25 Agosto 2021
Uma investigação realizada por uma ONG holandesa mostra como o laboratório que fornece uma das vacinas contra o coronavírus enriqueceu às custas dos estados e praticando a evasão fiscal em massa.
A reportagem é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 24-08-2021. A tradução é de André Langer.
Os cientistas que descobriram as vacinas RNA mensageiro que podem nos proteger contra o coronavírus e, possivelmente, em breve, contra outras doenças de diversas formas, como o câncer, merecem nossos agradecimentos.
Os laboratórios que as fabricam e comercializam merecem muito menos nossos agradecimentos.
Eles viram apenas uma oportunidade: enriquecer com a pandemia às custas dos estados e dos contribuintes. No caso da Moderna, cujas práticas acabam de ser objeto de uma investigação conduzida pela ONG SOMO, é duplamente o caso: bombeando dinheiro público, e, em seguida, transferindo os lucros obtidos para os paraísos fiscais.
Vamos dar uma olhada na situação da empresa de biotecnologia pouco antes da pandemia. Ela foi fundada em 2010 para continuar as pesquisas sobre a técnica do RNA mensageiro. Para isso, conseguiu levantar, ao longo dos anos, 1,5 bilhão de capital privado, principalmente de fundos de investimento como Ballie Gifford, Vanguard ou BlackRock, que são seus principais acionistas. Somam-se a isso 680 milhões de investimentos recuperados com as colaborações. Tudo isso para nada: em 10 anos, a empresa não encontrou nada, não vendeu nada, não ganhou nada.
Depois, o coronavírus se espalhou pelo mundo. A Moderna viu-se então na cornucópia: o governo dos Estados Unidos concedeu-lhe US $ 4,1 bilhões para pesquisas, ensaios clínicos e a produção de vacinas, aos quais se somaram US $ 900 mil da COVAX, iniciativa pública global em favor dos países pobres.
Com esses 5 bilhões, a serem completados em breve pelas pré-encomendas da União Europeia, a Moderna pôde contar com as duas inovações representadas pelo RNA mensageiro e pela proteína Spike, duas revoluções resultantes de pesquisas públicas estadunidenses. Ela então desenvolveu uma vacina de RNA mensageiro, novamente com o apoio não só de dinheiro, mas também de pesquisa pública estadunidense: a patente Moderna é copropriedade do governo dos Estados Unidos.
Ao receber o dinheiro do governo estadunidense, a empresa comprometeu-se a ser transparente quanto à parte dos seus investimentos financiados com dinheiro público. Ela não fez isso. A investigação da SOMO mostra que ele foi mais do que fundamental.
Ao receber o dinheiro da COVAX, a empresa também se comprometeu a atender rapidamente os países pobres e intermediários. Ela não fez isso. Foi apenas em maio de 2021 que ela concordou em entregar 34 milhões de doses. Isso é muito pouco em comparação com as centenas de milhões de doses que ela vendeu a preços elevados nos mercados solventes da Europa e dos Estados Unidos.
Mas a ganância dos executivos corporativos está longe de parar por aí.
Se você quiser visitar os escritórios da Moderna, terá que ir a Massachusetts. Mas, lá você encontrará apenas uma filial. A matriz está registrada em outro estado: o Delaware, notório paraíso fiscal com 973 mil habitantes e 1,5 milhão de empresas!
Lá você também encontrará outra empresa, a ModernaTX, entidade que detém todas as patentes da empresa.
O Delaware tem todas as vantagens da opacidade que um paraíso fiscal pode oferecer, em particular a ausência de obrigação de tornar públicas suas contas, um imposto corporativo de 8,7%, um sistema judicial favorável aos acionistas e nenhum imposto sobre a renda dos ativos imateriais, tais como patentes... Isso é uma boa notícia: a ModernaTX na verdade detém 780 patentes, das quais 595 estão relacionadas à tecnologia do RNA mensageiro. Seguindo um padrão usual, todas as subsidiárias da empresa relacionadas a vacinas devem pagar royalties à ModernaTX, transferindo parte dos lucros para Delaware, onde não serão tributados.
Mas o senso de inovação – fiscal – dos dirigentes corporativos não termina aí. Como se pode verificar na primeira página da parte tornada pública dos contratos de pré-compra de vacinas pela União Europeia, a Europa negocia com a Moderna Switzerland GmbH. Esta subsidiária, criada em junho de 2020 no cantão de Basel (Suíça), parece não ter nenhuma função nem na pesquisa nem na produção de vacinas. Ela está, no entanto, registrada no território classificado pela Tax Justice Network como o terceiro mais opaco do mundo e o quinto mais utilizado pelas multinacionais para sonegar impostos.
Em suma, a Moderna é uma empresa que vende um produto financiado com dinheiro público, revendido aos Estados a um preço elevado e com um lucro que, segundo as estimativas, deverá atingir 8 a 10 bilhões de dólares em 2021. Lucros que vão parar, em grande parte, nos paraísos fiscais.
Houve um tempo, após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, em que os estados impunham às empresas o “imposto sobre lucros extraordinários”...
Ah, a propósito: o diretor-geral da Moderna, Stéphane Bancel, está no topo da lista das nove pessoas no mundo que se tornaram multibilionárias graças à pandemia (fortuna de 4,3 bilhões). Uma lista na qual encontramos também Timothy Springer e Robert Langer, dois cientistas acionistas fundadores da empresa (respectivamente 2,2 bilhões e 1,6 bilhão), assim como o presidente da empresa, Noubar Afeyan (1,9 bilhão).
A história não diz que estratégia fiscal eles planejam seguir.
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A Moderna, o dinheiro público e os paraísos fiscais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU