19 Julho 2013
Primeiro, servir aos irmãos ou, primeiro, acolher a Palavra? É um falso dilema. Somos convidados a ser seja Marta seja Maria. A caridade e a contemplação se convocam uma à outra.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 16º Domingo do Tempo Comum (20 de julho de 2013). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Génesis 18, 1-10
2ª leitura: Colossenses 1, 24-28
Evangelho: Lucas 10, 38-42
A palavra criadora
O tema da palavra é inesgotável. Limitemo-nos a algumas poucas observações. Sempre que tomo a palavra é com vistas a estabelecer uma ligação, uma relação com algum outro. Mais: quando, no princípio do quarto evangelho, lemos "No começo era o Verbo", podemos traduzir: "No começo (quer dizer, na raiz de todas as coisas) era a Relação". O que me constitui é, portanto, este vínculo que me religa a algum outro, ao Outro. Pela palavra eu me torno eu mesmo, saindo de mim. Mas não sou apenas quem fala, sou também aquele que escuta. Pela escuta, dou licença ao outro para penetrar em mim, para transformar-me, para constituir-me, para me fazer existir. Por aí, dou existência também a este outro, fazendo dele um criador. As Escrituras comparam muitas vezes a palavra com a semente, como em Lucas 8,11, por exemplo. Podemos até ver alguma semelhança com a fecundação sexual. Temos aqui, então, aos pés de Jesus, Maria que escuta a palavra que a faz existir. Está sentada, ou seja, conforme o contexto, em posição de repouso, de inatividade. Inteiramente receptiva. Já Marta é só movimento. É ela quem toma a palavra, enquanto o texto deixa Maria totalmente muda. De um lado, a figura da atividade, de outro, a figura do abandono, ligada ao acolhimento confiante.
O pão e a palavra
Lembremos que Jesus, quando tentado a transformar as pedras em pão, responde ao tentador citando Deuteronômio 8,3: "Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus." Marta, assumindo todas as providências pela recepção, ocupa-se unicamente dos alimentos sólidos, do "pão". À primeira vista, conforme citações, aliás, de vários textos dos dois Testamentos, ela tem razão. É muito bonito dedicar-se à contemplação e à leitura assídua de livros espirituais, semear ou escutar a "boa palavra", mas isto não alimenta quem tem fome. A fé só se verifica nas ações por ela geradas. Lembremos Tiago 2,16-17: "Se o irmão ou irmã estiverem nus e carentes do pão de cada dia e algum de vós lhes disser: "Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos", sem lhes ter dado com que satisfazer às necessidades do corpo, que adiantaria? Assim também a simples fé, se não produz obras, está morta." Marta está, pois, com a verdade ao empenhar-se por servir a refeição. Com toda certeza, podemos pensar que Jesus não a criticou por seu trabalho, mas, sim, por sua inquietude e sua agitação (versículo 41). Ela ainda não descobriu que podemos nos entregar à ação, recebendo-a de Deus, de todo modo, em atitude de escuta, de confiança e de paz. Neste ponto, Maria e Marta podem se reconciliar, conciliando as suas maneiras de se por em escuta e a serviço do Cristo. A ação pode tornar-se oração.
O único alimento necessário
O pão é para ser comido; a palavra também. Não se fala em devorar um livro? Em beber as palavras de um notável orador? Em Ezequiel 2,8-3,3 e no Apocalipse 10,10, o profeta recebe a ordem de comer o Livro. Um livro cheio de doçura, mas cheio também de amargura. O gosto horrível do mal sofrido e causado pelo homem e a doçura incrível de se ver tomado sob os cuidados do próprio Deus em tudo o que temos de atravessar. Fazer nossa a Palavra, absorvendo-a em nossa intimidade, coloca-nos em condições de esposar e fazer frutificar tudo o de que de bom e de mal constitui a nossa vida. Maria escolheu a melhor parte porque, fazendo sua a palavra de Jesus, tornou-se capaz de transformar para melhor tudo o que irá acontecer em sua existência, inclusive, no horizonte, a crucifixão do Cristo, onde se amassará o pão para a vida eterna. Devemos notar que os evangelistas situam muitos acontecimentos importantes no contexto de uma refeição. É assim em Mateus 9, em que uma refeição se segue ao chamamento do apóstolo, com a revelação da missão de Jesus; assim também em Lucas 7, quando a prostituta, figura de todos os homens pecadores, é acolhida na amizade de Deus; e também na história de Zaqueu, em Lucas 19. Além disso, é claro, na última Ceia. A história de Marta e Maria é toda ela construída sobre a metáfora da refeição. Marta, inquieta, multiplica os pratos (as "muitas coisas" do versículo 41). Jesus declara que um único alimento é necessário, a melhor "parte" que Maria escolheu.
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Acolher a Palavra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU