O ativismo que nos seca por dentro. Comentário de Adroaldo Palaoro

Foto: canva

18 Julho 2025

A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 16º Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Lucas 10,38-42.

Eis o texto.

“Marta estava ocupada com muitos afazeres” (Lc 10,40)

O evangelho deste domingo nos situa num ambiente familiar onde Jesus é acolhido na casa de suas amigas, Marta e Maria, em Betânia. Ele está cansado do caminho e sempre encontra nesta casa da pequena aldeia, próxima de Jerusalém, um lugar para descansar do caminho, repor as forças para continuar e recuperar a paz que, às vezes, perdia devido às dificuldades da missão.

Jesus “entra” naquela casa como o último dos peregrinos; mas, para as duas irmãs, Ele se torna o primeiro, o único, o centro, em torno de quem se reordenam toda a atenção e as outras ocupações.

A primeira intenção de Marta é ótima: acolher o Amigo. Mas logo sua intenção primeira cede lugar às intenções secundárias, que, aos poucos, a envolvem e a afastam do essencial: hospitalidade do Amigo.

É como se a víssemos correndo de um lado a outro, talvez dedicando algum olhar ao hóspede ao princípio, mas à medida que passa o tempo, esse olhar revela-se distraído até se transformar em repreensão à sua irmã.

O ir e vir, o afanar-se ofegante terminam por afastá-la da pessoa do Senhor.

Qual foi, então, o erro de Marta? O fato de não entender que a chegada de Jesus significava, principalmente, a grande ocasião que não se podia perder e, por conseguinte, a necessidade de sacrificar o urgente em favor do que é mais importante. Ela revela um comportamento dominante e possessivo. Envolve Jesus em uma embaraçosa discussão familiar. Impõe-se autoritariamente: “Mande que ela venha me ajudar”. Sobretudo, Marta busca, por todos os meios, chamar a atenção. O nome mesmo de Marta quer dizer “dona”, “senhora”, e ninguém se atreve a negar que se comporta como tal.

Marta representa um modelo de hospitalidade que carece da capacidade para “sair de si”; obriga o Amigo hóspede a entrar nos próprios esquemas, nos próprios ritmos, nos próprios desejos. É ela que decide o que deve agradar o hóspede. E não compreende que, ao invés de estar centrada no Mestre, está dispersa e perdida em suas coisas, as quais terminam por converter-se em algo intocável.

Marta fez muitas coisas para agradar ao Senhor, mas lhe negou a única da qual ele tinha necessidade: estar sintonizada n’Ele. Mas, Jesus se comportou com extraordinária delicadeza: admoestou-a e repreendeu com suavidade: “Marta, Marta...!”

O Mestre arranca Marta do plano do mero “fazer”, no qual ela desejaria envolver também sua irmã, e a impulsiona para o plano do “ser”.

Por outro lado, Jesus vê em Maria a mulher discípula, sintonizada com Ele e não dispersa em mil ocupações. Ele rompe com a tradição machista e inaugura uma condição nova para a mulher: ser sua discípula. Ele quer a mulher dedicada à única obra essencial, aquela que se encontra para além das múltiplas ocupações.

Jesus confirma Maria em sua opção fundamental, na atitude que, de modo intuitivo, ela tinha adotado. Consagra-a naquilo que é sua atitude prioritária: a atenção contemplativa, a escuta do Mestre. Nada deverá afastá-la desta presença descentrada e gratuita.

Maria acolhe o Mestre “a partir de dentro”, converte-se em tabernáculo d’Ele; brinda-o hospitalidade naquele espaço interior, secreto, que foi predisposto por Ele e que está reservado a Ele, a seu amor. Põe à disposição aquilo que o Senhor lhe pede, já que este espaço secreto foi criado, foi preparado por Ele e o adornou e consagrou justamente para este fim.

A diaconia feminina se alimenta do encontro e da escuta da pessoa de Jesus; o único e indispensável ministério feminino fundamenta-se na acolhida contemplativa da palavra de Jesus, em sua interiorização, no serviço da gratuidade.

Portanto, a “escuta” e o “serviço”, personalizados nas duas irmãs, não são alternativos, mas expressões da única e privilegiada relação com o Mestre.

A integração e harmonia entre as duas atitudes (escuta e serviço) é o caminho proposto pela dinâmica da espiritualidade cristã; ser “contemplativo na ação” ou “ativo na contemplação”, eis o equilíbrio difícil.

O que Jesus pede a Marta é amá-lo em seu serviço, como Maria o ama em sua atitude de escuta. Tudo o que se faz sem amor é tempo perdido. Tudo o que se faz com amor é eternidade reencontrada. De fato, diante das preocupações, da agitação cotidiana, dos apegos, das “afeições desordenadas” ... a escuta e o encontro com o Outro e com os outros tornam-se praticamente impossíveis. 

Tal situação nos faz prisioneiros da solidão, sentindo-nos abandonados, impotentes, sobrecarregados pelo ativismo vazio e sem sentido...

O ativismo produz, a princípio, a sensação de estarmos muito ocupados e o falso consolo de “sentir-nos úteis”. Mas, de fato, o ativismo nos converte em engrenagens de um sistema massacrante e acaba gerando frustração, impotência e vazio, falta de sentido (para quê? para quem?...).

Em sentido mais profundo, o relato deste domingo revela uma riqueza maior. A “única coisa necessária”, “a melhor parte”, que ninguém nos poderá tirar, é a compreensão daquilo que “somos”. O decisivo é “ser”, tanto na ação como na contemplação.

Diante da falta desta compreensão, podemos “multiplicar” nossas atividades e nossos serviços, mas sempre aparecerão a inquietação, a ansiedade, o nervosismo e, sobretudo, a queixa contra quem não age como nós.

Este é para nós o ativismo doentio que nos seca por dentro. Ativismo não é o mesmo que muita ação, pois a ação oblativa nos dirige para fora de nós mesmos e o ativismo nos faz ficar curvados e fechados em nós mesmos. “Contemplativos(as) no ativismo” é contraditório. Não há contemplação no ativismo, mas introspecção paralisante.

Para muitos cristãos, precisamente, a agitação, o ativismo frenético, os serviços múltiplos, as “demasiadas” exigências às quais se dedicam, constituem uma tática dispersante e defensiva que lhes servem para proteger-se das verdadeiras exigências, para não deixar que o hóspede os interpele, para fugir do compromisso cara a cara com Ele; em uma palavra, para esquivar-se do encontro.

A atitude contemplativa típica de Maria não se opõe ao serviço característico de Marta.

Na vida cristã não se trata de eleger entre Marta e Maria; elas representam duas dimensões de uma personalidade cristã que deveria tender a ser unitária, duas dimensões que deveriam estar sempre estreitamente unidas, harmonizadas, integradas. É preciso servir ao Senhor como fez Marta e é preciso escutá-lo como o fez Maria. Pode-se dedicar a diferentes coisas, mas sem perder de vista a única necessária: a centralidade na pessoa de Jesus Cristo.

Em qualquer caso, o relato deste domingo serve como advertência, pois a “dimensão Marta”, presente em nós, tende frequentemente a prevalecer, a dominar tudo, até o ponto de bloquear o espaço aberto à “dimensão Maria”. No episódio que nos ocupa, o que importa é não perder o momento, a ocasião. Em definitiva, não frustrar a relação pessoal com o Senhor. Trata-se de compreender a importância da hora e da ocasião oferecidas. É questão de sacrificar o urgente em benefício do importante.

Devemos estar de sobreaviso, de modo que a Marta cheia de tarefas, inquieta e agitada que carregamos dentro de nós não intervenha brutalmente profanando, molestando, reduzindo, interrompendo bruscamente a oração, cortando o contato vital com o Senhor.

Para meditar na oração:

Também nós precisamos habitar e saber habitar a nossa própria casa interior; só assim é possível reconhecer o Hóspede que em segredo a habita e a dignifica.

- No centro de sua casa interior está o Mestre ou está “Marta dispersa”?

- Na sua vivência do seguimento de Jesus, como integrar a “dimensão Maria” e a “dimensão Marta”?

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