo, deve ser contextualizada dentro da nova compreensão que o Concílio Vaticano II propôs da ação litúrgica como “presença do e ao Senhor” (SC 7). A reconsideração das “diversas formas de presença litúrgica”, de fato, não tem a função de “distrair da presença eucarística”. Em vez disso, é a exclusiva consideração da “presença substancial” que pôde distrair da rica articulação da presença do Senhor, que é exigência vital da ação litúrgica e da participação nela.
Aqui, deve-se notar como a compreensão da Eucaristia “como liturgia” remodelou profundamente a relação entre saber litúrgico e saber dogmático. Nesse sentido, como observou J. Ratzinger em um importante ensaio do início dos anos 1980 (Forma e contenuto della celebrazione eucarística. Id., La festa della fede. Saggi di teologia litúrgica. Milão: Jaca Book, 1984, pp. 33-48), o Movimento Litúrgico, sobretudo, teve o mérito de ter introduzido uma nova acepção do termo “forma” na teologia sistemática: “A liturgia, em sentido moderno, nasceu com a descoberta dessa categoria” (p. 34).
A liturgia não é o “marco cerimonial de um núcleo dogmático”, mas sim a “continuação do exercício sacerdotal de Cristo” que oferece uma “inteligência do mistério per ritus et preces” (SC 48).
À luz desses princípios, que o Concílio Vaticano II redescobriu e relançou profundamente, muda a relação não só entre “presença real” e “presença ritual”, mas também se descobre um lado ritual da presença real e um lado real da presença ritual. O Senhor vem entre os seus de muitos modos, que exigem não simplesmente o “ritus servandus” de uma única “fórmula”, de uma única “matéria” e de um único “ministro”, mas sim a celebração comunitária de uma forma ritual, de uma matéria simbólica e em uma dinâmica eclesial entre assembleia celebrante, conjunto ministerial e presidência.
O desenvolvimento da “actuosa participatio” não foi apenas o verdadeiro fim da Reforma Litúrgica, mas também o princípio eficaz de uma nova inteligência teológica. Que exige recolocar a “forma válida” da Eucaristia administrada dentro do horizonte mais amplo da “forma ritual” da Eucaristia celebrada. A própria busca de uma “forma fundamental” da Eucaristia, que caracterizou, nos anos 1930 e 1940, a pesquisa de R. Guardini e de J. Jungmann – que identificaram, respectivamente, no “banquete” e na “oração eucarística” temas objetivamente novos para a reflexão sistemática sobre a Eucaristia – atesta um trabalho positivo e frutífero, que recontextualizou profundamente a “presença real” em relação à “comunhão” e à “oração de Cristo e da Igreja”.
Não salvaguardar hoje essa profunda relação significaria confiar às categorias clássicas uma função regressiva e distrativa, em relação às evidências fatigantemente amadurecidas no último século, e da qual a fé eclesial e a vida cristã obtêm frutos novos de experiência espiritual e pastoral.
Deve-se acrescentar a isso, necessariamente, a “maior riqueza bíblica” (SC 51), que recuperou solenemente, também em contexto católico, uma rica liturgia da Palavra, que transformou a “parte didática da missa” em experiência sacramental de presença do Senhor, reconhecido como verdadeiro sujeito da proclamação da Palavra. Palavra proclamada, oração eucarística e rito da comunhão são, assim, compreendidos novamente não simplesmente como contextos da presença eucarística, mas também como sequências rituais qualificantes, que não podem mais ser degradadas a “uso do sacramento”, em relação ao qual apenas a consagração teria a dignidade de “essência do sacramento”.
Nesse sentido, a “presença substancial”, se for mal-entendida, corre o risco de excluir, ao invés de incluir e valorizar, as outras experiências fundamentais de presença do Senhor.
“A ‘presença substancial sob as espécies’ reduziu o peso da ‘presença eclesial’ do corpo de Cristo, que continua sendo sempre o efeito principal – a res sacramenti – da celebração eucarística.”
Essa terceira afirmação esclarece-se plenamente se correlacionada ao importante estudo de E. Mazza, Continuità e discontinuità. Concezioni medievali dell’eucaristia a confronto con la tradizione dei Padri e della liturgia (Roma: CLV-Ed. Liturgiche, 2001). Mas, antes de me referir a esse texto, quero lembrar, para evitar equívocos, uma verdade limpidíssima, que São Tomás conserva cuidadosamente, quase contra o seu próprio “sistema”, ou seja, a diferença entre “efeito intermediário” e “efeito principal” da Eucaristia.
A “presença substancial” do corpo e sangue do Senhor continua sendo, no seu sistema teológico, “efeito intermediário” em relação ao dom da graça, que é a unidade e a comunhão da Igreja (S.Th. III, 73, 3, c).
O estudo citado de Enrico Mazza aprofunda historicamente essa afirmação fundamental, mostrando como a elaboração da teoria da transubstanciação – que ocorre em campo apologético – representa, ao mesmo tempo, a causa e o efeito de desenvolvimentos teológicos e litúrgicos muito complexos: movendo-se a partir dos Padres – sobretudo de Ambrósio e Agostinho – e relendo as “teologias eucarísticas” até São Tomás, ele mostra com elegância e competência a transformação das modalidades de compreensão do modo de “estar presente” do Senhor na celebração eucarística. Assim, assistimos à descoberta de diversas coisas interessantes:
- em primeiro lugar, a concentração da atenção na “única consagração”, com a perda progressiva da relação tanto com a “epiclese” quanto com toda a oração eucarística, quanto com o “rito da comunhão”. Apesar desse desenvolvimento medieval e moderno, a nova compreensão do rito eucarístico promovida pelo Concílio Vaticano II exige um aprofundamento da teologia eucarística para valorizar plenamente a “inteligência do mistério per ritus et preces” (SC 48).
Isso pode ser fundamentado na concepção que a idade patrística tinha da presença do Senhor: em particular, Mazza propõe uma nova interpretação de alguns textos de Ambrósio, que orientam a ler as “palavras do Senhor” – quando definem pão e vinho como “Corpo de Cristo” e “Sangue de Cristo” – como pronunciadas não no momento da consagração, mas no momento da comunhão (cf. Mazza, Continuità..., pp. 11-24).
- em segundo lugar, a acentuação a tal ponto do efeito intermediário em relação ao dom da graça assume tal destaque a ponto de chegar a considerar o primeiro efeito como que “contido” no sacramento, enquanto o segundo aparece como simplesmente “significado” pelo sacramento.
Indiretamente, a compreensão em termos de “transubstanciação” teria favorecido um desequilíbrio entre dimensão cristológica e dimensão eclesial do “corpus Christi”. Isso derivaria fundamentalmente de uma “releitura unilateral” dos textos de Ambrósio, que iniciaria com Pascasion Radberto e se cumpriria – embora de modo não unívoco – com São Tomás de Aquino. Assim escreve Enrico Mazza: “Houve uma grande mudança entre a época patrística e a época escolástica: na época patrística, a Eucaristia era entendida como sacramento da unidade do Corpo de Cristo, enquanto na escolástica a res é entendida como a união dos fiéis com Cristo” (Mazza, Continuità..., p. 197).
- em terceiro lugar, a elaboração de uma compreensão do “rito essencial” da Eucaristia, identificado com as palavras da instituição pronunciadas pelo ministro sobre a matéria, correu o risco de perder a consciência da sequência ritual integral, que se estrutura entre “oração eucarística” e “rito da comunhão”, ações que, desse modo, são reduzidas a “usos”, em relação aos quais a única consagração constituiria a “essência” do sacramento: “Na base da concepção de Tomás, há a distinção entre o sacramento e o seu uso. O uso consiste na celebração do sacramento para produzir o seu efeito. Nesse quadro de pensamento, a última ceia é apenas o ‘recipiente’, o ‘contorno’, ou seja, a ocasião e o ambiente em que foi instituída a Eucaristia – ou seja, o sacramento que foi instituído –, e não a última ceia do Senhor, que é apenas o lugar – o recipiente – da instituição da Eucaristia” (Mazza, Continuità..., p. 211).
Esse desenvolvimento teórico escolástico teria determinado a progressiva concentração do olhar eclesial – não apenas teológico, mas também pastoral e espiritual – apenas sobre as palavras pronunciadas sobre o pão e sobre o vinho no momento da consagração, delimitando a essa breve sequência o ponto decisivo tanto para a conversão do pão e do vinho, quanto para a fé na presença real. Esse ponto da celebração torna-se o “rito eucarístico” por excelência, e assim se perde a consciência da sequência plenária, que inclui em seu interior tanto toda a “oração eucarística”, quanto a plena articulação dos “ritos da comunhão”.
Tendo chegado a este ponto, gostaria de notar que as posições expressadas por mim em textos recentes não só derivam de autores “clássicos”, como G. Colombo e E. Mazza, mas também recorrem e amadureceram graças a teses de doutorado muito recentes, nas quais eu estive envolvido pessoalmente, e que mostram uma finíssima elaboração das questões teológicas e filosóficas em torno da Eucaristia e da compreensão da “presença real” mediante conceitos teóricos e litúrgicos renovados.
Em 2013, foi publicado o texto de Manuel Belli, Caro veritatis cardo. L’interesse della fenomenologia francese per la teologia dei sacramenti (Milão: Glossa, 2013), em que o autor se depara aberta e profundamente com as provocações que vêm da recente fenomenologia francesa, entendida como um “saber pós-metafísico” capaz de mediar a fé na presença do Senhor de modo renovado e inesperado.
Em 2016, apareceu a publicação de Matthieu Rouillé d’Orfeuil, Lieu, présence, résurrection. Relectures de phénoménologie eucaristique (Paris: Cerf, 2016), em que o autor relê algumas das pedras angulares da tradição antiga e medieval através dos conceitos reelaborados com a ajuda do pensamento fenomenológico. Três categorias (lugar, presença e ressurreição) são repensadas em relação à fé eucarística e à sua compreensibilidade contemporânea.
Também de 2016, deve-se destacar o trabalho de Claudio Ubaldo Cortoni, “Habeas corpus”. Il corpo di Cristo dalla devozione alla sua umanità al culto eucaristico (sec. VIII-XV) (Roma: Studia Anselmiana, 2016), em que se propõe uma acurada releitura da tradição eucarística, investigando com fineza a correlação entre questões cristológicas e teorias eucarísticas, a partir da qual derivaria, de modo significativo, o culto eucarístico medieval.
Por fim, não posso esquecer o belo volume de Loris Della Pietra, Rituum forma. La teologia dei sacramenti alla prova della forma rituale (Pádua: EMP-Abbazia S. Giustina, 2012), em que é acuradamente tematizada a mudança da noção sistemática de “forma”, especialmente ao longo do século XX, também através de uma precisa investigação do debate em torno da “forma fundamental da Eucaristia”, que envolveu o pensamento de Guardini, Jungmann e Ratzinger, e que parece muito promissora para o debate atual.
Trata-se de quatro teses de doutorado dignas de admiração, que atestam um sério trabalho de pesquisa elaborado no Ateneu Santo Anselmo e no Instituto de Liturgia Pastoral de Pádua, ambientes acadêmicos em que a fidelidade à tradição busca recorrer tanto a uma rigorosa escavação histórica das fontes, quanto a um debate aberto com as correntes mais vivas e fecundas do pensamento contemporâneo. Para que a fidelidade à Eucaristia, como dizia o Doutor Angélico, respeite sempre os seus três significados fundamentais de memória do passado da paixão, morte e ressurreição, de reconhecimento presente do dom da graça e de degustação repleta de esperança do cumprimento definitivo.
Se a elaboração da noção de “transubstanciação” ocorreu durante um complexo debate entre diversos componentes da tradição cristã medieval e, depois, foi utilizada em uma difícil crise no confronto do catolicismo com as diversas formas de “protesto evangélico”, ela serviu, pelo menos até o século XVI, para mediar com sabedoria entre diversos excessos – realistas ou simbolistas – presentes não só na teologia da Eucaristia, mas também e talvez sobretudo na cristologia.
O conceito de transubstanciação, portanto, deve ser reconhecido como o fruto de uma preciosa “mediação” como salvaguarda da comunhão eclesial. Contudo, isso envolveu – também para além das melhores intenções – uma forte transcrição da experiência cristã nas categorias da teorese filosófica, intelectualista e metafísica de derivação grega e de elaboração escolástica.
Isso determinou uma “declinação” da presença real definida de acordo com a articulação do ser como “substância” e como “acidente”. Isso introduziu inevitavelmente uma certa sobrevalorização do invisível (ao qual o intelecto tem acesso ajudado pela fé) e uma certa sub-valorização do visível (que é considerado apenas na sua função de elemento/matéria ou de objeto da rubrica). A razão pela qual a distinção entre substância e acidentes foi concebida – isto é, a unidade do real em devir – obtém, na doutrina eucarística, um efeito invertido – um resultado de “cisão” e de “separação” – que, depois, é difícil de remediar.
A “essencialização da presença” apenas no momento da consagração, de fato, reduziu a “usum” todo o resto da experiência de presença, na Palavra, na oração eucarística e na comunhão.
A recuperação dessas três dimensões fundamentais da presença do Senhor na Eucaristia – como evento de Palavra proclamada, como evento de “oração eucarística eclesial” e como “evento de comunhão no único pão e no único cálice” – inevitavelmente enfraqueceu e redimensionou toda pretensão de identificar a “presença” apenas na “conversão da substância”.
Por isso, não se trata de desmentir o trabalho teológico secular, que elaborou e estruturou a “teoria da transubstanciação”, mas de recontextualizá-lo dentro de uma experiência mais ampla e mais complexa do evento eucarístico e de acordo com uma nova reflexão filosófica, na qual o emprego de termos como substância e acidentes tornou-se altamente problemático.
Em certo sentido, o Movimento Litúrgico, o Movimento Patrístico, o Movimento Bíblico e o Movimento Ecumênico, que caracterizaram de modo tão eficaz a teologia das primeiras décadas do século XX, contribuíram, cada um de sua parte, com essa recontextualização da “verdade eucarística”, permitindo reconhecer, conclusivamente, dois “limites teológicos” da noção de transubstanciação, ao lado daquele ligados mais em geral à transição cultural tardo-moderna:
- para dizer a “presença real”, o recurso à linguagem da “conversão de toda a substância” continua legítimo, possível, às vezes até recomendável, mas não é em si mesmo necessário. Não constituindo uma “verdade” diferente da “presença real”, constitui uma explicação autorizada dela, mas não é “outra coisa” do que a afirmação da “presença real” do corpo e sangue do Senhor Jesus no pão e vinho da Eucaristia. Não se trata de crer em “outra coisa do que a presença”, mas de se confiar em uma mediação autorizada, cuja intenção não é o testemunho da fé, mas sim a sua explicação.
- para dizer a “presença do Senhor” na ceia eucarística, a noção de “transubstanciação” – concentrando-se apenas em um momento da celebração e considerando apenas uma sequência limitada do processo ritual – não é suficiente para restituir a integralidade da experiência cristológica e eclesial que a ação eucarística institui.
A afirmação da “não necessidade” e da “não suficiência” da noção de “transubstanciação” – deduzida a partir das referências teológicas acima indicadas – não significa, de fato e de modo algum, uma intenção de “negar a presença real”, mas indica, em vez disso, a tarefa de uma “tradução da tradição”, através da qual se possa permanecer fiel àquilo que fizeram, há alguns séculos, os pastores e os teólogos dos séculos XIII e XIV: assim como eles traduziram na relação entre as categorias de substância/acidentes a “fé eucarística na presença do Senhor” – fé que, por muitos séculos anteriores, não havia se expressado mediante essa terminologia –, assim também nós hoje devemos traduzir essa mesma fé em categorias novas, que busquem restituir à experiência eucarística integral uma maior espessura de ação e uma unidade de experiência mais límpida.
Assim como para os antigos a construção do conceito de “transubstanciação” foi um trabalho lento, gradual e não desprovido de fadigas, assim também é e será para nós a tarefa da sua revisão e do seu aprofundamento.
Para delinear tal objetivo em uma palavra conclusiva menos imprecisa, eu diria que a tarefa da revisão da noção de “transubstanciação” deverá poder fazer experiência da Eucaristia não só com o intelecto, mas também com toda a sensibilidade e através do magistério da ação: uma compreensão da Eucaristia confiada apenas à categoria de “substância” – e, por isso, inevitavelmente ligada ao primado do intelecto – não pode conseguir valorizar plenamente nem a dimensão sensível da experiência, nem as razões originais da ação em relação apenas à contemplação, correndo o risco, assim, de reduzir o acidente a um elemento acidental, enquanto as razões originais da própria formulação medieval da noção de transubstantiatio sabem muito bem que, na Eucaristia, os acidentes nunca podem ser simplesmente acidentais.
Precisamente esse forte limite, ligado talvez mais ao desenvolvimento do conceito do que à sua intenção original, determina hoje a exigência de uma revisão precisa desse “modo conveniente e apropriado” – mas não necessário e não suficiente – de explicar o dogma fidei, que consiste na confissão da presença do Senhor na Igreja reunida em assembleia para a celebração eucarística.
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Presença real e transubstanciação: conjecturas e esclarecimentos. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU