24 Setembro 2021
Nos Estados Unidos, o Facebook já propôs acordos com algumas comunidades religiosas e organizou um encontro online de fiéis. Mas não faltam dúvidas a esse respeito.
O comentário é do teólogo italiano Paolo Benanti e do filósofo italiano Sebastiano Maffettone.
Benanti é franciscano da Terceira Ordem Regular, além de professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida. Em português, é autor de “Oráculos: Entre ética e governança dos algoritmos” (Ed. Unisinos, 2020).
Maffettone é professor de Filosofia Política na Universidade LUISS Guido Carli, em Roma, onde dirige o Center for Ethics and Global Politics e é presidente da Escola de Jornalismo Massimo Baldini.
O artigo foi publicado em Corriere della Sera, 22-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os usuários regulares do Facebook são cerca de 3 bilhões. Os cristãos no mundo, cerca de 2,3 bilhões. Os números importam, e os responsáveis pelas fusões e aquisições dos dois grupos estão empolgados. Ganha cada vez mais espaço a ideia de que as redes sociais podem entrar no mundo das comunidades de fé. E isso não diz respeito apenas aos cristãos, como é óbvio, mas, de maneira diferente, caso a caso, todas as religiões, dos islâmicos aos budistas e assim por diante.
Por outro lado, se as redes sociais são indispensáveis para ganhar uma campanha eleitoral e são necessárias para vender qualquer produto comercial, como não pensar que também podem servir para tornar mais simples e eficaz a aproximação do ser humano a Deus?
O interesse e a curiosidade de muitos representantes do mundo religioso são compreensíveis. Basta pensar na arrecadação de fundos para se ter uma ideia. Mas, obviamente, não é apenas uma questão econômica. Trata-se de contatos.
E, como a pandemia nos mostrou, quando os contatos físicos são difíceis, só resta tentar ir ao encontro dos outros online. E, a partir desse ponto de vista, ninguém melhor do que uma rede social como o Facebook para obter resultados nesse âmbito.
Os contratos, porém, são feitos a dois, e também deve haver um interesse do Facebook para poder avançar nessa direção. Um interesse que provavelmente consiste em criar e cimentar novos espaços de confiança.
Escândalos e sobressaltos variados fazem tremer de vez em quando a credibilidade das redes sociais, e provavelmente nada pode fortalecer novamente os laços fiduciários melhor do que uma ancoragem da rede social nas comunidades de fé. Estas são, em última análise, depósitos de capital humano e social.
Sobre essas premissas, não é estranho que figurões do Facebook tenham lançado uma campanha de fidelização (pode-se dizer assim?) explicitamente dirigida a grupos religiosos cristãos individuais, mas indiretamente dirigida a todas as comunidades religiosas.
O fato é que, desde 2017, o Facebook fundou a sua equipe de parcerias religiosas e começou a estreitar relações com grupos religiosos, principalmente cristãos reformados. Depois do lockdown em particular, o Facebook abordou vários desses grupos dizendo essencialmente: “Nós queremos ser o departamento de TI de vocês e o ponto de referência para a transmissão digital”.
E, nos últimos meses, organizou um encontro online de fiéis, uma verdadeira cúpula religiosa. Em resposta, algumas Igrejas reformadas estadunidenses decidiram testar dois instrumentos do Facebook: assinaturas nas quais os usuários pagam 9,99 dólares [53 reais] por mês e recebem conteúdos exclusivos, como as mensagens do bispo; e a possibilidade de os fiéis que assistem aos cultos online enviarem doações em tempo real.
À primeira vista, trata-se de uma estratégia ganha-ganha. As comunidades de fé e as redes sociais ganham algo, como já se disse, mas a sociedade como um todo também pode encontrar a sua própria vantagem. Como o cientista político Robert Putnam escreveu há alguns anos em um de seus livros, os cidadãos religiosos são, em média, mais leais. Eles respeitam as leis e a ordem social melhor do que o restante da população. Portanto, divulgar o verbo das várias religiões nas redes sociais pode ajudar a tornar a comunidade nacional mais pacífica e coesa.
No entanto, algumas dúvidas surgem espontaneamente. Não podemos pensar que a religião é algo séria demais para ser confiada às redes sociais? Como sabemos, estas últimas não são generosos dispensadores de boas obras, mas sim empresários dedicados à busca do lucro. E, a partir desse ponto de vista, o imperativo da espiritualidade parece colidir com o do lucro.
Tudo bem, os caminhos do Senhor são infinitos, e concordamos que até agora os grupos reformados não permitiram a publicidade nos sites que usam, mas é difícil imaginar uma fé aparentada com empresas lideradas por aguerridos conselhos de administração e por relatórios trimestrais dilacerantes.
O templo nem sempre se dá bem com os mercadores, como sabemos. Mas tem mais. No fim das contas, a fé se baseia na mística, e a vivência religiosa é (também) uma experiência interior. É realmente complicada vê-la sendo jogada nas redes sociais. A esse respeito, há também uma questão de privacidade. Se nos voltamos ao Altíssimo, um pouco de intimidade faz parte da relação. E não há necessidade de imaginar um confessionário coram populo para entender isso.
Em suma, se é difícil (como defendemos em um artigo anterior) imaginar uma política sem os corpos físicos das pessoas, também é árduo pensar em uma religião predominantemente online.
McLuhan nos disse que o meio é a mensagem. Será que isso significa que, mais cedo ou mais tarde, acabaremos crendo que “in social we trust”?
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Os caminhos do Senhor também passam pelas redes sociais. Artigo de Paolo Benanti e Sebastiano Maffettone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU